Quem poderá nos salvar?
Carlos Araújo
carlos.araú[email protected]
Agora que o Natal já era e Papai Noel entregou todos os presentes, eis que uma fonte me passa o zap dele, eu faço contato e, para minha surpresa, ele responde:
- O que você quer saber?
Surpresa total. É a primeira vez que falo com Papai Noel. Após uma pausa para recuperar o fôlego, digito a pergunta:
- Como você vê a dúvida das crianças sobre se você existe ou não?
- O que importa para mim é existir na fantasia de cada criança. Ser parte da magia da infância me enche de satisfação.
- Os adultos também gostam de você.
- Homens e mulheres nunca deixam de ser crianças nos momentos de festa e alegria. E o Natal é a grande comemoração do nascimento de Jesus Cristo. Natural que pessoas de todas as idades gostem de mim.
- Todo Natal é repetitivo ou é diferente a cada ano?
- O Natal está dentro de cada pessoa. Eu, Papai Noel, é que sou o mesmo. Mas sou recebido de forma diferente pelas pessoas e em cada lugar.
- Numa cidade você foi apedrejado.
- Foi numa ocasião em que eu distribuía balas e elas acabaram. As crianças que saíram de mãos vazias ficaram revoltadas e me castigaram atirando pedras. Tive que correr.
- Alguma mágoa?
- Não, nenhuma. As crianças tinham razão. Elas se sentiram enganadas, eu fui o culpado e elas decidiram me punir por isso. Os adultos têm muito a aprender com elas. Muitos crescem e se tornam seres inertes, amorfos, sem vida.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu conheço o mundo inteiro. O Brasil é um país chocante pela injustiça, pela desigualdade, pela desesperança. E o povo ainda tem a capacidade de curtir a fantasia do Papai Noel, do Carnaval, do futebol. É um povo extraordinário. Marcado pela resistência, pela capacidade de cair, se levantar e seguir em frente. Mas fantasia demais estraga, hipnotiza, imobiliza o ser. Isso explica parte da inércia brasileira diante da realidade insuportável, perversa, massacrante.
- Mas, descontado o caso das pedradas, você foi bem recebido em todos os lugares.
- Você é que pensa. Fui assaltado numa rua escura na noite de Natal. Levaram o saco de brinquedos. Bandido não respeita nem Papai Noel.
- Que presentes lhe pediram?
- Pediram de tudo, desde os tradicionais carrinhos e bonecas aos aparelhos eletrônicos. Confesso (e isso me dói muito) que não pude atender a todos.
- Fizeram pedidos impossíveis?
- Sim. Houve quem pedisse água, comida, emprego, cura de doenças, paz na família, amor, fim da corrupção, tolerância entre os homens. São valores e sonhos que estão além da minha capacidade. Anotei todos esses pedidos para encaminhá-los aos governos. Os governos são as esferas competentes para resolver muitas dessas questões. O mais grave é que quando elas são levadas ao Papai Noel é porque ninguém mais acredita nos governos.
- Você acredita nos governos?
- Quanto a mim, eu não preciso crer ou descrer dos governos. Não preciso deles para nada e eles não mandam em mim. Quanto a vocês, os diversos níveis de governos representam o povo e têm a obrigação de trabalhar pelas causas de interesse público.
- Palavras bonitas. Parece discurso político. Você teria coragem de ser candidato a presidente nas eleições do ano que vem?
- Nem morto. Eu não sou do ramo. Pertenço ao mundo da magia. A realidade é para os profissionais.
- É que aqui a briga é pesada para definir os nomes que vão disputar as eleições para presidente.
- Vocês que são brasileiros que se entendam. Eu estou fora dessas discussões.
- Ninguém lhe pediu um candidato a presidente?
- Não. Nem podia acontecer uma coisa dessa. A beleza da magia do Natal não dá conta da realidade. São coisas opostas, que não se misturam.
- E 2018 será um ano difícil?
- Não me pergunte isso. Previsões não são comigo. Mas se quiser ser realista e não se autoenganar, prefira pensar em 2019. O ano que vem já está comprometido com eleições e Copa do Mundo. Voltarei em 2018, como faço todos os anos, mas só para cumprir tabela. O ano que vem já era.
- E quem poderá nos salvar?
Nesse instante cai a conexão do zap e eu não consigo restabelecer contato.