ARTIGOS

Casamento (O Roteiro)


José Milton Castan Jr.
 
Domingo. Quase onze horas da manhã. A noite anterior havia sido a festa de casamento.
 
Ele, com ternura: Bom dia amor!
 
Ela: Bom dia meu querido!
 
Ainda estavam na cama.
 
Ele: Você estava maravilhosa ontem.
 
Ela, emocionada: E tudo correu como havíamos planejado.
 
Falavam da festa de casamento deles.
 
Ela: Ou melhor, quase tudo Arthur!
 
Ele, sem entender: Como assim?
 
Ela: Aquela sirigaita da sua ex tinha que pegar o buquê?
 
Ele, querendo mudar o assunto: Amorzinho levanta e faz um cafezinho pra nós!
 
Ela, enfezada: Não! Levanta e faz você.
 
Ele, brincalhão: Oh, meu amor, faz assim não!
 
Ela, agora meigamente: Tá bom! Mas levanta e traz um cafezinho pra mim aqui!
 
Ele, um pouco contrariado: Não, eu pedi primeiro.
 
Ela: Seja um cavalheiro, faz o café vai...
 
Ele, imperativo: Negativo, levante e faz você!
 
Ela, alterando a voz: Caramba, ainda tô cansada!
 
Ele: E eu não? Aguentei firme o Raulzinho na festa me torrando as paciências!
 
Raulzinho, o cunhado na festa de casamento.
 
Ela, enrijecendo: Se você não levantar e não fizer o café, eu não saio da cama.
 
Ele, retribuindo com aspereza: Então tá feito! Também não saio da cama!
 
Cada um se vira ao mesmo tempo, ficam de costas.
 
Poucos minutos depois:
 
Ela, num tom sensual e conciliador: Amorzinho...
 
Ele, interrompendo: Não quero papo!
 
Mais alguns minutos de silêncio. Toca o celular dela.
 
Ela, atendendo o telefone chorosa: Oi mamãe!
 
Percebe-se que a mãe ficou preocupada.
 
Ela: Nada não mamãe, estou um pouco cansada. Te ligo depois. Beijos.
 
Ele, querendo resolver: Tá bom: vou contar até três, levantamos ao mesmo tempo e fazemos o café juntos.
 
Ela, um pouco desconfiada: Tá bom!
 
Ele: ... dois, três!
 
Ela quase com os pés no chão, ele soltando uma gargalhada, mas, imóvel.
 
Ela: Sabia! Não dá mesmo para confiar em você!
 
Ele, querendo remendar: Brincadeirinha, amor! Te amo!
 
Ela emburrada.
 
Ele, já sem paciência: Vamos tirar no par ou ímpar, quem perder levanta e faz o café!
 
Ela: Nada feito, se quiser café, levanta e faz!
 
Passam-se as horas. Quase quatro da tarde, ele não aguentando de vontade para fazer xixi, e ela com fome.
 
Ele, apelando: Maria Clara: levanta e vai fazer o café!
 
Ela, assoviando: "Amélia que era mulher de verdade."
 
Ele, revidando e fazendo menção à sirigaita acima citada: O nome não era Amélia, não!
 
Ela explode em choro.
 
Ela: Se você não levantar agora vou pra casa da mamãe!
 
Ele: Tá bom levanto, mas não vou fazer o café!
 
Ela: Não se atreva; se levantar faz o café!
 
Ninguém levanta. Seis horas da tarde, ele pega uma garrafinha de água vazia, e resolve aquele aperto sem sair da cama, ela por sua vez, consegue puxar dois "bem casados" com fitinha dourada, que estavam perdidos na cabeceira da cama.
 
Quase dez da noite toca a campainha: uma, duas, três... Olham-se apenas, se levantar faz o café, estava implícito! Não levantam. A campainha cessa.
 
Ela, contemporizando: Arthurzinho, por favor, vamos chegar num acordo!
 
Ele: Desde que eu não faça o café!
 
Já perto da meia noite:
 
Ela, decidida: Arthur é sério, se você não levantar agora e não fizer o café, eu peço o divórcio!
 
Ele: Você tem certeza do que está falando?
 
Ela: Nunca falei tão sério!
 
Ele então se levanta, pega a mala de viagem de lua de mel que estava pronta, e sai batendo a porta.
 
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br