Júlio de Mesquita relembra 25 anos de história
A música "Chega de saudade", dos compositores Antonio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes e que foi gravada pelo cantor João Gilberto em 1958, é considerada o marco inicial da bossa nova: gênero musical surgido no Brasil durante o final da década de 1950. Meses antes, a canção foi gravada pela cantora Elizeth Cardoso, considerada a precursora da bossa nova. O nome da cantora carioca foi dado a uma das ruas do bairro Júlio de Mesquita Filho, popularmente conhecido como Sorocaba 1. O bairro, considerado um dos mais importantes da zona oeste de Sorocaba, foi fundado em 1992 e completou 25 anos no último dia 21 de novembro.
Para matar a saudade, um grupo de moradores e ex-moradores prepara uma série de atividades para contar a história do bairro. O projeto, chamado de "Memórias: 25 anos de Sorocaba 1 a Júlio de Mesquita", consiste em recolher material sobre a história do bairro, como fotos, matérias de jornais, documentos da fundação, além da captação em vídeo de depoimentos dos moradores. As histórias e lembranças dos moradores mais antigos e atuais farão parte de um documentário sobre o bairro, e as fotos vão virar uma exposição para mostrar a evolução do local, além de uma revista comemorativa.
As ações para organizar os eventos estão sendo feitas por um grupo de cinco pessoas, sendo que quatro delas ainda moram no Júlio de Mesquita. Quem coordena os trabalhos é a ex-moradora Maria Cleusa Prado, 39 anos, que resume seu amor e saudade pelo bairro com a seguinte frase: "Costumo dizer que eu saí do Júlio de Mesquita mas o Júlio de Mesquita não saiu de mim", diz ela.
Cleusa conta que a ideia do projeto para comemorar os 25 anos do bairro surgiu há quase dois anos quando ela viu na página do Facebook de um amigo uma foto antiga do bairro. "Um amigo postou a foto do ônibus levantando poeira no Facebook, e eu vi uma quantidade muito grande de pessoas deixando mensagens dizendo que mesmo com tanta dificuldade na época, elas eram muito felizes e que sentiam saudades daquela época", conta saudosista.
Pelas mensagens dos moradores e ex-moradores Cleusa viu que, apesar das dificuldades iniciais, eles tinham saudades daquela época. "Recordavam dos seus filhos pequenos e, principalmente, lembravam da sacolinha no pé que tínhamos que usar para ir até o ponto de ônibus em dias de chuva, pois ele ia só até a avenida principal", lembra.
As atividades que vão marcar um ano de comemoração pelos 25 anos de existência do bairro tiveram início em janeiro deste ano, quando o grupo realizou uma tarde cultural, com apresentações artísticas em um terreno no Júlio de Mesquita, e que contou com a participação de mais de 2 mil moradores.
Chega de saudade
Assim como na canção, Cleusa pensou em uma maneira de acabar com aquela saudade dos moradores e ex-moradores. Após ler as mensagens deixadas na foto antiga do bairro, ela falou com o amigo e autor da postagem. A ideia era fazer um encontro de ex-alunos da Escola Estadual Antonio Vieira Campos, que fica na avenida Américo Figueiredo, a principal do Júlio de Mesquita, e onde muitos moradores e ex-moradores estudaram. "Foi nesse dia que falei para meu amigo que poderíamos fazer um encontro de ex-alunos da escola expondo algumas fotos daquele período", conta.
O acervo fotográfico e de notícias publicadas no jornal Cruzeiro do Sul sobre o bairro foi uma das fontes de pesquisas do grupo. "Vendo todo aquele material, me encheu os olhos porque eu conhecia quase todas as pessoas nas fotos e vivi todos aqueles momentos. Então, achei que o encontro de amigos da escola seria muito pouco e que era preciso mostrar todo o material para aquelas pessoas e todos os moradores do bairro", diz emocionada.
Na pesquisa Cleusa descobriu que o bairro completaria 25 anos de história em novembro do ano passado. "Daí surgiu a ideia do projeto, que inicialmente seria somente a exposição, mas com o passar do tempo, e principalmente com o reconhecimento e carinho dos moradores com o projeto, eu acabei incluindo outras atividades. E o que seria um único evento se tornou em um ano de comemorações", afirma. Fotos e documentos também foram cedidos pelo ex-secretário da Promoção Social e Habitação, Lineu Maldonado Martins, que atuou na pasta no primeiro governo do ex-prefeito Antonio Carlos Pannunzio (PSDB).
Entre diversas histórias, dos primeiros moradores aos mais recentes, Cleusa cita José Pereira de Moraes, um dos primeiros moradores do bairro e muito conhecido no local por senhor Pereira. "O morador foi o primeiro presidente da Associação Amigos do Bairro nos primeiros 10 anos do Júlio de Mesquita e responsável por várias conquistas para o bairro", diz Cleusa.
Bairro surgiu tendo a união como característica principal
De todo o material coletado para contar a história do Júlio de Mesquita, um deles chamou a atenção do grupo organizador: um exemplar do convite para as festividades de inauguração do empreendimento habitacional "Dr. Júlio de Mesquita Filho, na região do Ipatinga, em Sorocaba, às 10h do dia 21 de novembro de 1992. No convite consta a informação de que foram construídas 3.506 casas, todas iguais, que beneficiaram 14.024 pessoas.
Atualmente, calcula-se, segundo os moradores, que o bairro tenha em torno em torno de 30 mil habitantes, ou seja, em 25 anos, a população do Júlio de Mesquita dobrou. Apesar das histórias e lembranças das dificuldades do início do bairro, os moradores ainda pedem mais atenção do poder público, principalmente nas áreas de cultura e lazer, além de uma representatividade política que de fato traga melhorias para o popularmente conhecido Sorocaba 1.
O representante comercial, Vinícius Sampaio, também foi um dos primeiros moradores do bairro e se mudou com os pais aos 11 anos para uma casa na rua 1, que depois recebeu o nome da seresteira sorocabana Maria Germani. A cantora era conhecida na cidade como o "Rouxinol Sorocabano", e faleceu em 1995. Ela era irmã de Toní Germani, também seresteira, conhecida por atuar com o Grupo Samba, Choro & Seresta.
Vinícius conta que ele e a família vieram do Central Parque para morar no Júlio de Mesquita. "Viemos por conta do sonho da casa própria. E o que mais marcou daquela época, 25 anos atrás, é que o bairro não tinha nada. As duas escolas de madeira daquela época pegaram fogo, e a quadra de uma delas desabou. O asfalto começou a chegar uns cinco anos depois da inauguração do conjunto habitacional. O pão e o leite eram entregues nas casas por uma Kombi porque não tinha comércio nenhum", lembra.
O empresário Marcos de Almeida Branco, 44 anos, mora no bairro desde 1993. Ele conta que chegou a trabalhar na empresa que vendia o asfalto para os moradores do Júlio de Mesquita e lembra da união dos primeiros moradores, que chegavam a compartilhar muros e compravam materiais de construção juntos. "Era uma união muito grande entre os moradores exatamente porque não tinha nada no bairro. As pessoas tinham que se unir e juntos fomos lutando para trazer as melhorias aos longo dos anos", conta. Marcos também recorda que até supermercado começou na casa de um dos moradores, que anos mais tarde fez um estabelecimento para que os habitantes do bairro pudessem fazer suas compras.
Já Cleusa, a idealizadora do projeto de memórias pelos 25 anos do Júlio de Mesquita, afirma que as ações pretendem resgatar as histórias, lembranças para não deixar tudo só na saudade, visto que o bairro foi considerado o maior conjunto habitacional de casas populares da América Latina na época. "Como dizia a canção, chega de saudade. É basicamente assim que nasceu e está sendo conduzido o projeto. Um misto de nostalgia, alegria e muito amor por ter vivido os melhores anos da minha vida nesse bairro", diz ela.