1 gole, 1 garfada, 1 viagem

Ao lado de lareiras, edredons e um bom vinho, a fondue é pedida certa para estes dias gelados de outono com cara de inverno


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Com previsão de os termômetros baterem em temperaturas próximas aos 10ºC, o final de semana em Sorocaba e para toda a região promete aquele friozinho gostoso que pede acender a lareira, ler um bom livro embaixo do edredom ou, quem sabe, reunir os amigos para abrir uma garrafa de vinho e saborear uma fondue. E aí? Gostou desta última dica?

Juntas, por sinal, fondue e frio são palavras que soam como um feitiço para os ouvidos, acendendo o paladar e aquecendo o espírito. Antes de tudo, porém, que fique claro: fondue é um termo feminino derivado do verbo francês fondre, que significa algo como "pasta derretida". Portanto, o correto é dizer a fondue - e não o fondue, ok?

Especialidade de inverno - ou mesmo nestes dias gelados de outono - apreciada na estação mais fria do ano em várias cidades do país, como Campos do Jordão e Gramado, onde costuma brilhar nos menus - a fondue é um prato suíço inventado na Idade Média, e cuja fama internacional começou a borbulhar a partir da segunda década do século 20, logo após o fim da 1a. Grande Guerra Mundial.

Curiosamente, como inúmeras outras glórias da gastronomia, o prato nasceu da necessidade. Os suíços, então, já eram exímios produtores de laticínios de qualidade - que inclusive exportavam às nações vizinhas. Uma nevasca terrível, porém, isolou completamente um determinado ponto do país, ao redor de Neuchátel.


Do gado pardo suíço, uma das mais famosas raças leiteiras do mundo, provém a matéria-prima da fondue original - Arquivo Do gado pardo suíço, uma das mais famosas raças leiteiras do mundo, provém a matéria-prima da fondue original - Arquivo

Surpreendidos com uma super-produção de queijos que não podiam vender, os produtores locais tiveram uma grande ideia: derreteriam o excesso, à espera de uma nova temporada - e, para melhor conservar a massa, no seu recozimento, acrescentariam alguma espécie de álcool, vinho e/ou aguardente, no caso o kirsch, o delicioso destilado de cerejas típico do lugar.

Depois de reendurecida pelo frio, a massa não mais correria o risco de se estragar. Para reutilizá-la, bastaria ressubmetê-la ao processo de fusão. No teste inaugural do conceito os produtores utilizaram um enorme caldeirão. Obviamente, experimentaram diversas vezes a textura e o sabor da massa enriquecida pelo kirsch. Um cidadão mais engenhoso, então, espetou um naco de pão na ponta de uma haste qualquer, que mergulhou no caldeirão e... Voilà! Aleluia! Acabara de nascer o prato nacional da Suíça.

Prega a tradição da fondue que o seu fazedor tem o direito de raspar o derradeiro naco de pão nas paredes do recipiente da operação. Pede uma outra lenda, também, que pague as despesas quem derrubar o seu naco dentro da panela. No caso, idealmente, um craquelon, um apetrecho de cerâmica vitrificada que vai à mesa sobre uma espiriteira.

Com o tempo, toda essa gigantesca operação perderia o caráter de conservação para se tornar uma celebração comunitária, ritualística, um encontro festivo para brindar os prazeres provenientes da amizade e da convivência cordial.

FONDUE DE QUEIJOS, BOURGUIGNONNE E OUTRAS VARIAÇÕES


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Do conceito da fondue de queijos surgiram muitos filhotes e muitas vertentes. Cada cantão da Suíça, aliás, apresenta uma fórmula diferente. A raclete, por exemplo, é feita com queijos derretidos típicos de Valais, cantão a oeste dos Alpes. O nome é diminutivo de racle, que, por sua vez, deriva do verbo francês racler, que significa raspar.

Esta receita também teria surgido casualmente. Um mineiro da região adormeceu, esquecendo uma bola de queijo próxima à lareira. Acordou com o perfume do queijo derretido, o que o fez despertar – e, claro, seu apetite. Ao raspar a parte derretida do queijo, completou a refeição com batatas cozidas, deliciando-se com a combinação que acabara de descobrir.

Nos dias atuais, as fatias de queijo são aquecidas até derreterem em pequenas frigideiras individuais. Depois disso são servidas em um prato aquecido com cebolas e pepinos em conserva e batatas cozidas com casca. Esse ritual é repetido saborosamente tantas vezes quantas forem necessárias, até os ávidos comensais ficarem satisfeitos.

Outros povos também exibem em suas culinárias receitas equivalentes à fondue dos suíços. No extremo Oriente é conhecida a fondue chinesa, originalmente preparada com carne de carneiro e hoje em dia também com carne de boi ou de porco, tendo como acompanhamento legumes frescos.

No Vietnã, a versão local é um prato tradicionalmente servido em grandes festas. Paralelamente, o tempo também se encarregou de inventar a fondue de carne ou fondue bourguignonne - que não nasceu na Borgonha, nem na França, e não passa de uma reinterpretação europeia do clássico costume oriental: o cozimento da carne, sempre numa celebração comunitária, à mesa, numa caçarola cheia de caldo e de vegetais.

Na bourguignonne, em vez do caldo se utiliza o óleo, preferivelmente de milho ou de amendoim, e se fritam cubos de alcatra ou de filé mignon, depois banhados em molhos múltiplos. O tempo, ainda, cuidou de fabricar a fondue de camarões, no óleo, e a fondue de chocolate – onde se mergulham frutas inteiras, como uvas e morangos, ou em pedaços, caso de maçãs e peras.

São, enfim, variações de um mesmo tema. Mas todas feitas para serem saboreadas em grupo, ao lado da lareira, num irresistível convite à boa prosa com os amigos e cercadas pela atmosfera de convivência fraterna que alimenta o coração e incendeia a alma. Fondue, afinal, mais do que um prato de inverno é um estado de espírito.

+ RECEITAS

FONDUE DE QUEIJOS

(Para 4 pessoas)


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INGREDIENTES 

6 colheres, de chá, de Maisena. 6 cálices de kirsch, ou aguardente à base de cerejas. 1 dente de alho, cortado ao meio. 1/2 xícara, de chá, de vinho branco, bem seco. 600g de queijo do tipo ementhaler, raladinho. 600g de queijo do tipo gruyère, idem. Noz moscada. Pimenta-do-reino, moída no momento. Cubos de pão francês, 3cm de lado.

PREPARO 

1) Dissolva a Maisena no kirsch. 2) Esfregue o alho, vigorosamente, nas paredes internas e no fundo do apetrecho de preparar fondue. 3) Coloque o vinho e os queijos. 4) Leve ao fogo lentíssimo, mexendo e remexendo, sem parar, com uma colher de madeira. 5) No instante em que os queijos se mostrarem homogeneamente derretidos e combinados, agregue a maisena e o kirsch. 6) Misture, remisture e tempere com pimenta-do-reino e noz moscada. 7) Leve o apetrecho à mesa, sobre uma espiriteira que mantenha o calor. E atenção: cada comensal deve espetar um dos cubos de pão no garfinho adequado, mergulhá-lo na fondue e leva-lo à boca com o máximo de cuidado, para não se queimar.

FONDUE BOURGUIGNONNE
(Para 4 pessoas)


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INGREDIENTES

1kg de filet mignon, cortado em cubos de 2cm de lado. Sal. Pimenta-do-reino. Óleo de milho ou de amendoim. Molhos vários, do mais suave ao mais picante, da maionese à mostarda vigorosa, do catchup ao vinagrete, a seu gosto.

PREPARO 

1) Aqueça e leve o apetrecho à mesa sobre uma espiriteira que mantenha o calor. 2) Cada comensal deve espetar um dos cubos de carne no seu respectivo garfinho e fritá-lo no óleo, mergulha-os no molho à sua escolha e os saboreia.

FONDUE DE CHOCOLATE E FRUTAS
(Para 4 pessoas) 
 


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INGREDIENTES 

500g de chocolate amargo, em barra. 1/2 xícara, de chá, de conhaque. 1/2 xícara, de chá, de licor de cacau. 1/2 xícara, de chá, de leite. Açúcar, a gosto. Morangos, uvas sem caroços e outras frutas cortadas em cubos de 2cm de lado.

PREPARO

1) Derreta o chocolate em banho-maria. 2) Misture ao conhaque, ao licor de cacau e ao leite. 3) Adoce a gosto. 4) Despeje a calda no apetrecho apropriado e leve-o à mesa sobre uma espiriteira que mantenha o calor. 5) Espete um dos morangos ou um dos pedaços das outras frutas no seu garfinho apropriado e mergulhe-os na calda de modo a produzir uma espécie de bombom.

O VINHO CERTO

DE QUEIJOS


Um branco frutado, aromático, de preferência proveniente da Suíça. Como é difícil encontrar rótulos dessa nacionalidade por aqui, são ótimas alternativas os varietais brancos alemães feitos com as uvas Riesling e Gewurstraminer, o Tokay da região francesa da Alsácia e o Sauvignon Blanc do Loire. 

BOURGUIGNONNE

São dicas certeiras: um Bordeaux jovem, os italianos Bardolino e Valpolicella e todos os tintos mais ligeiros (sem passagem por madeira) de bons produtores naionais, argentinos e chilenos. Um rosé da região da Provence ou mesmo um espumante brut rosé brasileiro são grandes pedidas e os meus preferidos. 

CHOCOLATE

Os vinhos de sobremesa bem doces e com acidez alta podem resolver esta sempre difícil harmonização, já que o chocolate ao leite é o mais usado na receita. Anote estas sugestões do blog que são perfeitas: Banyuls (francês), Porto 20 anos ou Porto Vintage, de Portugal, ou Jerez Amontillado, elaborado na região espanhola de Jerez de La Frontera.


(*) MARCO MERGUIZZO é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.