ARTIGOS

Branca - a Galinha d"angola, o Pato Fu e um aniversário



José Milton Castan Jr.

Um ano!

Pois há um ano (no dia 5 de junho de 2014), publicou-se minha primeira crônica aqui neste espaço. Quinzenalmente e sempre às quintas-feiras. Foram vinte e seis crônicas, e o mesmo desejo: escrever, e se de quebra conseguir provocar alguma reflexão, muito bom. E caso promova alguma mudança, tanto melhor.

Então meus agradecimentos: ao Jornal Cruzeiro do Sul, seus diretores, editores e a todos os funcionários que trabalharam direta ou indiretamente na edição, produção e distribuição do jornal.

E com um carinho imenso, agradeço a todos os nossos leitores, razão maior destas escreveduras.

Porém, e no dia do aniversário:

Olhei pela fresta da janela. O dia havia amanhecido frio e nublado. Presságios ruins. Tinha que juntar forças, sei lá de onde para a caminhada diária. Sabia que a única coisa que conseguiria mudar meu humor nestes dias era a boa, velha e "danada" caminhada. Não tinha vontade! Determinação!... falava meu velho avô. Vesti camisa, calção e a meia. Contrariado, calcei o tênis. Saí.

Na pista de caminhada e logo na primeira volta cruzei com o..., bem não importa quem, e percebi "às quantas" andava meu humor, pois respondi com um "bom dia" muito sem vergonha. Acelerei o passo, vez que quanto mais energia gastasse na caminhada, melhor estaria meu humor no final daqueles cinquenta minutos. Resolvi dar um trote, enquanto pensava como ruins, de fato, estavam estes dias. Tempos difíceis. Meus tempos aflitivos.

Com a camiseta suada findando segunda volta, deparei com grupo de galinhas d"angola. Uma delas me chamou a atenção, pois seus pares eram acinzentados com manchas brancas, mas ela todinha branca. Pensei que fosse albina. Reduzi as passadas. Olhava a Branca (este foi o sui generis nome que a batizei a galinha d"angola - minha imaginação é péssima quando estou de mau humor), quando ela gutural e muito doloridamente me falou:

- Tô fraca, tô fraca, tô fraca...

Lembrei-me do mestre: ""os gritos e lamentos não vêm do outro lado da margem do rio, vêm de dentro de você!" Pensei então: tô fraco, tô fraco, tô fraco...""

Havia um banco de cimento, sentei. Branca ressabiada se aproximou, parou à minha frente e novamente:

-Tô fraca, tô fraca, tô fraca.

Pude realmente sentir o quanto eu também estava frágil por tantos desafios e problemas. Olhos marejados!

Branca ficou ali à frente com um olhar triste, dava esmorecidas ciscadas e me encarava.

Então sem pensar comecei a falar:

- Sabe Branca não é só você que está se sentindo fraca. Eu também. Desculpe desabafar assim, nem nos conhecemos e talvez não tenha direito, mas preciso falar. Falar alivia a dor!

Branca muito atenta me olhava, e de vez em quando dava uma ciscadinha.

Parei de falar. Era mais uma volta do amigo que mal dei "bom dia". Passou sem me olhar. Entendi sua reação. Quase saí correndo atrás dele para dar um bom dia decente.

Voltei-me para Branca, que já me era íntima. Então eu disse:

- Olha Branca, por mais que você esteja se sentindo fraca, aparentemente sem muita força para esgravatar a terra, seria bom pensar que nada é tão imutável que não possa mudar de hora para outra. O definitivo é instável. Por vezes basta simplesmente dar um tempo, parar e esperar.

Então cantei para Branca a música Coração Tranquilo do grupo Pato Fu (que ironia, o pato nos dando esta dica). A música toda tem apenas uma estrofe:

Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo

Branca deu uma longa espalhada na grama seca. Juro: deu-me uma piscadela e foi embora.

Um raiozinho de sol aqueceu meu corpo. Meu coração já estava aquecido.

O dia seguiu mais leve. Terminei a crônica de aniversário!

Por vezes pode parecer impossível, porém... não é!

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br