OUTRO OLHAR

As balas do Papai Noel


Carlos Araújo

Havia uma praça, um grupo de crianças e um Papai Noel.
O velho de barba branca e roupa vermelha chegou à praça em pé na carroceria de um caminhão.

As crianças cercaram o veículo. Eram meninos e meninas que acreditavam que o Papai Noel era figura verdadeira. Nada os faria pensar diferente.

A chegada foi uma grande festa. O Papai Noel entrou em cena com o seu "oooh! oooh! oooh!". O som do caminhão tocava canções de Natal. O clima era de sorrisos, generosidade, carinho.

O motorista do caminhão, que era o ajudante do Papai Noel, organizou a fila para evitar confusão. Pediu paciência a todos. Prometeu que logo começaria a distribuição de balas.

O homem que encarnava o Papai Noel era um caminhoneiro. Havia mais de dez anos, nos dias que antecediam o Natal, ele enchia as mãos das crianças de balas na praça.

A experiência de percorrer várias regiões do País o colocara em contato com o sofrimento humano. Ficava demasiadamente sensibilizado nesses dias de dezembro. Muitas crianças não tinham nem balas no Natal. Se não podia dar presentes, ao menos podia oferecer balas.

Para reunir as guloseimas, recebia a ajuda de comerciantes. Eram balas de todos os tipos, variedades e tamanhos. Balas de chocolate, uva, limão, laranja, café. Havia para todos os gostos.

O motorista do caminhão era o seu filho mais velho. Alguém tinha que dirigir o veículo enquanto ele se deslocava de um lugar para outro na carroceria, saudando crianças e adultos por onde passava, até chegar à praça. E essa maratona o deixava muito feliz.

Não se preocupava com as críticas de gente incapaz de uma iniciativa como essa. Diziam que ele só queria se promover à custa da inocência infantil. Que ele fazia isso porque tinha planos de conseguir o apoio dos pais das crianças para futuros planos políticos. Acusavam-no de querer se candidatar a vereador e a prefeito.

Ele ignorava essas bobagens. Conhecia a capacidade do povo de julgar os outros, sem atentar para a própria inércia, e não se importava com nada.

O que o movia era o sorriso das crianças. O que o comovia era a satisfação de saber que Papai Noel ainda era uma figura querida em tempos de concorrência provocada pelas fantasias da internet, do celular, dos jogos eletrônicos.

E lá estava ele novamente na praça.

Começou a entregar as balas. As crianças se aproximavam com as mãos unidas em concha. E ele recebia abraços. Retribuía o carinho com palavras de ânimo e ouvia pedidos de presentes:

- Eu quero uma boneca.

- Eu quero um carrinho.

- Eu quero um tablet.

Papai Noel sorria, meio constrangido por não conseguir atender a tantos pedidos, e continuava a acreditar no poder mágico das balas.
Surpreendeu-se quando o organizador da fila o alertou:

- As balas acabaram.

Foi um momento de grande tensão. Nesse instante a fila tinha se dissolvido. O volume de crianças era grande demais.

Ocupados com a movimentação geral, Papai Noel e o ajudante não perceberam que outros grupos de garotos se juntaram em torno do caminhão e agora formavam um mar de gente.

A quantidade de balas teria sido suficiente para o público previsto, como nos anos anteriores, mas o inesperado ajuntamento de outros meninos e meninas acabou com todo o estoque de guloseimas. Eram tantas crianças que parecia que todas elas tinham se dirigido à praça de uma só vez.

Quem ficou sem bala (e eram muitos) começou a xingar o Papai Noel. Ele tentou dar as devidas explicações. Prometeu retornar com mais balas. Mas os baixinhos não quiseram ouvi-lo.

Os xingamentos foram acompanhados da primeira pedrada. Seguiram-se outras pedras, atiradas de todas as direções.

- De onde sai tanta pedra?, pensou o Papai Noel.

Na falta de balas, as mãos dos meninos e meninas estavam cheias de pedras apanhadas no chão de terra batida e pedregulhos.

O Papai Noel e o ajudante correram para o caminhão. Na pressa, a barba branca caiu e foi pisoteada. O gorro vermelho voou da cabeça.

- Pé na tábua, disse o Papai Noel, desesperado.

O caminhão disparou levantando poeira e tomou o rumo da saída da cidade. As pedras tilintavam na lataria.