ARTIGOS

Uai... e precisa?



José Milton Castan Jr.

Havia dias que o marido andava meio estranho. D. Amélia preocupada com Seu Gumercindo, e agora, precisava ter uma conversa com ele. Que Seu Gumercindo era tanto galhofeiro e divertido, ela sabia, pois estavam casados há quase trinta anos, mas essa agora passava dos limites.

Tudo começou no fim de semana, após voltar da viagem que fez com o compadre Augusto.

Há pouco mais de um mês o compadre Augusto, caminhoneiro das antigas, homem cheio de energia e amante das aventuras, convidou Seu Gumercindo para viajarem juntos, pois tinha frete a fazer para o Maranhão. Seu Gumercindo de férias do trabalho aceitou de pronto.

E lá se foram os compadres, voltariam em uns quinze dias.

Voltaram em quase trinta, essas coisas de não acertar o frete da volta. Soube D. Amélia, que foram direto para Imperatriz no Maranhão carregados de cerâmicas. Depois arranjaram frete para Belém do Pará, e em seguida emendaram direto para Mossoró no Rio Grande do Norte e finalmente voltaram carregados para Sorocaba. Ia me esquecendo de dizer, caro leitor e leitora, D. Amélia e Seu Gumercindo, mineiros da pacata Patrocínio, hoje moram aqui no Trujilo e ele trabalha, ou melhor..., bem é aí que estão os problemas de D. Amélia:

Aquele fim de semana, após a volta da viagem, era o último das férias do Seu Gumercindo, e no domingo ele levantou cedo, foi até a padaria comprou pão, fez café e quando D. Amélia se levantou, encontrou Seu Gumercindo recostado embaixo de um pé de jaca que têm nos fundos da casa. Jaqueira primorosa e assombreada, e o marido passou dia todo por ali. Na segunda feira acabavam suas férias e ele retornou ao trabalho. Já no meio da semana, Seu Gumercindo sem nada dizer, não foi trabalhar. Fincou tora grossa a quatro passos da jaqueira e nela enlaçou uma ponta da rede que havia trazido na viagem, e a ponta remanescente, na própria jaqueira. Deitou-se olhando para nada. D. Amélia preocupada, perguntou se estava doente, mas ele não quis dar explicações. E Seu Gumercindo passou o resto da semana entre, deitado na rede a balangar, ir até a cozinha, banheiro e se recolher à noitinha.

D. Amélia que até então se limitara a uma pergunta aqui, outra acolá, agora de cara amarrada, foi ter com o compadre Augusto, para saber dos ocorridos na viagem, pois ali tinha. Seu Augusto disse que no começo o compadre estava toda prosa como sempre. Já no Maranhão, explicava Seu Augusto, estávamos passando por um vilarejo, lembro bem o nome: Povoado Centro do Meio, e o compadre fez sinal para parar. O compadre Gumercindo desceu do caminhão, olhou para uma casinha recoberta com palha de buriti onde tinham um caboclo sentado embaixo de um pé de bacuri, e outro a balançar as pernas no alpendre da casinha. Proseou com os dois. Depois deu volta na casinha, foi até os fundos, voltou e então tocamos a viagem. O compadre Gumercindo parecia aborrecido e me falou um tanto indignado: "e nem uma hortinha, sequer um galinheiro, nada... nadinha. Esses caboclos passam o dia todo com uma mão no bolso e a outra na bolsa. Trabalhar prá que? Uai... e precisa?". E o compadre Gumercindo veio o resto da viagem pensativo, falando baixinho: Uai... e precisa?

D. Amélia agradeceu ao compadre Augusto e saiu. Ia ter a tal conversa (que falei acima) com o marido.

Seu Gumercindo deitado na rede.

-- Olha aqui, Gumercindo, amanhã você vai trabalhar!

E ele sem pressa perguntou:

-- Uai... e precisa?

-- É o que todo homem faz!

-- Prá quê? insistiu Seu Gumercindo.

-- Botar comida dentro de casa, pagar as contas e... mas ela não conseguiu terminar, pois Seu Gumercindo atalhou:

-- E depois de fazer tudo isso a vida toda, o que vou fazer?

-- Ora, que conversa tola, você depois vai se aposentar e poderá ficar aí deitado embaixo da jaqueira o tempo que quiser. E seu Gumercindo bem matreiro dispara:

-- Uai..., pois não é o que tô fazendo?

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br