ARTIGOS

O confronto final


 
José Milton Castan Jr.
 
Inevitável! Aquele confronto foi inevitável. Nada, absolutamente nada, impediu que se encontrassem. Era uma tragédia anunciada. Alguém morreria, alguém sobreviveria. E agora estavam ali frente a frente, cara a cara. Nervos pulsam. Os olhos esbugalhados, de ambos, dão a exata dimensão do drama que se seguirá.
 
Porém, suas diferenças surgiram bem antes daquele momento.
 
Um, nascido numa família simples e de poucas posses. Pai camponês e a mãe que cuidava de seus cinco irmãos. Ele o mais velho. Com sete anos era chocalhado na cama todas as madrugadas pela mãe, obrigado levantar e ir com o pai para a roça. Se, por um lado, isso o impossibilitou frequentar escola, por outro dotou-lhe de físico invejável. Aliás, quase todos de sua etnia também o eram. Em seu país a cor da pele negra e robustez física eram característicos. Com doze anos deixou a casa dos pais e foi morar na cidade. Os motivos da mudança se deram não porque os pais quisessem, mas por algum destes mandos ou desmandos da vida, e que acabam influenciando decisivamente no futuro. E assim é que se explicava que com 25 anos, depois de muito andar errante por este mundo, estava ali, estático, pronto para o ataque e esperando por qualquer movimento para que se atracassem.
 
O outro, nascido a milhares de quilômetros em diferente continente. Talvez os tais desmandos da vida não tenham sido assim tão drásticos na sua formação, pelo menos quanto às dificuldades financeiras, pois sua família era medianamente favorecida. Aliás, em seu país a realidade era diferente. Sempre estudou, e foi na escola que descobriu uma maneira de extravasar seus demônios internos: era briguento. E por ser muito forte impunha medo aos colegas. Encontrou o que fazer na vida usando seu físico avantajado. E assim com os mesmos 25 anos estava ali, também estático, pronto para o ataque e também esperando por qualquer movimento para que se atracassem.
 
E os motivos da disputa sempre existiram. Sempre existiram! E ambos, naquele momento, eram signatários e representantes de oposição irreconciliável.
 
Pouco importa como e por que chegaram ali, mas a verdade era que, um deveria ser aniquilado. Não havia espaço para coexistirem. Não naquele exato instante. No fundo, bem no fundo, essa é a regra: Viver ou morrer.
 
Encaram-se. Os punhos semicerrados e seus troncos ligeiramente inclinados para a frente prenunciam o ataque. Três passadas e seus corpos se encontram. A reação foi instantânea e explosiva. Ora ataques frenéticos de um e a defesa de outro, ora defesa de um e ataque do outro. Agarram-se. E num relance estão no chão. Rolam. Entorpecidos por pulsão ensandecida, nada faz sentido que não seja sobrepujar ao outro. Não há dor, pelo menos não se sente dor. Agem instintivamente.
 
Suas diferenças estão postas à prova. E se digladiam para defender suas posições. Vida ou morte!
 
Suam. A luta é ferrenha.
 
Estão agora novamente de pé e ambos preparam um ataque final.
 
Mas não houve tempo!
 
Ecoa pelo ginásio o gongo anunciando o final da luta.
 
Ambos ajeitam seus quimonos e aguardam ansiosos a indicação do juiz, de para quem irá a medalha de ouro.
 
Por fim, os olhares contenciosos dão lugar a um abraço.
 
E naquele instante os deuses gregos deleitavam-se no Olimpo, pois o espírito olímpico com toda simbologia, enviava mais uma vez sua mensagem maior: A Paz Olímpica.
 
As diferenças existem e sempre existiram. Não são criações modernas. Os embates da mesma forma. Cada qual tem-lhe assegurado o direito de defender suas etnias, crenças e ideais. A disputa é acirrada. Mas sempre haverá um gongo a soar para nos avisar, que há tempos de respeitosas lutas e tempos de paz, e que fundamentalmente, a paz reinará toda vez que superarmos nossas próprias frustrações do outro ser diferente daquilo que desejamos e idealizamos.
 
José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br