SOROCABA E REGIÃO

Residencial Jardim Carandá: assim nasce um bairro na zona norte


Quem entra no Residencial Jardim Carandá, na zona norte de Sorocaba, se surpreende com o acesso por uma rua arborizada, onde passa o ônibus, e ouve os primeiros ruídos de um bairro em formação e ritmo de adaptação. Vozes de crianças e mulheres, que se movimentam nos espaços em torno dos prédios, são ouvidas da rua. Em cada condomínio há playgrounds. Nas calçadas, grupos esperam pela condução em um ponto de ônibus.

Outros moradores (e também visitantes) caminham, atravessam as ruas. Vão em direções que podem incluir o ponto de ônibus, o vendedor ambulante de bananas ou os prédios onde se localizam os apartamentos que agora são as casas próprias de uma população estimada em 10 mil pessoas.

É comum deparar com caminhões de mudanças dos novos moradores, que acabam de chegar. A movimentação de técnicos é constante. São chamados para cuidar de interfones, instalações em geral, montagem de móveis, arrumação de todo tipo. Porteiros identificam pessoas que se preparam para entrar nos condomínios. O cuidado com a segurança requer apresentação de documentos para quem não é morador.

O visitante segue e tem a atenção despertada pelos nomes dos condomínios, inspirados em árvores: Manacá, Jequitibá, Jatobá, Figueira, Paineira, Buriti, Aroeira, Jacarandá Paulista, Copaíba, etc. E não podia ser diferente, pois Carandá também é nome de árvore. As referências ambientais, combinadas com projetos de lazer, se materializam numa vasta praça central que abriga dois campos de futebol, duas quadras de basquete e uma quadra de areia.

Desde que começou a receber os novos moradores em 25 de março, o Carandá já se converte em um celeiro de histórias cruzadas de famílias que há anos lutam por moradia popular. Compõem uma identidade de sonhos, esperanças, batalha pela sobrevivência. Nesse ambiente, o Carandá é um celeiro de histórias cruzadas. Em cada rosto, em cada palavra, em cada recordação, o objetivo é conquistar melhorias de vida em comparação com existências muitas vezes precárias nos lugares de origem. Para essas pessoas, deixar o aluguel e pagar as prestações da casa própria já tem o efeito de uma transformação positiva.

Praça central

Num trecho da praça, junto à calçada, se concentram os vendedores ambulantes. Eles oferecem alimentos que vão de churrasquinho a sonho, de banana a laranja, e de produtos como pilha, fone de ouvido e carregador de celular, ou ainda rodo, detergente e amaciante para a limpeza doméstica. Serviços de eletricista, instalações e pinturas também são oferecidos em letras manuscritas em papel afixado num poste, com nomes e celulares para contato.

Sentados num pedaço de tronco de árvore caído no chão da praça, os jovens Stefaani Aparecida Camargo Soares, de 16 anos, Kelvin Silva, de 18, e Maike Augusto do Nascimento, de 19, elogiam a nova vida no Residencial, mas alertam que ali faltam bancos e iluminação. Os rapazes estão encantados com a quantidade de moças bonitas que encontram nas ruas. O clima de paquera está no ar.

"O bom aqui é que não tem perigo", compara Stefaani, que morava no Vitória Régia. "Aqui está todo mundo sendo amigo um do outro." E Kelvin descreve: "Está suave, por enquanto." Maike gostou das quadras, dos campos, do apartamento onde mora, mas faz restrições: "Longe de tudo e não tem mercado, não tem comércio perto."

Atentos a essas necessidades, surgiram os ambulantes. Mas, além deles, moradores habituados a diferentes tipos de atividades, que podem gerar alguma renda, também aproveitaram a oportunidade de ganhar dinheiro extra. Muitos usam as redes socias para oferecer serviços de pedicure, manicure e cabeleireiro. Oferecem alimentos e guloseimas. E encontram compradores entre os vizinhos e também fora do Residencial.

Fase de adaptação

Os moradores já estão organizados nos condomínios com as figuras de síndico e subsíndico para cuidar das necessidades de gestão. A subsíndica Edilaine de Oliveira, de 34 anos, do condomínio Jequitibá, recorda que já houve uma reunião de síndicos. Discutiram questões de internet, tevê, gastos de água, segurança, instalação de câmeras, limpeza.

Casada, Edilaine tem três filhos: Gabrielle, de 2 anos, João Pedro, de 7 anos, e Andréia, de 12 anos. A família veio da Vila Haro. Agora, Andreia passa a semana na casa da avó e vai ao Carandá, na casa dos pais, só aos fins de semana e feriados. Os dias úteis da semana ela passa com a avó, porque a escola fica perto. No Carandá ela teria que pegar ônibus e a mãe fica com cuidado porque ela tem só 12 anos. No dia 10 de abril (uma segunda-feira), ela foi ao posto de saúde instalado no Residencial com a filha mais nova e ouviu a informação de que não havia pediatra. Surpresa, ouviu a informação de que o especialista daria atendimento na quarta-feira (12 de abril). "Eu acho que tinha que ter pediatra todos os dias, igual no postinho normal", diz. Edilaine gosta do Carandá: "Aqui é bom, mas estão faltando coisas: pediatra no posto de saúde, base fixa da polícia na praça, iluminação, banco, academia ao ar livre."


Local gera oportunidade de negócios

Andréia Cristina Gomes de Lima é casada, tem um filho de 7 anos, está grávida de 4 meses. Morava no Jardim Nova Esperança numa casa com duas famílias e um irmão solteiro, num total de oito pessoas. "Era muita gente numa casa só, a casa sem estrutura, tinha só um banheiro", ela compara. "O bom é que era tudo perto: escola, posto de saúde, mercado, farmácia, tudo perto."

E Andréia admite que no Carandá as condições de moradia melhoraram muito: "Hoje eu tenho a minha casa própria. Eu não pagava (no endereço antigo) água e luz, mas não tinha o conforto que a gente tem aqui." O marido, que é ajudante de pedreiro, procura emprego. A família que morava com ela no Jardim Nova Esperança e o irmão solteiro também se mudaram para o Carandá.

Banca de ferro

Márcio Ferreira Alves Leme veio do Jardim Ipiranga para o Carandá no dia 26 de março. com a mulher, Estela Pereira de Paiva, de 27 anos, e os filhos Maike (7 anos), Anabele (5), Nicole (3) e Isabele, de apenas 23 dias. A mudança coincidiu com o recebimento de R$ 2 mil do PIS. Com o dinheiro, comprou uma banca de ferro, doces, sorvetes, passes de ônibus, e instalou-se perto do ponto final do ônibus da linha Carandá.

Márcio elogia o novo endereço: "É gostoso porque é nosso, é novo, o espaço para lazer é grande e o custo vai dar para pagar." Serão R$ 119 de condomínio e R$ 100 de prestação do apartamento. "Aqui é tranquilo, aqui as crianças brincam, tem uma quadra de areia e alguns brinquedos, isso ajuda", diz Estela.

Produtos de limpeza

Os passos do comerciante Anibal Ribeiro de Salles, de 55 anos, também se cruzaram com os moradores do Carandá. Ele tem uma loja de produtos de limpeza na Vila Carol. Surpreso, recebeu 10 a 15 ligações de moradores do Carandá, que tinham morado na Vila Carol e eram seus clientes. Eles pediram para que ele fosse vender produtos no Residencial por causa dos preços dele.

"Produto de limpeza é igual comida", explica Anibal. "As pessoas precisam de uma roupinha lavada, precisam manter a casa limpa, cheirosa." E descreve, justificando a necessidade de preços competitivos: "O poder aquisitivo aqui é baixo." Ele começou na semana passada disposto a ir ao bairro três dias por semana. Agora, firmou parceria com outro ambulante, que vende os seus produtos nos dias em que ele não puder ir lá. Nesses dias, partilham a renda pela metade. Essa história comprova que o Carandá também gera conexão com outros bairros.


Cotidiano segue em ritmo acelerado

Como em todos os bairros, o cotidiano no Residencial Jardim Carandá é dinâmico, frenético, pulsante. A conquista da casa própria é só um item entre as muitas outras prioridades das famílias como saúde, educação, emprego, transporte, segurança. E muitos moradores se movimentam na busca da realização de planos idealizados em ritmo de urgência.

O empilhadeirista Roger Willian Pereira Moraes, de 27 anos, é casado com Marluce Rodrigues de Souza, de 26 anos, e o casal tem um filho, Bruno Willian, de 4 anos. Antes da mudança, moravam na casa da mãe de Roger, no Jardim Betânia. Agora, na casa própria, Roger avalia a diferença: "A gente tem que ter nossa casa, nosso ambiente. Morar na casa da mãe não é a mesma liberdade que é morar na nossa casa. E o filho tem o quarto dele."

Outro casal, Marcos Gomes da Silva, de 38 anos, e Cristiane Dias, de 34 anos, calcula a economia que agora vai fazer em comparação com o tempo em que pagava aluguel, no Vitória Régia. No bairro de origem, eles gastavam R$ 700 somente com o aluguel, excluídas água e luz, sendo que a despesa total com a moradia era de R$ 1.200.

Agora, no Residencial Carandá, calculam que todas essas despesas (incluídas água e luz, mais o condomínio e prestação do apartamento) representam um gasto total de R$ 500 -- uma economia, portanto, de R$ 700. Cristiane confessa a satisfação de morar no Carandá: "Não tenho do que reclamar, estou me sentindo muito feliz aqui."

A dona de casa Maria Eduarda Martins, de 26 anos, veio do Habiteto com o marido, Cleiton de Lima Melo, de 27 anos, e os filhos Geovana, de 7, Gustavo, de 5, e Isabele, de 2. Na comparação, Maria Eduarda ressalta que o novo endereço "é legal", mas deixa escapar: "Aqui é longe de tudo." E, no conjunto, a comparação é positiva: "Está melhor aqui, mais sossegado, no apartamento não tem barulho. No Habiteto tinha muito barulho de gente na rua. Aqui é mais sossegado."

Na tarde do feriado de Sexta-Feira da Paixão, a família de Maria Eduarda estava na praça. As crianças fazem a festa e dão asas à imaginação no playground. A mãe de Maria Eduarda, Maria Aparecida Martins, de 56 anos, que mora na Vila Barão, aproveitou o feriado para fazer uma vista e está próxima. No instante em que vê uma vendedora de sonhos, se levanta e vai até ela para comprar uma guloseima vendida a R$ 1.

Sonhos de vida

A vendedora de sonhos é Michele Vital dos Santos, de 37 anos. Ela mesma compra os ingredientes, fabrica e vende o produto. Perguntada sobre como foi o aprendizado para a fabricação, ela responde: "Nas dificuldades da vida." Desempregada há dois anos, sem conseguir recolocação no mercado formal de trabalho, começou a trabalhar com os sonhos.

Na praça, ela está acompanhada do noivo, Emerson Batista dos Santos Gomes, de 37 anos, que leva o recipiente com os sonhos. Michele segue ao lado, oferecendo o produto às pessoas que encontra pelo caminho. Nesse ritmo, fabrica 180 sonhos todas as manhãs em casa, sai para vendê-los à tarde e habitualmente consegue zerar toda a produção. Quando sobram sonhos, distribui as unidades no prédio onde mora, no Carandá. Tem como controle de qualidade não vender produto amanhecido.

Aliás, qualidade e preço são suas armas para enfrentar a concorrência das padarias: "Tem padarias que cobram um preço absurdo. Aí eu vi a necessidade, eu também preciso, as pessoas precisam, vendo a R$ 1 cada com cinco sabores diferentes: doce de leite, goiabada, cocada, chocolate e creme."

Além do Carandá, Michele também vai a outros bairros oferecer os sonhos: Novo Mundo, Nova Esperança, Tatiana, Aparecidinha, Habiteto, Laranjeiras, Vila Barão, Baronesa. Cada dia vai a um bairro. O deslocamento é feito de ônibus. Assim, calcula o faturamento em R$ 2.400 em 24 dias trabalhados no mês, descontados os custos de produção, e é com essa renda que sobrevive.

A mudança para o Carandá, em 28 de março, também representou economia. Michele pagava R$ 700 de aluguel numa casa da Vila Barão. Agora, já pensa em comprar um carro para tornar mais rápida a mobilidade com os sonhos. Ela está otimista: "Meu projeto de vida vai melhorar." E ensina: "A gente tem que fazer como a fênix, que renasce das cinzas todos os dias."

Outros sonhos

No Carandá, dentro das condições de cada um, outros moradores também seguem os passos de Michele. Entre eles estão Edilaine Oliveira, de 34 anos, Gregório Arruda, de 62 anos, Márcio Ferreira Alves Leme e Andréia Cristina Gomes de Lima, de 24 anos. Embora não se conheçam e morem em condomínios diferentes dentro do Residencial, os três têm em comum o espírito empreendedor de gerar renda em tempos de grandes necessidades.

Edilaine faz trufas e ovos de chocolate no apartamento onde mora, no condomínio Jequitibá, enquanto Andréia vende frutas e legumes, e Gregório, objetos que vão de cortador de unha a fone de ouvido, de pilha a carregador de celular. Edilaine usa o WhatsApp para divulgar as trufas e os ovos. Outras pessoas também utilizam as redes socias para oferecer bolo, pastel, sorvete, marmitex, além de serviços como pedicure, manicure e cabeleireiro.

Outro morador, Marcos Gomes da Silva, de 38 anos, decifra a situação: "Todo mundo que veio pra cá precisa fazer alguma coisa pra ter uma renda, ninguém está aqui de bobeira."