ARTIGOS

Eu não sou teimoso, não!

José Milton Castan Jr.

Minha mulher me chamou de teimoso! De novo!
Se o amigo leitor sofre do bem: "estar casado", sabe do que estou falando, essa coisa de "de novo!". Se o dileto leitor já o foi, sabe melhor ainda! E sendo o caso de não haver sido, bem deixemos para o tempo resolver.
Não tem coisa que mais solapa (êta palavrinha feia) meu estado de humor do que: você é teimoso!
Argumentemos juntos, caro leitor e leitora (assim os resultados serão melhores):
Não sou, penso eu, teimoso, pois por meu entendimento, teimoso é o cara que faz tudo sempre do mesmo jeito, nunca muda e acha que sempre tem razão. Eu não! Eu faço sempre do meu jeito. E quero deixar claro, por exemplo, que só levanto (indiferente se faz calor ou frio) com o pé esquerdo, não por superstição ou teimosia, mas, por achar que se levantar com o pé direito, terei dia ruim. Esse é meu jeito de levantar.
Diferentemente, minha mulher acha que teimo, insisto e não desisto em fazer de maneira adversa ao que ela sabe ser a melhor. Convenhamos!
Teimoso é o cara que coloca invariavelmente, primeiro a cueca e depois põe a camisa por dentro da cueca, e ainda puxa a danada pelas pregas para ficar bem ajustadinha no corpo. Isso também eu faço, mas, é por questão estética: pense você leitor, receber em meu consultório um paciente com minha camisa desalinhada, e se for fora da calça, só a parte de trás? Ruim não? Ela, minha mulher, insiste naquele beijinho de despedida antes de eu ir trabalhar, dar uma afrouxadinha na minha camisa!
A origem desta crônica: torci o tornozelo. Botinha de gesso, uma semana sem colocar o pé no chão e anti-inflamatório, foram determinações médicas. Atendi todas, menos anti-inflamatório. Sou contra. Escutei a semana inteira (dela, é claro!) e por fim, quando tirei o gesso, e o tornozelo continuava inchado, (mas não muito):
-- Você é teimoso, mesmo! - disse-me ela.
Sai e fui dar umas voltas. Fiz-lhe essa rima:
""Não seria porventura; em atual conjuntura; ver tu, sua teimosura?""
Equivocado está a pensar, caro leitor, o tanto a me justificar. Há fatos e boatos. Mas não nego que ocorrem amiúde situações onde se teima em não conhecer e mudar. Não seria esta! Teimo em ter minhas certezas (apesar de usar aqui "teimo" em outro sentido)!
Estava então andando, meio cocho e dolorido (mas não ia voltar tão cedo para casa), pela Braguinha matutando essas coisas e, repente encontrei o Seu Malaquias. Foi o caso de discutirmos esse negócio de teimosia. Ao que ele me falou:
-- Quer exemplo de um cara não teimoso, faz sempre do seu próprio jeito e que tem boas justificativas? - e eu meio receoso, pois Seu Malaquias adora dar dialéticas chicotadas, respondi: -- Claro Seu Malaquias!
Seu Malaquias então me contou essa:
O camarada chegou num bar e falou, com aquela tradicional educação para estes ambientes, ao dono do buteco:
-- Bota aí dez copos de pinga!
O português (nesse caso era um renascente e bom português dono de vendinha), olhou meio desconfiado para o camarada, mas colocou dez copos, entornando dez doses de pinga. O sujeito por sua vez, deu dez talagadas, uma após a outra e sem intervalos.
Passado um tanto, o camarada falou:
-- Bota agora nove copos de pinga!
O bom português, careca de tomar calote, pensou, pensou, e pensou também nas entradas e saídas, tempos de carestia: cedeu. Nove copos e suas nove doses.
E lá estavam agora, nove copos vazios sobre o balcão, devidamente dragados!
Passados outros tantos, e não muitos, o camarada agora com aquela voz..., caramba amigo leitor como irei aqui imitir a voz dele, imagine então aquela voz de bêbado:
-- Ô portuga, bota aí oito copos de pinga...
E o nosso saudoso português incontido pergunta:
-- Ora pois pois, que estas querendo provare? - ao que respondeu o filhote de urubu:
-- Provar que quanto menos eu bebo, mais bêbado fico!
Seu Malaquias nem me deu até logo, virou-se e se foi! Gosto de Seu Malaquias, mas o acho um cara meio teimoso, pois teima em dar umas bicadas em minhas emocionais canelas. Fiquei com aquela coisa de "filhote de urubu"... sei lá!

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br