Viagem
José Milton Castan Jr.
Era uma estradinha realmente bucólica e Claudinei achava que a representava bem o nome de Estrada da Graciosa. Descendo rumo ao litoral paranaense, a paisagem despontava maravilhosa, e "Marias Sem-Vergonhas" pontilhavam de vermelho e rosa toda margem da pista, que ora era em asfalto, ora paralelepípedo.
Claudinei em sua viagem solitária de uma semana em férias pensava recompor a energia consumida por tantos meses de dificuldades financeiras na empresa em que era gerente. Passava por seus pensamentos a infinidade de situações tensas e estressantes, e que muitas vezes, como ele mesmo dizia aos seus liderados, "somos em boa medida passageiros e bem menos motoristas, nestas situações é preciso ter calma!". Ao pensar assim, serenidade e paz ocuparam todos os espaços dos pensamentos, pois, conduzia seu carro por aquela paisagem exuberante e ali não era simples passageiro, podendo diminuir a velocidade em cada curva que se apresentasse juntamente com as montanhas, e desta forma, apreciar aquela bela paisagem.
Porém, essas quimeras logo foram trazidas à realidade quando percebeu seu carro começar a puxar de lado, mais um pouco coxear até ser obrigado parar e constatar o pneu direito da frente furado.
Resignado, pensou como acontecimentos muitas vezes podem passar ao largo, mas em outras ocasiões, e sem que tenha a mínima condição de interferir, um fato qualquer pode afetar decisivamente. Aquela cabeça de prego fincada na borracha do pneu era prova maior. Se tivesse passado a milímetros, não estaria parado!
Antes de abrir o porta-malas ficou maravilhado com um caudaloso rio que corria bem ao lado do acostamento, metros abaixo. Pensou que não era assim tão ruim um pneu furado, até achou graça. Começou o ritual que há anos não fazia: trocar pneu. Macaco posicionado, carro erguido, calotinha prateada no chão, quatro parafusos devidamente soltos e postos com cuidado dentro da calotinha prateada; sacou o danado furado. Estava posicionando o estepe para assumir seu novo posto, quando inadvertidamente com o calcanhar do pé esquerdo esbarrou na calotinha prateada que foi lançada longe com os quatro parafusos, e assim, viu ricochetearem pelo barranco e submergirem no rio logo abaixo, a calotinha e quatro preciosos parafusos. Nem teve tempo de nada. Agora já não achava graça do pneu furado, e por estranho que possa parecer, antes de ficar definitivamente triste, pensou naquela coisa de fatos que não controlamos e nos afetam. E por fim entristeceu.
Tentou o celular, mas sem sinal. Precisava de ajuda. Esperou. Mas não passava nenhum carro, e a tardezinha começava ceder, logo escureceria. Resolveu procurar socorro, e como não lembrava haver passado por nenhum posto de gasolina ou mesmo uma casinha à beira da estrada, resolveu descer a pé. Sabia que Morretes ficava poucos quilômetros abaixo, mas não quanto. Caminhou uns quinze minutos e nada. Escurecia e começava a esfriar. Parou e decidiu voltar. O pior que poderia ocorrer seria passar a noite dentro do carro.
Faltava uma, ou talvez duas curvas para chegar onde estacionara. Escutou um carro arrancando e logo em seguida à sua frente apontou uma caminhonete que descia a serra. Claudinei deu com a mão, mas só teve tempo de soltar alguns palavrões, pois o motorista passou sem parar, e ainda com cínico sorriso. Ficou a imaginar que tipo de sujeito passaria por um carro parado no acostamento sem pneu, cruzar com seu dono andando pela estrada e não parar para ajudar. Indicação de tempos do descuido ao outrem.
Surpreendeu-se ao chegar e notar que seu carro não estava na posição de quem aguarda a troca de pneu. O macaco estava arriado, pneu estepe fixado e firmemente aparafusado. Mas com apenas três parafusos! Olhou a roda de trás: três parafusos. Rodeou o carro e todas as rodas tinham apenas três parafusos!
Sorriu. E novamente pensou nestes fatos que não temos controle e nos afetam: é preciso ter calma! E acreditar...!
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br.