Abril de misericórdia
Carlos Araújo
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"Abril é o mais cruel dos meses", escreveu o poeta T.S. Eliot. Agosto já era. Em abril é que os acontecimentos dão calafrios. Todo ano, a aproximação desse mês rotulado como "o mais cruel" pelo poeta norte-americano acende um sinal de alerta.
Há quem acredite na probabilidade de que a história se repete de tempos em tempos. Mudam os métodos, mas a essência é a mesma. As guerras, por exemplo, introduzem novas armas, mas todas produzem catástrofe.
Foi em 2 de abril de 2005 que morreu João Paulo II, um dos maiores líderes da história contemporânea. Foi em abril de 1973 que morreu Pablo Picasso, um gênio da arte no século 20. E muito antes, em 10 de abril de 1917, o revolucionário mexicano Emiliano Zapata foi assassinado.
Também foi um dia de abril de 1949 que marcou a criação do Tratado do Atlântico Norte ou Aliança Atlântica, que deu origem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma agremiação militar de países que, em oposição ao grupo de nações do Pacto de Varsóvia, construiu um dos pilares da Guerra Fria.
E o Titanic naufragou na noite de 14 para 15 de abril de 1912. A tragédia deixou 1.512 pessoas mortas. Foi uma das maiores catástrofes marítimas de todos os tempos.
Abril marcou a invasão da baía dos Porcos, em Cuba, no ano de 1961, na madrugada do dia 17. Em 19 de abril de 1824, a Inglaterra perdeu Lord Byron, ícone do romantismo.
Em outro registro de tragédia com reflexos no mundo inteiro, o dia 26 de abril de 1986 entrou para a história com Chernobyl, na Ucrânia (então pertencente à antiga União Soviética), onde aconteceu o acidente nuclear mais grave de todos os tempos.
O Brasil não foge à regra dos fantasmas de abril. Basta recordar o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, quando 19 sem terra foram assassinados; a morte de Tancredo Neves, após uma agonia que comoveu os brasileiros; o enforcamento de Tiradentes com o seu corpo depois esquartejado.
Em séculos passados, índios massacrados e africanos escravizados poderiam se lastimar com os sofrimentos vividos e associados ao descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500. Essa data selou com dores profundas o destino de índios e escravos negros.
Agora, em 2018, o mês que começa no próximo domingo também assusta. É farto o caldo de cultura que, no Brasil e no mundo, abre caminhos de pedras e perigos como num campo minado.
No Brasil, as incertezas dão o tom de que a única certeza é a dúvida sobre tudo e sobre todos os agentes da história. Acertar a previsão do tempo é mais fácil do que prever os próximos acontecimentos. Em tempos de ódios exacerbados, intolerância à flor da pele, toda desconfiança é sinal de prudência.
No mundo não é diferente. Quem manda de verdade, de Donald Trump a Vladimir Putin, tem o controle dos botões capazes de acionar a guerra nuclear. Vale torcer para que eles tenham paciência entre si. E cultivem tolerância para aturar os arroubos de valentia de coadjuvantes como Kim Jong-un e Bashar al-Assad.
A temperatura do medo sobe muito quando diplomatas russos são expulsos por países ocidentais em retaliação ao envenenamento de um ex-espião russo e sua filha no Reino Unido. A Rússia, acusada de usar veneno proibido no ataque, promete responder à altura. Poderia ser o roteiro para um filme de "007". Mas não é. Em meio à crise, o pior é que diplomacias decorativas não servem para nada.
E o verso de Eliot martela na cabeça: "Abril é o mais cruel dos meses." Hora de torcer para que abril de 2018 seja menos punk. Hora de acreditar que no Rio pessoas vão parar de serem assassinadas nas favelas em "confronto" com forças invisíveis. Hora de imaginar que um mágico possa reduzir os 60 homicídios por dia que fazem do Brasil um país em guerra civil silenciosa.
Que venha um abril de misericórdia. As vidas de muitas pessoas seriam poupadas. A paz agradeceria em nome de todos.