1 gole, 1 garfada, 1 viagem

Bife a cavalo ou à cavalo? Veja as mancadas dos menus e a origem e segredinhos deste hit do nosso dia a dia


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Para quem é bom de garfo, grupo no qual este blogueiro se inclui, desfrutar de um bom restaurante é na maioria das vezes um grande prazer. A comida e o vinho estavam ótimos, o atendimento camarada, a conta cabia no bolso mas, huumm... os erros de sintaxe e ortografia do cardápio eram de dar engulhos!
 
Gafes bastante comuns cometidas pelos restaurantes, incluindo aqueles endereços supostamente mais "chiques e sofisticados", por incrível que pareça, quem nunca encontrou por aí esse tipo de mancada nos menus?

Nessa seleção de pratos, digamos, indigesta há de tudo um pouco: desde a negligente desatenção do proprietário na hora de promover uma boa revisão do cardápio até o total desconhecimento das regras mais elementares da língua portuguesa, o que por vezes pode até arranhar e comprometer a boa imagem e reputação da casa.

Da "lista negra" de equívocos que costuma estampar os menus - e para ficar em um só exemplo -, o mau uso da crase é, sem dúvida, um dos carros-chefes. Na maioria dos pratos está subentendida a expressão "à moda de" que é sinônimo de "ao estilo de". Nestes casos, o acento da crase é obrigatório como "bife à milanesa" (= à moda de Milão, famosa cidade italiana), "filé à francesa" (= à moda da França), "tutu à mineira" (= à moda de Minas Gerais), "churrasco à gaúcha" (= à moda do Rio Grande do Sul), "arroz à grega" (= à moda da Grécia) e assim por diante.

Tal regra também se aplica antes de palavras masculinas. Um "churrasco à Osvaldo Aranha" que significa um churrasco "à moda do diplomata Osvaldo Aranha" ou "ao estilo do ex-ministro de Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha". Há, ainda, os casos que geram mais dúvidas nas pessoas: "filé a cavalo" ou "à cavalo"? "Frango a passarinho" ou "à passarinho"?
 
Em ambos não está subentendida essa expressão: não é "à" moda do cavalo (mesmo que o equino fosse de raça ou o prato viesse à mesa a galope) ou uma referência à "porção que o passarinho come" mas, sim, como o frango é cortado, em pequenos pedaços "como se fosse um passarinho". Logo, não há a crase, apenas a preposição nestes dois exemplos, ok?


Erro comum em menus de restaurante, jamais há crase na expressão Erro comum em menus de restaurante, jamais há crase na expressão "bife a cavalo" - mesmo que o equino seja de raça - Arquivo

BIFE A CAVALO: UM CLÁSSICO POPULAR DA MESA DO BRASILEIRO
 
Grafado corretamente sem a crase, portanto, o bife a cavalo é ao lado do arroz com feijão, da pizza e da macarronada de domingo um dos queridinhos à mesa, uma preferência nacional. Além de gostoso, fácil e rápido de preparar, este ícone da culinária popular brasileira costuma agradar a gregos e troianos.
 
Apreciado desde os tempos da colonização, em que o país tinha um perfil mais rural, também é chamado de PF - o popular prato feito. Ao lado do bife frito na chapa costuma escoltá-lo o arroz soltinho e o feijão bem temperado, batatas e ovos fritos, farofa e saladinha básica de alface e tomate. 

A origem do prato, como muitas das nossas tradições e hábitos à mesa, vem dos colonizadores portugueses. Mais precisamente da região de Estremadura, localizada na região centro-oeste do país, que consagrou o "bife com ovos a cavalo" e o "bife de cebolada".

O livro "A Arte da Cozinha", de Domingos Rodrigues, de 1680, registrou pela primeira vez a iguaria, que é saboreada na Terrinha desde a Idade Média: "Tomarão um lombo (filet mignon) e o farão em talhadas muito delgadas e as frigirão em toucinho, meio fritas (ao ponto) e depois botarão pimenta, uma pequena colher de farinha torrada, quatro gemas de ovo, de sorte que engrosse o caldo, o qual há de ser duas colheres. Vai à mesa sobre fatias."

A palavra bife, no entanto, segundo a obra "The Oxford Companion To Food", deriva do termo anglo-normando "beefsteak" e significa literalmente bife de carne bovina. De acordo com a publicação, os steaks ingleses teriam surgido só um século depois dos seus antecessores lusitanos, na primeira metade do XVI, e antes portanto do descobrimento do Brasil.

OS CORTES IDEAIS



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Vários cortes se prestam ao preparo do bife. Como o gosto do brasileiro pelas carnes ao ponto recai quase sempre sobre os pedaços mais macios, o filé mignon é o mais utilizado e também o mais recomendado pelos livros de culinária. Porém, a alcatra, o contrafilé e a fraldinha são os preferidos de churrasqueiros e chefs mais experientes por apresentarem sabor marcante. Tão importante quanto a escolha das carnes é a forma de preparo, de execução relativamente simples.

CARNE DE PRIMEIRA OU DE SEGUNDA?

Nos açougues do país é hábito até hoje classificar as carnes em "de primeira" e "de segunda". "Puro equívoco: não há carne de primeira ou segunda", assegura o expert em carnes István Wessel, de São Paulo. Historicamente, essa questão coincide com o surgimento da haute cuisine europeia, no início do século XIX. À época, a carne que se prestava ao bife era de primeira, as demais, simplesmente "de segunda", ou melhor, seriam cortes "menos nobres", que iam à panela, para servir de base a caldos, consommés ou cozidos. "Embora menos macios, tais cortes são em contrapartida muito mais saborosos", diz o especialista. "Cada carne tem predicados próprios. Um bom cozinheiro saberá identicar e extrair o melhor de cada corte", conclui. 

NO PONTO CERTO


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Uma vez escolhido o corte, deve-se fritar a carne numa frigideira ou chapa muito quentes, de modo que os dois lados fiquem selados (o objetivo é preservar a suculência e o seu precioso suco) e seu interior, preferencialmente rosado. Claro, o ponto sempre depende do gosto individual. Para isso, convém salgar a carne instantes antes de fritar (é recomendável até três minutos para não desidratá-la). Sobre cada fatia, moa na hora um pouco de pimenta-do-reino, se preferir.

CHAPA QUENTE: DICAS PARA FRITAR O BIFE

 
É fundamental uma boa frigideira. Embora as modernas antiaderentes sejam as preferidas, as de ferro fundido, mais pesadas, costumam ser mais indicadas, pois atingem mais rapidamente as temperaturas mais altas, mantêm o calor e, melhor, emprestam à carne um sabor todo especial.

Seja como for, aqueça bem a frigideira, unte-a com um pouco de óleo de milho ou de canola, ou ainda manteiga e óleo, meio a meio. Esta combinação é importante. Manteiga sozinha queima, o que não ocorre quando a misturamos ao óleo.

Coloque no máximo dois bifes por vez na frigideira, em fogo alto (ou 2/3 da superfície da chapa). Não é necessário furar a carne para salgá-la. O tempero penetra apenas com a movimentação dos sucos. Tostando um lado, vire. Faça o mesmo no outro e deixe fritar até que esteja no ponto desejado.

A dica para verificar se o bife está no ponto é observar o líquido que costuma brotar dele. Quando este suco sai, é porque ele já está no ponto. Outro segredinho é apertar a carne com as costas de um garfo. Quanto mais elástica, mais malpassada. Quanto mais firme, mais bem passada. Esse macete depende, claro, do tipo de carne. Como referência, saiba que um bife de 150 gramas e 1 cm de espessura leva cerca de 4 minutos para chegar ao ponto.
 
Confira, abaixo, uma versão "diferentona" e moderninha da receita clássica. Para quem curte cozinhar, vale lembrar que clássicos são sempre clássicos e, portanto, imutáveis. Porém devem servir de parâmetro e fonte permanente de inspiração para se criar coisas novas e inventivas.  

BIFE A CAVALO COM OVOS DE CODORNA E ARROZ SETE GRÃOS
(2 porções)
 
INGREDIENTES 

2 medalhões de 160 g abertos ao meio, tipo borboleta. 80 g de batatas-aperitivo cozidas. 120 g de arroz sete grãos. 4 ovos de codorna. 2 galhos de alecrim fresco. 50 ml de óleo de milho ou canola. 10 g de salsinha picada. 4 galos de ciboulette. 30 g de manteiga sem sal. Sal e pimenta-do-reino a gosto.

PREPARO

1)Tempere os bifes com sal e pimenta. 2) Aqueça o óleo e frite os dois lados dos medalhões (para selar a carne) até atingir o ponto desejado. 3) Em outra frigideira, coloque duas colheres de óleo e frite separadamente os ovos. 4) Numa terceira, aqueça a manteiga e salteie as batatas cortadas em dois e, no final, acrescente o alecrim. 5) Para montar o prato, coloque os ovos sobre cada borboleta do medalhão e acrescente dois galhos de ciboulette. Ao lado, disponha as batatas com o alecrim e o arroz sete grãos com salsinha picadinha por cima.

+ DICAS



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1) Para temperar a carne, use sal grosso moído, instantes antes de fritar, para não desidratá-la. 2) Moa na hora a pimenta-do-reino, pois é bem mais gostoso. 3) Faça o arroz antes. Na hora de servir, basta aquecê-lo em banho-maria. 4) Sirva a carne assim que estiver pronta, para garantir sua suculência e sabor.


(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook