ARTIGOS

Homens ao mar


Seu Malaquias, amigo e salvador de minhas próprias incipiências, para meu desespero saiu de férias com sua esposa D. Maria Helena: uma semana em Fernandópolis no interior do Estado, num resorte de águas quentes. Tive que me virar sozinho nesta crônica. Azedei um pouco, mas no final...Vamos lá:
Algumas vezes em nossas vidas somos obrigados a sair da nossa normalidade, da nossa constância e encontrar uma realidade que sempre esteve presente, mas não a encarávamos. E dar de cara com ela pode custar um tanto.
Nesta crônica tentarei:
1) Homens ao mar I - Bem longe daqui: Os refugiados!
Milhares de refugiados e migrantes em fuga da fome e da guerra, saindo da Ásia, Oriente Médio e África, atiram-se para dentro de um bote para uma travessia insana, munidos apenas de esperanças e um sonho: de uma vida melhor. Mas para muitos o sonho transforma-se em pesadelo quando a água salgada invade seus pulmões, anunciando eminente morte;
2) Homens ao mar II - Bem perto daqui: Os corruptos!
Centenas de senhores e senhoras de fino trato em fuga da sua mediocridade, pensando escapar de sua pequenez, atiram-se diretamente ao mar do poder e da corrupção, para uma travessia insana, munidos apenas de uma esperança e um sonho: o dinheiro que lhes propiciará uma vida melhor. Para alguns, o sonho tem-se transformado em pesadelo quando uma água salgada, ou insalubre, e sem gás, e sem gelo, e sem marca numa tosca caneca de alumínio, invade sua garganta anunciando sua privação;
3) Homens ao mar III - Muito, muito perto daqui: Nós: os seres sofrentes!
Em fuga de nossas angústias e dos nossos sofrimentos, oriundos não sabemos de onde, atiramo-nos na imensidão de um oceano, para uma travessia insana, munidos de apenas uma esperança e um sonho: uma vida a ser vivida! E para uma grande maioria o sonho tem-se transformado em pesadelo, quando revoltas e turbilhonantes ondas de água salgada nos sufocam, anunciando nossa incompletude.
E talvez em tempo algum escutou-se tanto: Homens ao mar! Homens à deriva.
Antes de terminar esse tom pessimista até aqui, acrescentarei ainda: especialistas asseveram que há chances de cinquenta por cento do mundo (o nosso mundo) acabar ainda neste século, e provavelmente seremos nós que acabaremos com ele, pois de outra forma precisaríamos aguardar uns seis bilhões de anos até a energia solar rarear. Portanto seremos aniquilados por nós mesmos - seres humanos, o que representará um triunfo, qual seja: o triunfo de seus membros doentes, sobre os membros saudáveis. Homens ao mar!
Ora amigo leitor, de que lado você se encontra?
E neste ponto minha crônica empacou! Precisava de ajuda, e não tive dúvidas, liguei para Seu Malaquias.
-- Alô! Seu Malaquias? Ah... D. Maria Helena, boa noite! É o Castan. Tudo bem por aí?
Ela responde que está adorando (fui eu que indiquei o resorte) e ainda estavam na piscina de água quente.
-- Poderia falar com Seu Malaquias? - e ele já estava com o telefone. Me pergunta se aconteceu algo?
-- Não meu amigo, está tudo bem, apenas... apenas... - fiquei sem jeito, havia acabado de perceber a besteira que estava fazendo.
-- Apenas liguei para saber se está gostando do lugar! - ele nada respondeu. Juro que o vi afastando o celular do ouvido, e enviesando aquele seu famoso olhar.
Continuei:
-- Estava escrevendo a crônica do Cruzeiro e me deu vontade de te ligar.
-- Qual o tema? - perguntou. Expliquei do que se tratava. Soltou uma longa gargalhada e disse:
-- E eu aqui em terra firme ao lado de uma piscina de água quente. Então ele candidamente completou:
-- Temos que continuar sonhando meu caro, pois no dia que deixarmos de sonhar, continuaremos vivendo, mas deixando de existir!
Agradeci com a voz trêmula, e com olhos marejados desliguei. Há algo de muito especial em meu amigo, e talvez não seja apenas sua sapiência, mas, sobretudo um descomplicado e sonhador jeito de viver.
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br