OUTRO OLHAR

A cara da derrota


Carlos Araújo
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 - ARTE: LUCAS ARAÚJO - ARTE: LUCAS ARAÚJO

A cara da derrota pode ganhar a forma de um grande painel com símbolos que traduzem gestos, ruídos, substâncias do corpo. Após um gigantesco fracasso, a sensação de ter sofrido uma tragédia é cortante. O abatimento derruba o sujeito, as forças se acabam, o desânimo toma conta do corpo e da alma. Castigo e fim de festa. Tudo é sofrido demais nessa hora amarga.

As mãos se cruzam na cabeça, como num pedido de socorro. O olhar é baixo, fixo no chão. Sensações de vergonha, humilhação, desamparo. As emoções explodem em suor, lágrimas, respiração ofegante. Não há nada mais parecido com a condição humana revestida de fragilidade, finitude, solidão. Não há nada mais humano.

Os fatores que levam a essa situação dramática têm origem em várias frentes. Podem ser resultados da perda de alguém, de um amor não correspondido, de uma demissão inesperada, de prejuízos nos negócios, da saúde abalada, de um jogo de futebol na Copa do Mundo.

A eliminação do Brasil na Copa da Rússia foi um exemplo. A manchete do Cruzeiro do Sul deu o tom do sofrimento: "Sonho do hexa vira pesadelo." Na Folha de S.Paulo, lia-se: "Brasil perde nas quartas da Copa pela 3ª vez neste século." No Estado de S.Paulo, o Estadão, a proposta era fugir da fantasia: "O Brasil cai na real." Na televisão e na internet, a mesma visão se repetia.

E todo esse mundo é rico em imagens. Neymar com a mão no rosto, Marcelo parece se esconder levantando a camisa, Alisson de joelhos com a bola no fundo da rede. Neymar, Renato Augusto, Fernandinho e Willian se rendem à angústia, deitados no gramado.

Em todos os cantos do Brasil, nas salas e nos grandes espaços com telões, multidões de torcedores lançam olhares vagos e se abraçam como num esforço coletivo para não desmoronar. Nessa comunhão de sonhos pelo hexa adiado mais uma vez, a tristeza ganha dimensão épica.

O desafio agora é o que fazer para superar a derrota. Livros, palestrantes de autoajuda, terapeutas e psicólogos apresentam as mais diferentes dicas de superação, mas a verdade é que não há receita pronta capaz de resolver as variadas tentativas de exorcizar a eliminação de um sonho de torcedor.

O mais trágico é que a cara da derrota brasileira não se limita à Copa do Mundo, mas ao Brasil inteiro e real. Dessa forma, a cara da derrota está presente no jogo brutal da política, na economia de PIB quase zerado, nos homicídios em volume típico de guerra civil, na febre amarela e no sarampo, na desesperança, na incerteza de como será o amanhã.

Se há alguma coisa sensata a ser dita, a derrota não deve ser fator de paralisação ou desistência de um sonho ou projeto de vida. E o esporte está cheio de exemplos. Entre eles, a derrota para o Uruguai na final da Copa de 1950 foi um marco de terra arrasada, mas é bem possível que ela esteja na origem dos impulsos que levaram o Brasil a conquistar dois mundiais seguidos, em 1958 e 1962.

A marcha da história contribui com muitos episódios representativos dessa equação. Um dos casos mais notáveis é a biografia de Winston Churchill. Após um desastre militar no começo da carreira em Gallipoli, região da Turquia, Churchill parecia acabado. Apesar do trauma, ele desafiou a chamada "narrativa do passado" e ressurgiu no início da Segunda Guerra Mundial. Sua contribuição como líder britânico foi decisiva para mudar a história da luta contra o nazismo. A atuação de Churchill obrigou Adolf Hitler a sustentar duas frentes de combate, o que dividiu suas forças e o levou ao desastre.

Figuras históricas e acontecimentos dessa categoria fazem crer que não se deve julgar um indivíduo ou uma geração somente pela atualidade, sem levar em conta a capacidade de transformação para o futuro. Uma derrota pode ser sucedida por vitória. Não há vitória sem derrota antecedente.

Nada na natureza é condenada à inércia permanente. Tudo é movimento, imprevisibilidade, risco calculado. Assim são a história do mundo e a existência humana.

A derrota também é um problema filosófico e matéria de inspiração para toda forma de arte. Como exemplos, o romance "Vidas secas" (Graciliano Ramos) e a tela "Enterro na rede" (Cândido Portinari) são transposições da miséria brasileira para a arte.

E nem por isso a música deixa de cantar a beleza das praias e das mulheres deste país "abençoado por Deus e bonito por natureza". Há luz nas trevas, mesmo que ela só possa ser curtida em forma de música e poesia.