1 gole, 1 garfada, 1 viagem

A 51 dias da Copa do Mundo, descubra os boleiros bons de garfo da atualidade e do passado que também comiam a bola


Por MARCO MERGUIZZO

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Esse atacante é muito bom, "comeu" a bola no clássico. Foi um jogo cujo empate teve "gosto" (ou sabor) de derrota. Que "frango" o goleiro engoliu! Um tremendo "peru"! 

Quem já não ouviu na arquibancada ou vociferou diante da tevê algumas dessas expressões (ou todas elas) antes, durante ou depois de uma partida de futebol? Do território da cozinha para as quatro linhas do gramado, todas essas expressões que dão um "tempero" e "molho" especiais ao universo da bola, enriquecendo a gíria do mais apaixonante dos esportes (pelo menos para nós, brasileiros), tem como origem o universo da boa mesa.
 
A exatos 51 dias da Copa do Mundo de Futebol da Rússia, prepare a cerveja, os nervos e o estômago para torcer pelo Brasil e ouvir, quem sabe, algum narrador de tevê, internet ou de rádio usá-las em suas transmissões, durante os 31 dias do certame, entre 14 de junho e 15 de julho, esta última data, a da aguardada final, na qual, dedos cruzados, poderá estar em campo a amarelinha de Neymar & Cia. 

Salvo algumas poucas metáforas culinárias, como "zona do agrião", cunhada nos anos 70 pelo ex-técnico da Seleção Brasileira, o jornalista e radialista João Saldanha (1917-1990), para definir a grande área, ou "ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" do inesquecível e criativo narrador Osmar Santos - a maioria delas tem autoria desconhecida e foi gerada no tempo em que o radinho de pilha era o mais ágil e eficiente meio de comunicação do país e fazia o papel dos celulares conectados à rede mundial de computadores que hoje trazem informações e imagens on-time ao torcedor.

Como a comunicação high-tech do século 21, a nutrição esportiva também teve uma enorme evolução nas últimas décadas. Crucial na atual preparação dos atletas, muito boleiro por aí, no entanto, insiste em driblá-la. Jogador em atividade que vem logo à mente é o jogador Walter, hoje no CSA de Alagoas, que disputa a série B, mas que peregrinou por vários times da série A, como Goiás, Fluminense, Internacional e Paysandu e, até, pela Seleção Brasileira, desde sempre brigando e de mal com a balança.

Porém, não é de hoje que jogadores de silhueta rotunda entram em campo. Na história do futebol, há vários gordos que foram craques e, embora exagerassem no garfo, eram espetaculares com a bola nos pés.
 
Nos já longínquos anos 30 e 40, por exemplo, Palmeiras e Fluminense reverenciavam Romeu Peliciari, que foi titular da Seleção na Copa de 1938. Em pleno verão carioca, Romeu, que era careca e jogava de gorro na cabeça, vestia agasalho para perder o peso que ganhava nos restaurantes e botequins da então capital federal. Meia-armador, como se dizia antigamente, ou meia-de-ligação dos dias atuais, não errava um passe e tampouco perdia a macarronada de domingo. Vivia dizendo que não era gordo – tinha só uma "leve tendência" para engordar.


Genial em campo, Maradona consagrou-se no Napoli, onde empanturrava-se com as pizze e a boa culinária local - Arquivo Genial em campo, Maradona consagrou-se no Napoli, onde empanturrava-se com as pizze e a boa culinária local - Arquivo

Quando entrava em campo, o húngaro Ferenc Puskas (1927-2006), que papou uma série de títulos - como o de campeão espanhol, todos pelo Real Madrid (consecutivamente, de 1961 a 1965), da Europa (1959, 1960 e 1966), mais a taça de campeão olímpico, em 1952 -, ninguém dava nada por ele. Baixo e atarracado, o Esquerda de Ouro, como era chamado, jogava ao lado de Sándor Kocsis, dupla que as torcidas adversárias gozavam como "o gordo e o magro". Quando a bola colava nos pés de Puskas, porém, é que o bicho pegava. Com passes precisos, dribles curtos e secos e um chute primoroso de esquerda, o gordo húngaro é quem ria sempre por último.

Camisa 9 que fez a histórica dupla de ataque com Pelé no time dourado do Santos dos anos 60, Coutinho talvez nem esquentasse o banco na equipe do atual e ultraexigente técnico Jair Ventura, filho do azougue Jairzinho, o "Furacão da Copa de 70". Enquanto Pelé comia salada, Coutinho repetia a feijoada.
 
No começo, o mundo confundia os dois gênios. Quem é Pelé? Quem é Coutinho? Depois que Coutinho deu uma engordada, ficou fácil. O gordinho era Coutinho - o "gênio da pequena área" como era chamado. Bicampeão da Libertadores e do Mundo (1962 e 1963), ninguém jamais ousou chamá-lo de gorducho ou coisa que o valha, por motivos óbvios para quem o viu em campo. Depois de pendurar as chuteiras e já longe da bola, foi que afinou a cintura.

E Claudomiro Estrais Ferreira? Entre os anos 60 e 70, o centroavante rompedor do Internacional de Porto Alegre, cujo apelido era Bigorna por conta de seu corpanzil e vigor físico, reclamava que os uniformes estavam encolhendo. A torcida colorada, por sua vez, pegava no seu pé volta e meia pelas gordurinhas extras. O fato é que Claudomiro passava fome em Porto Alegre e, com raiva, descontava no Grêmio. Chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira, mas sua carreira foi encerrada prematuramente em 1979, aos 29 anos, devido às constantes brigas com a balança.

Neto, do Corinthians, hoje comentarista de futebol na tevê e que se dizia "boleiro e não atleta", além de Diego Armando Maradona e Ronaldo Nazário, o Fenômeno, dois dos melhores atacantes que vi jogar (obviamente no ápice de suas respectivas formas físicas) e que têm cadeira cativa na lista dos melhores de todos os tempos, também são titulares absolutos dessa seleção de craques alla Botero que sabiam tudo de bola.


Os craques Cristiano Ronaldo e Neymar: fora de forma? Só no traço do ilustrador colombiano Fulvio Obregon - Arquivo Os craques Cristiano Ronaldo e Neymar: fora de forma? Só no traço do ilustrador colombiano Fulvio Obregon - Arquivo

Influenciado talvez pelo compatriota famoso e premiado - o artista figurativista Fernando Botero Angulo -, o ilustrador e designer gráfico colombiano Fulvio Obregon criou uma série de ilustrações que retrata algumas das principais estrelas da Copa do Mundo em versões roliças e esféricas (veja na galeria de imagens, os magros e atléticos Neymar Jr. e Cristiano Ronaldo turbinados com vários quilos a mais pelo traço de Obregon). Ao lado de Lionel "E.T." Messi, a dupla  - desde sempre de bem com a balança - tem tudo para disputar o título de principal estrela do Mundial. 

Essa seleção magistral de craques bons de garfo, enfim, mais próximos da mesa do que dos aparelhos de ginástica, continua a encantar o torcedor e a desafiar a lógica do futebol e os paradigmas da preparação física moderna, que por vezes privilegia em demasia a correria em campo em detrimento do talento e da genialidade cada vez mais rara e difícil de se ver nas arenas e campos de futebol de hoje.      

Abaixo, uma receita para nenhum boleiro (gorducho) botar defeito e saborear sem culpas.  

FRANGO CAIPIRA A PASSARINHO NA BANHA DE PORCO COM QUIABO


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                                                                                                                                                                              INGREDIENTES
 
(Para 10 pessoas) 
3 kg de frango caipira cortado a passarinho grande. 1 concha rasa de banha de porco. 3 colheres (sobremesa) de sal. 1 colher (sopa) de vinagre tinto. 1 colher (chá) de pasta de pimenta dedo-de-moça. 1 colher (sopa) de alho picadinho. 1 colher de sopa rasa de colorau. 3 a 4 folhas de louro. Pimenta-do-reino a gosto. 2l de caldo de frango. 0,5g de açafrão. 1 colher (sopa) de maisena.

PREPARO


1) Tempere o frango com sal, vinagre, pimenta-do-reino, alho, pasta de pimenta, colorau, açafrão e louro. 2) Em uma panela, aqueça a banha e coloque o frango com os temperos. 3) Coloque um pouco de água no recipiente onde foi temperado e agregue na panela. 4) Tampe a panela e mantenha em fogo médio até que seu líquido se reduza e comece a frigir. 5) Comece a acrescentar aos pouquinhos, e em várias vezes, o caldo de frango. 6) Quando estiver 90% cozido, retire os pedaços mantendo o caldo na panela e coe. 7) Acrescente a maisena diluída em água. 8) Cubra o frango com o molho e sirva com quiabo refogado.

+ VÍDEOS
 
Assista ou reveja o famoso gol de cabeça do ex-camisa 9 da Seleção Brasileira e do Corinthians, o gorducho Ronaldo Nazário, em 8/3/2009, no qual ele derrubou o alambrado ao comemorar o tento contra o arquirrival Palmeiras, no estádio Paulo Constantino, o Prudentão, em Presidente Prudente, pelo Paulistão daquele ano. Na sequência, os gols de Maradona (o segundo do jogo marcado contra a Inglaterra na Copa do México de 1986, apontado como o mais antológico de sua carreira. Em tempo: o primeiro do craque argentino, neste mesmo jogo, foi irregular feito com a mão, ou "la mano de Dios", mas o árbitro da partida não viu) e de Coutinho pelo Santos e pela Seleção Brasileira. 















(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.