Uma pedra no meio do caminho
José Milton Castan Jr.
Semana passada foi aniversário do Seu Malaquias: 77 anos. Ele me convidou para uma festinha no sábado e lá estávamos. Porém Seu Malaquias não apareceu, melhor dizendo, foi aparecer somente na hora do ""parabéns a você"". E como sempre, ele me surpreendeu.
Conheci seu Malaquias há uns doze anos atrás. Eu trabalhava numa indústria aqui em Sorocaba, que estava expandindo seu quadro de vendedores, e Seu Malaquias fora contratado, juntamente com mais alguns novos vendedores. O conheci no dia da integração, e foi nesse dia que ele me deu o primeiro sopapo, em meu então, desprovido espírito:
Quatro dos novos vendedores estavam na recepção aguardando para o treinamento, e fui recebê-los. Eu querendo ser agradável, cumprimentava um a um, apertando suas mãos e dando boas vindas, e o último que cumprimentei foi Seu Malaquias. Com fito de quebrar o gelo, falei - sabe amigo leitor aquelas brincadeiras infames que nos tornam desacreditados - falei ao Seu Malaquias:
-- Prazer! E que sorte a minha, pois essa é a primeira vez que pego na mão de um homem hoje - e dei uma risadinha aos outros três. Quando me virei para Seu Malaquias, conheci o poder do seu olhar, e ele candidamente me falou:
-- Sorte mesmo meu caro, pois eu ainda não tive essa sorte hoje!
Cata pumpumpum!!!!! Nem preciso dizer que nunca mais cometi novamente a imprudência desta brincadeira, e que por sinal de outras também. Seu Malaquias sabe como ensinar.
Mas, Seu Malaquias trabalhou apenas exato um mês na empresa. Eu explico:
No mesmo dia da integração, Seu Malaquias conheceu ""O Majestoso"", era assim que ele se referia ao Comendador, que era o pai do dono da empresa. Seu Malaquias tem intuição, e de pronto não se afeiçoara ao Comendador. Após o almoço foram levados para conhecer a produção, e infinitas máquinas rangiam vorazmente cuspindo ""comendas"" e mais ""comendas"", ao que Comendador que acompanhava a visita, aponta então para uma das ""comendas"" que estava sendo produzida, e por um descuido aproxima-se tanto dela, que sua gravata enrola-se num cilindro da máquina. Soa um alarme, e algum sensor faz com que a máquina passe a trabalhar muito lentamente, de forma que sua gravata ia sendo engolida milímetro a milímetro. Cada segundo passa a ser precioso, pois o monstro de lata iria engolir o Comendador, juntamente com suas comendas. O Comendador grita então para aquele que estava ao seu lado, óbvio
Seu Malaquias:
-- Corta essa ""..."" agora! - e Seu Malaquias agarra um estilete, corta a gravata, e salva o Comendador.
Trinta dias fora, e Seu Malaquias recebe o contracheque. Valor errado. Vai até ao departamento pessoal para entender o motivo do desconto, e fica sabendo que o Comendador mandara descontar o valor da ""gravata Armani"", que havia cortado com o estilete.
Seu Malaquias pede demissão. Dois ou três dias depois encontro seu Malaquias, que me conta a versão acima, e digo que não era para menos. Então me fala:
-- Não foi pelo desconto da gravata que pedi demissão.
-- Por que então Seu Malaquias? - e ele decreta:
-- As intenções do Comendador superavam as suas capacidades!
E assim fiquei seu amigo, do Seu Malaquias, é claro!
Bem, voltemos ao aniversário.
Como disse no início da crônica, ele apareceu apenas na hora do ""parabéns"". Uma festa de aniversário sem o aniversariante. E eu fiquei matutando onde queria chegar o Seu Malaquias com aquela atitude. Qual mensagem desta vez?
Eis então que ele surge, e me aventuro incauto:
-- Meu amigo! Parabéns, e só você para fazer uma festa de aniversário sem o aniversariante.
E ele me fala:
-- No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho!
E eu querendo dar uma de entendido:
-- Poema do Drummond ""No meio do caminho"". - e emendo, meio patético:
-- É Seu Malaquias, nossas vidas estão cheias de pedras mesmo.
Então ele me fulmina, com aquele olhar:
-- Não Castan! Não Castan! Cheguei só agora porque estava tomando soro. Pedra no rim. Entendeu agora: Pedra no rim!!
Seu Malaquias com sua costumeira e desconcertante sinceridade, me fez entender definitivamente que os sentimentos que permeiam uma relação devem ser pautados pela reciprocidade e respeito mútuo. Esse Seu Malaquias é mesmo um sujeito sábio.
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br