OUTRO OLHAR

Aperte o 7


Carlos Araújo
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 - ARTE: LUCAS ARAÚJO - ARTE: LUCAS ARAÚJO

Numa tarde de quarta-feira, o cara vai pela primeira vez a uma consulta médica de rotina no 7º andar de um edifício moderno do centro da cidade. Consta que o cidadão é analfabeto digital. Quem o conhece sabe que ele tem dificuldade com as novas tecnologias. Rendeu-se tardiamente ao celular e ao zap, mas por pressões de trabalho. E também é meio atrapalhado no trânsito. Avesso ao Waze, habitualmente fica perdido quando se dirige a um novo endereço.

Foi sempre assim. Um dia, em Brasília, no corredor de um hotel às 6 horas da manhã, ele apertou um botão vermelho achando que ia abrir uma porta ao lado para ter acesso às escadas e chegar à recepção no térreo. E o que ele acionou foi o alarme de incêndio. O ruído estridente foi assustador e durou alguns minutos. Ele correu, encontrou uma porta. Chegou ofegante à recepção. Lá estava uma amiga que o conhecia de longa data. Foi você que acionou o alarme, não foi?, ela o desmascarou, rindo. E ele não teve como negar o óbvio.

Outra vez, há muitos anos, teve dificuldade para lavar as mãos na torneira de um banheiro de cinema. Outra pessoa usou a água normalmente e ele ficou perplexo porque não havia nada para abrir ou fechar a torneira. Aproximava as mãos da torneira, e nada. Olhou para debaixo da pia, tentando identificar algum pedal de pressão, e nada. Precisou pensar um instante até jorrar a água e então compreender que estava diante de uma nova tecnologia.

Pois é esse o cara que entra na avenida onde está situado o prédio indicado para a consulta médica. Para variar, ele erra a entrada do edifício. Após fazer um contorno, entra em outra avenida à direita. Faz um retorno à esquerda e entra no estacionamento lateral do prédio.

No elevador, quando vai acionar o 7º andar, é surpreendido pela ausência do número 7. Os números vão de 0 a 5. Entrei no prédio errado, ele diz, sem saber se fica nervoso ou se dá risada. Vou ter que sair do prédio, ele calcula, como que se preparando para um desvio no roteiro. Duas mulheres que estão no elevador e percebem a sua impaciência dizem que ele não precisa sair do prédio, que na verdade é um shopping. É só você seguir por esse corredor, o prédio aonde você vai fica ao lado, dá para ir caminhando, ensina uma das mulheres.

Seguindo as indicações, o cara apressa o passo. Já está atrasado para a consulta. Atravessa uma vasta área de estacionamento e passarela de pedestres e finalmente atinge o saguão de entrada do prédio onde fica o consultório médico.

Feita a identificação com RG e foto, a recepcionista lhe entrega o cartão magnético que destrava catracas de acesso ao elevador. O elevador fica à direita, é só apertar o 7, diz a moça da recepção.

Pois bem: o cara entra no elevador e procura o 7 para indicar o andar pretendido. É tomado de um estranhamento quando não vê nenhum painel com os números que devem ser acionados. Ao lado da porta há apenas um visor digital que indica os andares no ritmo do elevador. Ele fica pasmo. E agora?, pensa. O que eu faço?

Mesmo sem ter apertado nenhum número, ele vê o 7 registrado no visor. Será que a moça da recepção acionou algum dispositivo que marcasse automaticamente a parada no 7º andar?, ele pensa. Mas não pode ser, porque ela pediu para ele apertar o 7.

A porta do elevador se abre. Por instinto de orientação, ele deduz que este é o 7º andar. E está correto. Atrás dele saem duas mulheres, que percebem sua desorientação. Você devia ter apertado o 7 no térreo, o painel fica ao lado da porta do elevador, diz uma delas.

Muita modernidade, eu nasci no século passado, ele brinca, se justificando. As mulheres compartilham o lado engraçado da confusão e se dirigem para uma das muitas salas existentes no 7º andar.

No instante em que entra no consultório médico, o cara tem a sensação de que foi alvo de pegadinhas digitais.

De vez em sempre ele vive esses apuros. Um ser analógico no mundo digital dá essas coisas. São os seus momentos de Mr. Bean. Que ao menos rendem boas risadas.

De resto, rir de si mesmo também é uma forma de lavar a alma nesses tempos difíceis.