Gansos Antissociais
Eu, desatento ao mundo real, pela pista de caminhada: e lá estavam eles! O que fazer?
Não sei se o amigo leitor já teve a oportunidade de estar frente à frente com um ganso, mas imagino que nem todos nós um dia já enfrentamos os habituais instintos das aves ganso. Tive que enfrentá-los.
Porém e antes de seguir, agradecer - um agradecimento que já deveria ter feito na crônica anterior, mas Seu Malaquias me deixa louco, e passou. Faço agora: com as últimas mudanças do jornal, a crônica da quinzena havia ficado de fora, e tive a felicidade de receber e-mails e ligações de leitores perguntando o que havia acontecido. Para alguns deles disse, em tom de brincadeira que injustamente havia sido preterido, ou seja, trocado mesmo por Luis Fernando Veríssimo, e logo por ele, um dos meus cronistas preferidos, e finalizava dizendo que na semana posterior tudo estaria em ordem. E assim foi. Obrigado leitores pela preocupação e carinho!
Dizia eu que eles, os gansos, estavam bem ali à minha frente. Não era propriamente a primeira vez que nos encontrávamos na pista de caminhada, e poderia até falar em desencontros com os gansos, sim desencontros de desejos: de um lado eu querendo passar e do outro eles não desejando que eu seguisse incólume, e eram uns sete, oito. Mas havia um ganso em especial - macho, que ao me ver caminhando começou a grasnar, tomou frente do bando e se posicionou exatamente ao centro da pista. Ah... meu velho te conheço - pensei rápido e não seria este o nosso inaugural encontro. E de tantos encontros e desencontros, que já havia alongado minhas pessoais maneiras de lidar com ele, não sem em outras épocas, haver tomado umas bicadas, as quais obviamente me apareceram à mente. Mas eu estava instruído e determinado a seguir.
E quero aqui compartilhar como fiz: Avancei firme, imponente, até chegar tão perto do ganso que ele se empertigou, estendeu ao máximo o seu longo pescoço, abriu as asas e encarniçou a grasnar mais forte, e agora era ele que avançava em minha direção. Claro que instintivamente quase me afastei, mas razão presente, posicionei meu dedo em riste, lancei o tronco ligeiramente para frente e com coragem bradei alguns sonoros "nãos". Não! Não! Não! E seguiu-se o que eu esperava, que além de curioso, sempre me surpreende, pois o ganso ainda empertigado foi de ré se afastando, afastando. E se me viro para seguir, ele ameaça vir atrás, mas os meus "nãos" se interpõem.
Havia me livrado do ganso, e iria reiniciar a caminhada quando vejo uma mocinha de collant preto e blusa do agasalho preso ao corpo. Ela estava estática, ou melhor, petrificada. Entendi o seu medo. Ofereci ajuda e ela passou pelo bando de gansos. Feliz, o meu trabalho!
E foi aí que me dei conta de algo surpreendente, pois as reações dos gansos são sempre as mesmas, eu não era a única vítima dos seus ataques antissociais, aliás, essa é a gênese dos gansos e para eles pouco importa a quem, não há um sujeito definido a atacar, e se não importa quem, seus comportamentos são imanentes, ou seja, pertencem somente a eles mesmos! Claro que podemos neste caso dar voz aos seus instintos de territorialidade, preservação e cuidados com o bando, e é aqui que tudo faz sentido; alguém projeta em você, caro leitor, uma preocupação ou um medo, e como resultado desencadeia uma reação em defesa própria, e por isso lhe ataca, mas um ataque não dirigido propriamente a você, mas um ataque dirigido àquilo que nela significa "o você". E para estes casos, os nossos "nãos" nem precisam ser assim tão sonoros, basta dizermos a nós mesmos, não, isto não se refere diretamente a, ou sobre mim. Não, não me pertence!
Mas é preciso garantir que não queremos, de fato, atacar os gansos!
Ah...esses tristes e rechonchudos gansos antissociais!
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br