OUTRO OLHAR

Identidade secreta


Carlos Araújo

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Ninguém jamais ouvira falar no homem que um dia desembarcou no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, e pegou uma mala preta na esteira de bagagens. Também não se sabia de onde ele vinha, embora o avião tivesse partido de Manaus. A viagem incluíra escalas em Brasília e Belo Horizonte e ele também podia ter embarcado numa dessas duas outras capitais.
Esse homem chamava-se Josafá Januário Justo. Ele veio a São Paulo com a missão de entregar a mala num escritório da avenida Paulista. Ninguém sabia quem lhe dera essa ordem. E nem ele mesmo sabia porque fora escolhido para a missão. Não conhecia os riscos, os perigos, os segredos no transporte da mala. Só tinha ciência de que seria muito bem pago. Recebeu cinquenta mil dólares em Manaus e receberia outra quantia de igual valor no instante em que entregasse a mala no escritório indicado.
Jamais poderiam saber o conteúdo da mala e muito menos o destinatário. O escritório na Paulista era só o primeiro ponto (de um total de sete) que a mala devia percorrer até chegar ao destino final.
Depois, ela seria levada ao galpão de uma garagem de ônibus na zona sul de São Paulo; em seguida, a um quarto de hotel na zona norte; a uma lanchonete do Capão Redondo, na zona sul; a uma concessionária de automóveis, na zona norte; a um posto policial, na zona oeste; ao pé de uma árvore na encruzilhada de um local ermo de Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste.
O trajeto entre cada um dos sete pontos seria percorrido por um novo entregador contratado exclusivamente para essa finalidade. A mala deveria percorrer todo o trajeto em sete horas, o que correspondia a uma hora de um ponto a outro. Mas nem Josafá nem os outros contratados para garantir o deslocamento sabiam disso. E nem podiam saber nada. A desinformação, nesse caso, era uma questão de segurança. A mala fazia parte de uma operação altamente secreta e essa condição tinha que ser preservada a todo custo.
Josafá cumpriu a sua parte na missão, percorrendo o trajeto entre Cumbica e a Paulista. Recebeu o restante do pagamento combinado e deixou o prédio do escritório da Paulista às oito horas daquela manhã de chuva e céu cinzento. Não tomou cafezinho, não conversou com qualquer pessoa, não cumprimentou ninguém. Contrariando o hábito, preferiu a escada ao elevador. Na rua, desapareceu na multidão, entre guardas-chuvas e capas molhadas. E entrou na estação Brigadeiro do metrô. Garantir o anonimato era um item de qualidade do serviço.
Antes do embarque, entrou no banheiro da estação Brigadeiro. Após embarcar no metrô e desembarcar na estação Trianon, Josafá viu que dois homens o aguardavam na plataforma para matá-lo, mas o perderam de vista.
Tempos depois, descobriu todo o plano urdido para a operação. Todos os outros seis entregadores foram assassinados a tiros momentos após terem deixado a mala nos pontos mapeados. Ele só foi poupado porque, ao contrário dos demais, recorrera a um segredo de identidade.
Quem o visse entrar no banheiro do metrô Brigadeiro, teria assistido a uma metamorfose total: Josafá se transformou em Ivana Barco, sua verdadeira identidade. No instante em que desembarcou na estação Trianon, ela viu os dois assassinos e suspirou de alívio. Jamais os dois pistoleiros poderiam imaginar que o homem que matariam era a bela mulher de olhar perigoso e ameaçador, que passou por eles em passo de dança na direção da esquina da Paulista com a Augusta.
Ivana concluiu que a eliminação dos entregadores era o cerne de uma rede de intrigas. O objetivo era produzir queima de arquivo e proteger os segredos do conteúdo e do destinatário da mala. As execuções tinham sido planejadas para blindar uma quadrilha de criminosos de grande poder. Os entregadores eram testemunhas da trama, embora involuntárias, e precisavam ser silenciados.
O conteúdo da mala era um mistério. Há quem diga que era uma bomba. Não restava dúvida, pensou Ivana, que a mala continha uma quantidade incalculável de dólares de origem criminosa e o destinatário era uma pessoa de poder absoluto e acima de qualquer suspeita.
-- Sobrevivi porque não confiei em ninguém -- Ivana continuou pensando. -- Usei o disfarce para contratar um trabalho altamente rentável e de grande risco. Ser mulher foi a minha garantia de sobrevivência.