OUTRO OLHAR

O tempo renovado


Carlos Araújo 
No mesmo nível da guerra e da morte, o tempo é um problema eterno. Nessa época de ano-novo, então, o tempo ganha destaque extraordinário e vai muito além da dos calendários criados pelo homem.

A primeira sensação é de passagem, ritmo, velocidade. Algo ficou para trás, virou memória. O ano-novo tem tudo a ver com a metáfora do passo adiante. E as expectativas de coisas boas são como o desejo de pisar em chão firme e continuar a jornada da vida.

O passo à frente vai registrar mais um aniversário. Vai incluir mais um ano de emprego, de casamento, de faculdade. Podem discordar, mas a relação com o tempo está em todas as ações humanas.

Bem verdade que há controvérsias. Dizem até que o tempo não existe. Que é mera convenção humana. Que o que se passa é o ser biológico e ele inventou a marcação dos anos como forma de não perder a referência do seu fim.

O debate vai ao ponto de extinguir o presente, o passado e o futuro. Falam que o passado não existe, já que é memória. Que o presente é só uma abstração, pois não pode suceder o vazio antecedente e muito menos se intercalar entre a memória e o futuro, que é apenas imaginação.

Contra o presente também há a ideia de que ele é uma situação impossível. Imagine a fração de segundo antes do pensamento ser processado. No instante em que você chega a um julgamento, o início da reflexão já é o que se classifica como passado e a conclusão é o que se pressupõe como o futuro. Isso elimina o presente.

Então, a inexistência do tempo compromete a representação da existência do ser, dirá alguém que não consegue separar uma coisa da outra. Debite a resposta ao terreno das contradições humanas: o homem (em sua presunção) imagina controlar o tempo, mas habitualmente não consegue realizar tudo o que gostaria em 24 horas.

Também é difícil dar conta do tempo quando ele é usado para explicar os mistérios do universo. Complexidade total levar em conta que luzes vistas recentemente no céu são reflexos da energia liberada por explosões estelares ocorridas há bilhões de anos. Fora da ciência, o tempo vira um fenômeno indecifrável.

Talvez a resposta será conhecida no momento em que o homem desvendar o mistério universal da origem de tudo o que existe. De onde viemos? Para onde vamos? Quem somos? Sobram especulações, suposições, crenças. Mas não há resposta definitiva. E ela certamente tem relação com o tempo tal como é concebido ou como foi inventado.

O fenômeno é tão delirante que vai muito além dos limites da ciência. A arte, a filosofia, a religião, todas essas criações tentam dar conta do problema do tempo. Avançaram muito, mas deixaram teorias incompletas e caminhos abertos para novas descobertas.

O aspecto que mais interessa é quando o tempo interfere diretamente no cotidiano das pessoas. Há hora para dormir, acordar, trabalhar, estudar, descansar, bater uma bola, beber com os amigos. Há hora para dizer "sim" e para dizer "não", para tomar uma atitude ou ser indiferente, para comparecer e se despedir, para chorar e se divertir, para amar e para morrer. E também para sobreviver.

Histórias do cotidiano têm relação direta com o tempo. Há anos, numa cidade da Grande São Paulo, um homem, apressado, pegou um táxi para ir ao aeroporto de Congonhas. Tinha uma viagem de trabalho. Perder o voo significava grande prejuízo em um negócio importante.

Para seu azar, um congestionamento gigantesco travou sua mobilidade desde a rodovia Castelo Branco. A Marginal do Pinheiros estava com trânsito parado.

Impaciente, o homem abandonou o táxi e pegou carona em uma moto. O esforço não o recompensou porque mesmo assim chegou atrasado ao aeroporto e perdeu o voo.

Tomou um choque, ainda no saguão do aeroporto, no instante em que recebeu a informação de que acabava de acontecer um desastre com o voo que ele perdeu. O avião caiu minutos após a decolagem. Não havia sobreviventes.

Trêmulo, suando frio, o passageiro atrasado precisou de uma cadeira para recuperar o fôlego e se dar conta de que a vida acabava de lhe dar uma segunda chance. O tempo, tão ávido por mover pressões contrárias, desta vez estava a seu favor.