ARTIGOS

O Encontro



José Milton Castan Jr.

Quinta feira, jornal à mão. Já havia passado pelas manchetes. Agora no primeiro caderno, quase despercebida, metade abaixo na página dois, uma linha divisória interligando a palavra em azul - Crônica - e foto inesperada. Bateu o olho no título e se encaminhou ao texto, que começava mais ou menos assim:

"Quinta feira, jornal à mão".

Ops! Dileto leitor ensina a boa educação: primeiro os cumprimentos, apresentações e depois seguimos.

Chegar exatamente neste ponto, se passaram uns dias e mais cinquenta e cinco anos. Do que fiz ou que fui poderíamos falar, quem sabe, à frente. Mas, para mim, fique certo, ocupar este espaço é antes de tudo um grande prazer. Confesso: foi quase por acaso, meio pensado sim, de amigo em amigo (que de pronto, agradeço) e duas felizes coincidências que as vicissitudes da vida certamente não explicam - e cá estou.

Retribuo ao seu cumprimento:

- O prazer é todo meu! Seu nome me lembra dum grande amigo...

- "O Encontro"?

- Bom você ter perguntado. Minha proposta é nos encontrarmos por aqui quinzenalmente. Serão histórias que escrevo a quatro mãos. As outras duas? Estão agora segurando seu jornal.

- Entendeu?

- Explico então, mas não se acostume, pois quase sempre falo no sentido figurativo: Você entra com seu toque pessoal, e ao refletir, questionar, concordar ou discordar poderá enviar-se a um melhor autoconhecimento.

- Seguimos? Pois bem, um grande abraço, e eis a crônica desta semana:

O Reencontro

Era o casamento da irmã mais velha. Noiva e noivo no altar aguardavam Rafinha que trazia as alianças. Depois da missão cumprida brincavam no salão de festas, Rafinha e seu inseparável amigo Matheus. Somando suas idades mal dava uma dúzia de anos.

No clima de festa e brincadeiras, inocentemente fizeram um trato: Um seria o padrinho do outro quando se casassem.

Passaram-se anos até que Rafinha recebe pelo correio um convite de casamento: Matheus e Karina. Sentiu aquele movediço aperto das cruas horas, e havia motivos: Casou-se sem convidar o amigo, faculdade por terminar e emprego mediano.

Pensou em dar uma desculpa qualquer para não ir ao casamento, afinal não se viam há mais de vinte anos. Resolveu que iria. Apostou num terno estiloso, na beleza da esposa Dalva e no carrão, emprestado pelo pai.

Durante a viagem Rafinha se ocupava entre o silêncio da contrariada Dalva e os desacertos de sua vida.

À noite, saíram atrasados do hotel. No caminho, o GPS se encarregava da árdua tarefa de encontrar o Sítio Samaroa - Salão I. Mais atrasos. Chegaram e nem tiveram tempo dos cumprimentos, pois a cerimonialista os colocaram em fila para entrar. Mais uns segundos estavam no altar improvisado dentro do salão. Rafinha acenou para Matheus, que meio sem jeito retribuiu. Como os anos mudam as pessoas, pensou.

Noivo e noiva a postos começa a cerimônia:

- Irmãos e Irmãs, estamos aqui reunidos para celebrar o casamento entre Felipe e Andréa...

Rafinha não escutou mais nada. De novo aquele aperto! Tensão aumentando. Não era possível, o endereço estava certo e a placa na entrada indicava: Sítio Samaroa. Arriscou perguntar ao padrinho do lado:

- Este é o Salão I, não é?

- Não. Salão II!

O que fazer? Seriam desmascarados? Sem motivos a palavra "máscara" pulou em sua mente e agora martelava seu coração. Sua agonia durou o suficiente para viajar por mares bravios, mas volta à realidade, quando a cerimonialista puxa-o delicadamente pedindo para trocarem com os verdadeiros e atrasados padrinhos.

Do Salão II ao I era uma caminhada. Rafinha puxava Dalva, que se arrastava mais contrariada que nunca.

Ainda se aproximavam do Salão I quando viram bolinhas de sabão subindo, enquanto os recém-casados Matheus e Karina eram abraçados por todos.

Rafinha percebeu-se realmente envergonhado. Sentimentos menores inundaram sua alma. Sentou-se ao chão e chorou.

Pelo vidro, viu dois garotos brincando dentro do salão, e num ato de defesa virou o rosto, mas deu de frente com uma placa no jardim:

"Conhece-te a ti mesmo e torna-te quem tu és!"

Tomou uma decisão: mesmo que doesse iria reencontrar..., o verdadeiro Rafinha.

José Milton Castan Jr. é psicanalista e psicoterapeuta - www.psicastan.com.br