Carta à Redação
José Milton Castan Jr.
Prezado Editor Responsável do Jornal Cruzeiro do Sul:
Bom dia!
Ainda estou em dúvida se devo te enviar este e-mail. Explico:
Nesta semana completo dois anos escrevendo quinzenalmente no Cruzeiro e sem jamais haver falhado uma única. As crônicas das minhas quintas-feiras sempre saem daqui nas terças, direto para sua caixa postal eletrônica. Hoje, quarta-feira, e ainda não consegui escrever nada. Estranhamente, minha imaginação que sempre acompanhou, de hora pra outra me abandona. Ainda estou lutando com o teclado, porém nada de bom surge.
Talvez não te envie este e-mail.
Possível o outro que escrevi há duas horas, justificando que fiquei doente, blá, blá, blá... Mentira. Estou bem de saúde. Acho!
Melhor ser sincero, mesmo correndo o risco de perder o espaço. É meu conflito. Se falo a real demonstro fraquezas; se invento uma desculpa posso me safar. E tem um tanto de gente boa querendo escrever no jornal.
De fato tentei escrever a crônica da quinzena, até tive ideia legal que era mais ou menos a seguinte:
Título: O culpado. E falava da comemoração dos 100 anos do aparecimento de Hercule Poirot (pronuncia-se "ercuí poarrô") o célebre bigodudo detive belga da memorável escritora Agatha Christie e seu livro mais famoso: "Assassinato no Expresso do Oriente", onde o final da estória me lembra muito ao que vem acontecendo na Operação Lava Jato: parece que todos têm uma ligação com o crime!
Deletei a crônica. Penso que crônicas mais lúdicas e engraçadas acabam fazendo contraponto às vicissitudes contemporâneas.
Pensei novamente em arranjar outras desculpas, e talvez te falar que saí de férias e acabei esquecendo a crônica, que estou em Campos do Jordão curtindo o frio. Desculpas esfarrapadas! Tô até sem carro pra viajar, quanto mais pra Campos do Jordão. Melhor ser sincero. Não quero ser mau exemplo como os ilustres lavajateados, que não se cansam (ou se envergonham) em papagaiar:
Não recebi propinas..., jamais tive contato com o delator...!
Balelas! Mentiras!
Que coisa horrível a mentira. Desordenanças cruéis de nossa pequenes. Sinal puro e claro das nossas incapacidades. Nada servem senão para nos desnudar.
Tentarei mais uma vez ser sincero:
Talvez, caro editor, se te explicasse que nestas últimas semanas tive problemas, e tive mesmo, pois... deixa prá lá, aprendi que intimidade não se revela, a menos que seja ao padre ou ao terapeuta.
Como será que o Veríssimo faz quando Clio (musa grega da inspiração) também o abandona? Acho que não acontece com ele. Tá acima disso.
Editor acredite: tentei me concentrar. Tenho anotado num caderno dezenas de ideias para crônicas. Também tenho um arquivo de dúzias de crônicas inacabadas. Mas nada neste momento faz sentido. Será que estou depressivo?
Sabe o que me martiriza? É que se perder este espaço, deixo de poder tagarelar aos amigos que sou escritor. Que escritor? Sem livro e sem jornal? Aliás, senhor Editor Responsável, talvez o livro das últimas 50 crônicas publicadas no jornal seja editado e publicado no segundo semestre deste ano. Aguardemos.
E a crônica da quinzena? Deve estar me perguntado?
Pensei em dar uma passada na redação e falar-lhe pessoalmente. Sem chance, sei da correria por aí, e logo nestes dias do aniversário do jornal. Que horrível da minha parte. E se escrevesse uma crônica de parabéns ao jornal?
Uau! Tive uma ideia!!
Estou tentando ser sincero. Falar a verdade. Verdade e Jornal Cruzeiro do Sul: valores inestimáveis.
Parabéns Jornal Cruzeiro do Sul. São 113 anos de verdades. Esclarecendo e informando.
Obrigado pela oportunidade. Obrigado por esses dois anos me cedendo o espaço da A2.
Ufa!!! Essa foi por pouco!
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br