Antes que me esqueça

Blog 'Antes que me esqueça' homenageia Alberto Dines


Rubens Nogueira
blog 'Antes que me esqueça'
 
Ele foi dos maiores profissionais de comunicação em um País que sempre contou com grandes jornalistas. Conheci-o bem jovem, bonito, educado, nas núpcias, com sua primeira esposa, mãe de seus quatro filhos, Ester Rosaly sobrinha de Adolfo Bloch, aluna de Maria Luiza no Colégio Bennett.

Ele viveu focado na profissão – trabalhou em muitos diários, revistas, na televisão e no magistério. Escreveu a biografia de Stefan Zweig.

Escreveu e falou muito, com muita coragem, muita audácia. Agora que se recolheu ao silêncio eterno, seus chefes, colegas, admiradores falam por ele. O Jornal do Brasil, por exemplo, dedicou-lhe, onde trabalhou de 1962 a 1973, um caderno e a página editorial. Nesse jornal, por mais de dez anos, Dines foi o responsável por mudanças estruturais, alçando o secular cotidiano a um patamar de modernidade que levou toda a mídia impressa brasileira a acompanhar a "revolução Dines".

Ficou célebre, na noite do Ato 5, em 1968, em que, driblando a censura, publicou na primeira página, em um quadrado dedicado à previsão do tempo:

"Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos ..."

Artigo

As bochechas do Brasil

Arnaldo Bloch ([email protected])

Eu mal sabia falar, quanto mais ler e escrever, quando vi, pela primeira vez, aquele homem se curvar em minha direção com um sorriso terno e bondoso. Na intuição de criança, esperei um afago, ou uma dessas troças ruidosas que os adultos fazem com os pequenos. Em vez disso, ele aproximou as mãos do meu rosto, abriu os polegares e indicadores em gancho e aplicou, com vontade, em minhas bochechas, um beliscão duplo tão doloroso que as luzes do salão se apagaram e o burburinho da festa familiar silenciou.

Na época casado com a irmã de meu pai, Rosaly, com quem teve seus quatro filhos, aquele era o tio Dines. Corria o final dos anos 1960 e a famosa previsão do tempo, cifrada, no dia seguinte à promulgação do AI-5, já fazia parte da história recente da resistência à ditadura. Entre os vários sobrinhos, contudo, era sua reputação de apertador em série de bochechas que se espalhava. A gente agora já associava o nome à mania. Era só o tio Dines chegar sorrindo que a turma saía em debandada.

Era jornalista de raiz, e que jornalista! Com que gana saía o Dines a beliscar as bochechas do establishment, em textos, decisões editoriais, reformas, redesenhos, cartas e livros suntuosos, como "Morte no paraíso", biografia romanesca de Stefan Zweig.

Mas sem nunca apagar do rosto o sorriso que, à medida que o tempo corria, acrescido de óculos e cachos grisalhos fartos, parecia mais amável e compreensivo. Não era só um disfarce. Não era de fachada. Era o mesmo sorriso que acompanhava seu fino intelecto, seu amor pela arte, seu gosto pela História e seu apetite pela contextualização. Sem o Dines, ficam órfãs as bochechas do Brasil — teimosas em não amadurecer —, de uma dor necessária, fundamental.

ISABEL LUSTOSA

Historiadora

"A essa altura da vida, era capaz do sentimento de indignação genuíno, vivo e vibrante".

JOSÉ ROBERTO ARRUDA

"Rigor na apuração"

WILSON FIGUEIREDO

Trabalhou com Dines no JB de 1963 a 1973

"Um organizador"

JANIO DE FREITAS

Antecedeu Dines no JB, de 1959 a 1962

"Outra dimensão"

Obituário

Alberto Dines, aos 86 anos

O jornalista, que enfrentou com coragem e criatividade a censura na ditadura militar, morreu em São Paulo.

Depoimentos

Florestan Fernandes Junior, jornalista

"Tive a honra de ser amigo e parceiro de Dines no Observatório da Imprensa e também no projeto Histórias do Poder, uma série para a TV que virou livro e ganhou o prêmio Jabuti como melhor projeto gráfico. Perdi hoje não apenas um amigo querido, mas um mestre que muito me ensinou. Suas pautas eram verdadeiros tratados de economia, política e cultura".

Juca Kfouri, jornalista

"Sempre o chamei de Albertinho e fiz questão de não tratá-lo com a reverência que merecia dos mais jovens. Ficam a dor da perda de tão longe, o carinho e a saudade, para sempre".

Ivana Bentes, professora e pesquisadora

"Adeus, Alberto Dines! Das últimas gerações dos "velhos homens de imprensa" com uma cabeça jovem ... "

Emília Ferraz, editora-executiva do "Sem Censura"

"Trabalhar e conviver com Dines durante 15 anos no "Observatório da Imprensa" foi o melhor presente que já recebi como profissional. Alberto Dines era uma referência em jornalismo, qualquer conversa eu recebia uma aula de história".

Frases

"A sociedade que aceita qualquer jornalismo não merece jornalismo melhor"

"Todo jornalismo é investigativo, ou não é jornalismo"

Fontes – Jornal do Brasil e O Globo – edições de 23-05-18.