ARTIGOS

Mamãe, é o lobo, é o lobo!

José Milton Castan Jr.

Cumpre esta, a missão: Retribuir os votos de felicidades para 2015, recebidos.
Entretanto, e não mais que dois ou três leitores também se interessaram pelo personagem - Seu Malaquias (""aquele que traz mensagens"") da crônica última natalina que seguiu assim: Seu Malaquias ao ser apresentando ao namorado da neta, na ceia de natal, como bom insolente (não afeito às regras, o que raramente se pode ver), desafiou o rapaz dar explicações sobre a saudação ""Feliz Natal"". O final foi feliz, e como sempre de meu intento, final inesperado.
Não se burle caro leitor, crendo ser Seu Malaquias uma criação nossa, pelo contrário, Seu Malaquias, amigo de muitos anos, viajado e experiente, é vivente atualmente destas bandas. E foi dele que escutei algumas semanas atrás:

-- Meu caro: naturalmente você conhece a fábula ""Mamãe, é o lobo, é o lobo?""
-- Claro seu Malaquias! - me apressei emendando, pois Seu Malaquias adora dar umas estilingadas no primeiro falsete.
-- Ouvi de minha própria mãe lá pelos idos anos 60, o qual um menino arteiro gritava sua mãe para salvá-lo do lobo, a bendita chegava resfolegante, e encontrava seu rebento às gargalhadas com a pequena travessura. Havia lobo nenhum. Até que um dia a mãe não atendeu ao chamado, o lobo apareceu e comeu o menino.
-- Pois é amigo, a história não acaba por ai! - Seu Malaquias e seu olhar penetrante me obrigaram a perguntar: -- Como assim?
-- Havia outros garotos, e faziam a mesma traquinice. Uns, depois dos ralhos maternos e paternos, se emendaram. Outros não, e estes tiveram ainda a sorte, se é que podemos assim dizer, de escapar ao lobo.
-- Sim, Seu Malaquias e o que se deu com estes?
-- Conheci um. Ainda pequeno falava de dor de barriga só para não ir à escola, e quando cresceu, gazeteava as aulas do ginásio. Mais à frente, no final do campeonato de futebol de salão, fingiu tão bem uma cotovelada recebida, que o juiz expulsou o craque do time adversário e foram campeões.
-- E ele foi para a faculdade? - perguntei interessado ao Seu Malaquias.
-- Sim, vaga comprada, e como não gostava mesmo de estudar, conseguiu se formar a expensas da mesma trampa: tinha refinado ""é o lobo, é o lobo"".

Seu Malaquias continuou:
-- Se casou, eu estava lá, a festança paga pelo pai da noiva, mas ele garganteava a todos que havia gasto, sei não, quantos mil cruzeiros. Passou num concurso. Houve quem questionasse a classificação, mas deu em nada. Uma vez, no trabalho, o pegaram. Teve que dar mil explicações. Saiu-se bem: apurava ""é o lobo, é o lobo""!
Seu Malaquias ia visivelmente se aborrecendo enquanto falava.
-- Não tinha muitos talentos, ia a rastos. Mas foi avançando na carreira sempre assim, assim. E havia não, ""lobos e não lobos"" que o fizessem mudar. Sua técnica aprimorava-se.
A voz de Seu Malaquias agora era densa:
-- Mudou-se de cidade, foi lá para os cerrados. Já estava em outras esferas. Ambicioso usava o poder para o ter.
-- Mas, Seu Malaquias, e o verso desta moeda? - perguntei querendo dar um tom diferente a conversa - o rapaz devia de ter também lá seus predicados, não?
Fui infeliz na consideração, e Seu Malaquias não me perdoou:
-- Sem malho não há ferro que desentorte! Me entendeu?
Acenei vigorosamente minha cabeça.
-- O verso da moeda? - continuou Seu Malaquias - Sim: apesar de seu bom cargo e excelentes salários, ainda assim não se explicava excelsas mordomias e fartos bens.
-- E como ele conseguiu tanto? - arrisquei meio sem jeito.
Aí, Seu Malaquias querendo por fim em nossa prosa:
-- Ele tinha outra atividade inusitada: nas horas vagas trabalhava num posto de gasolina. No ""Lava-Jato"".
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - <IC>www.psicastan.com.br