SAÚDE

Hipertiroidismo: quando a tireóide perde o controle


 
Tatiana Camargo Pereira Abrão
O hipertiroidismo é uma doença que resulta do excesso de hormônios tiroidianos em circulação, T3 e T4, habitualmente produzidos na glândula tireóide. Ele pode provocar uma grande variedade de sintomas e sinais de diferentes graus de gravidade. Os sintomas mais comuns são ansiedade, irritabilidade, insônia, hiperatividade, cansaço, fraqueza muscular (braços, coxas, dificuldade em levantar objetos ou subir escadas), tremores, palpitações, sudorese aumentada, intolerância ao calor, emagrecimento, mesmo com aumento do apetite, alterações menstruais (no caso do sexo feminino); disfunção erétil e diminuição da libido.
Podem ainda aparecer arritmias cardíacas, pele úmida e quente, alteração nas unhas e nos dedos, alterações oculares e edema nos tornozelos. Outra alteração muito frequente é o bócio, ou seja, o aumento do volume da glândula tireóide. A causa mais comum de hipertiroidismo (cerca de 70% a 80%) é uma doença autoimune conhecida como bócio difuso tóxico ou doença de Graves. Pode acontecer em ambos os sexos, mas é mais frequente nas mulheres entre os 20 e os 40 anos. A tireóide pode sofrer aumento de volume (bócio) de modo evidente. Alguns doentes desenvolvem alterações oculares, conhecidas como oftalmopatia, que muitas vezes são visíveis devido à protusão dos globos oculares (exoftalmia, que pode ser unilateral), provocando uma alteração estética que incomoda o paciente. Pode provocar lacrimejamento, irritação local, vermelhidão, secura visual, conjuntivite e alterações da visão. A existência de um ou vários nódulos da tireóide, quando se tornam hiperfuncionantes (autônomos), é a segunda causa mais importante de hipertiroidismo. Estes nódulos produtores, em excesso, de hormônios tiroidianos, são conhecidos como nódulos quentes, nódulo tóxico (no caso de ser só um) ou bócio multinodular tóxico, se forem vários (Doença de Plummer).
Outras causas, menos frequentes, são as tiroidites linfocíticas e pós-parto que, devido à inflamação da tireóide, que se torna dolorosa, levam transitoriamente a um estado de hipertiroidismo. São, também, doenças autoimunes. A tiroidite pós-parto pode ocorrer alguns meses após o parto. As queixas podem ser arrastadas (meses) e frequentemente evoluem para hipotiroidismo, provocando fadiga e aumento de peso, devido à diminuição de hormônios tiroidianos na circulação. Toda gestante deve ser acompanhada e, se apresentar anticorpos tiroidianos presentes (anticorpo anti-TPO e anticorpo antitireoglobulina), deve ser seguida com mais cautela no pós-parto, pois principalmente o anti-TPO pode favorecer tiroidite pós-parto.
A tiroidite subaguda ou granulomatosa, de causa viral, provoca um bócio (aumento do volume da tireóide) doloroso. Neste caso, há também um hipertiroidismo transitório, pela inflamação. Entre outras causas menos frequentes, temos a ingestão de hormônios tiroidianos em fórmulas de emagrecimento ou de forma acidental, provocando hipertiroidismo, o qual chamamos nestes casos de tireotoxicose factícia.
Diante de uma suspeita clínica de hipertiroidismo, o diagnóstico deverá ser comprovado por exames laboratoriais. É necessário dosar os hormônios tiroidianos (T3 livre e T4 livre), que estão supostamente elevados, e o TSH, que é para estar diminuído ou suprimido. Aliás, esta pode ser a única alteração laboratorial num hipertiroidismo inicial. Outros exames poderão ser necessários, como dosar anticorpos tiroidianos, inclusive o TRAB (anticorpo anti-receptor de TSH), e de exames de imagem como a ultrassonografia ou a cintilografia da tireóide (para distinguir o bócio difuso tóxico do bócio nodular tóxico, por meio da captação tiroidiana do radiofármaco, Iodo 131 ou tecnécio 99).
O tratamento medicamentoso pode ser feito com medicamentos antiroidianos, que diminuem a quantidade de hormônios tiroidianos circulantes; são o metimazol e o propiltiouracil. Raramente têm efeitos colaterais, mas devem ser utilizados com precaução, monitoração e com apoio especializado, pois os efeitos colaterais têm riscos se não forem tratados rapidamente. As doses das medicações são muito variáveis, dependendo de cada caso clínico. Ainda pode ser necessário o uso de betabloqueadores para melhorar os sintomas em alguns casos.
A ablação com iodo radioativo permite destruir as células da tireóide, levando à diminuição da capacidade de produzir hormônios tiroidianos, conseguindo resolver a produção excessiva. É administrado por via oral, cai na circulação e é captado pela tireóide, que se encontra hiperativa e ávida pelo iodo.
Nas semanas seguintes, o iodo com radioatividade vai lesando lentamente as células da tireóide. Durante este período pode, ainda, ser necessário manter tratamento com medicamentos e acompanhamento médico. Em alguns casos, há necessidade de repetir, mais tarde, este tratamento. A tireóide, passados alguns meses ou anos, em grande parte das vezes fica com a sua função diminuída, situação conhecida como hipotiroidismo (hipotiroidismo pós-iodo). Nestes casos, de fácil controle, é necessário o tratamento com comprimidos de hormônios tiroidianos durante o resto da vida, pois a tireóide fica lesionada definitivamente.
Alguns doentes necessitam de tratamento cirúrgico que consiste na remoção de parte da glândula tiroidiana, no caso de nódulo tóxico, ou da sua totalidade, no caso de doença de Graves e de bócio multinodular tóxico. Nos casos de remoção total ou parcial, o doente evolui com hipotiroidismo, necessitando de tratamento com hormônios tiroidianos para toda a vida. A decisão sobre este tipo de terapêutica deve ser ponderada criteriosamente pelo endocrinologista e pelo cirurgião, que deverá ter experiência neste tipo de cirurgia (cirurgião de cabeça e pescoço, na maioria dos casos). Nos casos de tiroidites, quando não for a autoimune (Tiroidite de Hashimoto), o tratamento é apenas sintomático, podendo ser utilizados vários tipos de medicamentos como analgésicos e, eventualmente, até corticóides. Em todo o caso, em qualquer suspeita de hipertiroidismo, deve-se procurar um médico. Caso seja feito o diagnóstico, o tratamento deve ser feito preferencialmente por um endocrinologista.
Tatiana Camargo Pereira Abrão é endocrinologista e nutróloga, pós-graduada em Medicina do Esporte e Nutrologia Esportiva.