1 gole, 1 garfada, 1 viagem

Na Copa das melhores vodcas do mundo, a Rússia disputa com a Polônia e outros países o título de campeã no copo


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Contagem regressiva: a exatos seis dias da Copa do Mundo, a Rússa se não é uma das favoritas a ganhar a Mundial - cujo jogo de abertura acontece às 12h da quinta-feira, 14, na moderna arena Luzhniki, em Moscou,  entre o país anfitrião e a Arábia Saudita - é uma das potências no território dos destilados. Mais especificamente no universo da vodka ou vodca, grafada com "cê" no lugar do "ka", na forma aportuguesada. 

Com uma produção notável, seja em volume, seja na elaboração de rótulos premium de alta qualidade, o país do balé Bolshoi, dos fundadores do finado regime comunista de Lenin e Stalin, do goleiro Yashin, o "Aranha Negra", que brilhou na Copa de 1958 e nos anos 50, e do atual presidente Vladimir Putin ocupa as mais altas posições no ranking de qualidade da bebida, cujo nome de batismo significa "água".

Não por acaso, os russos sejam um dos povos que mais bebem o destilado no mundo, ocupando a quarta posição de consumo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OIV), com 15 litros per capita.

Hoje globalizada e amplamente consumida no mundo todo, a vodca fez a fama da Rússia planeta afora ao lado de outra joia gastronômica local: o caviar. Bastante apreciado entre os gourmets, o beluga russo é tido como o mais nobre e caro dos caviares, verdadeira iguaria que nada mais é do que as ovas do esturjão-beluga ou branco, peixe que habita as águas geladas dos mares Negro e Cáspio, que banham aquele país. Juntos fazem uma das mais apreciadas harmonizações à mesa.


Uma dupla de ataque matadora e imbatível à mesa: vodca e caviar - russos, claro! - Arquivo Uma dupla de ataque matadora e imbatível à mesa: vodca e caviar - russos, claro! - Arquivo

"A vodca é pura como uma lágrima", diz, com certa dose de conhecimento técnico e poesia, um velho ditado russo. Elaborado no país desde o século XII, a bebida se diferencia pela pureza, aroma e paladar originalmente neutro e, ainda, por ostentar uma das mais altas e graduações alcoólicas dentre seus pares, em torno de 40% - um petardo inodoro e incolor, quase invisível e silencioso, revelado minutos após o primeiro gole.

Os ingredientes empregados em sua fórmula – grãos como o trigo, o centeio, o milho ou ainda tubérculos como a batata –, mais o tipo de destilação e de filtragem formam o tripé que determina a qualidade, o sabor e o valor dessas joias engarrafadas.

RÚSSIA E POLÔNIA DISPUTAM A PRIMAZIA DA INVENÇÃO DA VODCA

Embora sejam elaboradas hoje em quase todas as regiões do mundo, a vodca nasceu no Leste europeu, que até hoje mantém-se como um de seus maiores produtores e consumidores. Há tempos, as vizinhas Rússia e Polônia disputam entre si a primazia da invenção do destilado. Discussão inglória.

Desde que um alquimista anônimo criou o alambique em algum lugar do Oriente, cada país destila um cereal, uma fruta ou uma erva para fazer uma bebida típica. Caso, além da vodca, do conhaque. Do uísque. Ou mesmo da nossa cachaça, hoje cada vez mais gourmet.

Nas últimas décadas, ao lado daqueles dois tradicionais países produtores, Suécia, Finlândia, Estônia, Lituânia, França, Estados Unidos e Canadá tem despontado no chamado Novo Mundo do destilado. Cultuado pelos povos eslavos, até hoje, nas aldeias do sul da Ucrânia, a palavra "okovita" é usada para designar o apreciado líquido.

É fácil ver nela a raiz romana do termo aqua vita, que, em bom português, significa "água da vida". Já nas demais regiões eslavas, vodka é um diminutivo do vocábulo voda (água), elemento crucial que representa 60% na composição da bebida.

OS ESTILOS E ENCANTOS DE CADA TIPO
 
No geral, as vodcas russas mais apreciadas são elaboradas a partir do centeio ou do trigo e provêm da Ucrânia ou da Bielorussia. Marcantes, não apresentam a suavidade e o sabor adocicado das polonesas. Deixam na boca a sensação de uma leve queimação devido à presença de quantidades mínimas de "fuse oils", termo que designa variados compostos indesejáveis que em geral são removidos na filtragem do líquido. Mas tais substâncias gordurosas não são de todo ruim, pois dão à bebida, em uma quantidade equilibrada, um paladar levemente untuoso. 

De fama planetária, as igualmente apreciadas vodcas polonesas também primam por sua tradicional qualidade. Elaboradas a partir de grãos especiais, em geral, o trigo, e de batatas. Mas diferentemente das marcas russas, as polacas apresentam um paladar mais macio, oleoso e adocicado. Melhor: seu aftertaste é em geral mais prolongado.

Toda a tradição e o estilo dessas duas escolas acabaram por inspirar uma classificação da bebida em quatro categorias, hoje consolidadas e hierarquizadas em standard, superior, premium e superpremium (ou ultrapremium).
 

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MÉTODOS DE PRODUÇÃO E OS RÓTULOS CAMPEÕES
 
Espécie de Ferrari das vodcas, os rótulos superpremium exibem aromas e sabores requintados – distantes, portanto, da imagem e do paladar recorrentes de bebida inodora e insípida dos rótulos mais conhecidos da maioria dos consumidores. Sua produção especialíssima inclui, entre outras exigências, o uso de uma única matéria-prima, em geral, o trigo, que origina vodcas mais macias. Também difere o seu processo de destilação, além dos mecanismos de filtragem, mais complexos. 

No pelotão de elite das ultrapremium, a polonesa Belvedere, uma das primeiras vodcas de luxo lançadas no mercado mundial e escorada em uma tradição de mais de 600 anos, é produzida a partir do centeio dourado Dankowskie, cujos grãos são provenientes exclusivamente da região da Mazovia. Em seu elegante rótulo está estampada a residência oficial da presidência da Polônia, sua marca registrada.

A Belvedere Pure, elaborada em pequenos lotes, passa por cinco processos de destilação, o que lhe confere um caráter único. Os destiladores contínuos, usados em seu processo de produção, oferecem melhor controle de temperatura e obtenção de altos níveis de pureza e sabor. O resultado é uma bebida refinada, de paladar abaunilhado e cremoso e de extrema suavidade.

Distribuída pela Moët Henessy, a Belvedere também é vendida nas versões Cytrus (limão), Pomarancza (tangerina), nas quais o destilado é flavorizado - e não aromatizado -, ou seja, a bebida é macerada com frutas e novamente redestilada. Outro rótulo do grupo LVMH, que controla a marca, é a exclusiva Belvedere Silver, uma tetra destilada comercializada em edição limitada.

Na seleta galeria de vodcas de luxo também brilha a Absolut Level, do grupo sueco Vin & Spirit (V&S). Classificada como superpremium extraclasse, sua matéria-prima principal - o trigo - provém de grandes propriedades da região de Ahus. Após germinarem no outono, os grãos "hibernam" durante a estação mais fria do ano para, em seguida, serem colhidos na primavera.

Com isso, além de ficarem livres de pragas e fungos, há uma grande concentração de amido em seu interior. A reserva extra desse componente converte-se em açúcar e, consequentemente, em álcool, de paladar aveludado.

MATÉRIA-PRIMA DE QUALIDADE E CONTROLE ABSOLUTO DA PRODUÇÃO



Ingrediente basilar de uma boa vodca, a água é um dos trunfos dos rótulos premium e ultrapremium  - Arquivo Ingrediente basilar de uma boa vodca, a água é um dos trunfos dos rótulos premium e ultrapremium - Arquivo

A alta qualidade da água é outro trunfo da Absolut Level. Proveniente de lençóis freáticos glaciares, ela ostenta alto grau de pureza e baixíssimos índices de ferro e outros minerais. Mesmo assim, o líquido passa por um rigoroso processo de purificação para a retirada dos metais pesados.

Produzida em pequenos lotes, a Absolut é elaborada a partir de destilação contínua, denominado pot still (o mosto é redestilado mais de 100 vezes em colunas de cobre), emprestando a esta premium sueca personalidade, leveza e um caráter peculiar, com notas aromáticas e gustativas herbáceas e de frutas amarelas como pêssego e damasco.

A vodca francesa Cîroc e a americana Skyy também se destacam na categoria das superpremium. De produção controlada, a primeira é elaborada pela gigante Diageo, a partir de uvas especialmente cultivadas em grandes altitudes, na região de Gaillac, sudoeste gaulês. Redestilada por cinco vezes, ela apresenta paladar instigantemente complexo, com múltiplas notas cítricas.

Segunda vodca mais consumida dos Estados Unidos e a preferida das estrelas e outras figurinhas de Hollywood como Bruce "Duro de Matar" Willys, a Skyy, produzida pelo grupo Campari, é elaborada a partir de vários cereais, com predominância de milho. Ao ser redestilada por quatro vezes e passar por três fases de filtragem, ela ganha aromas sutis e um sabor de álcool limpo, redondo e, como toda vodca de estirpe, sem "queimar" a garganta, o que a torna delicadamente classuda.

Conclusão: na Copa do Mundo das vodcas, a Rússia rivaliza na disputa de melhor bebida com "adversários" antigos, como a Polônia, e emergentes como Estados Unidos, Suécia e França, difíceis de vencer na copo em matéria de qualidade superior. O certo mesmo é desfrutar das características de cada um desses estilos e dar uma taça para cada um desses países. ¿¿¿¿¿¿¿¿! (Saúde!, em russo).

DICAS DO BONS GOLES


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ABSOLUT LEVEL 

Origem: sueca
Fabricante: Vin& Spirit (V&S)
Graduação alcoólica: 40%
Preço: R$ 250
www.absolut.com

CÎROC

Origem: francesa
Fabricante: Diageo (região de Gaillac)
Graduação alcoólica: 40%
Preço: R$ 145 
www.diageo.com

BELVEDERE SILVER


Origem: polonesa
Fabricante: Zyardow (distribuída pela Moët Henessy, do grupo francês LVMH)
Graduação alcoólica: 40%
Preço: R$ 240 
www.belvederevodka.com

SKYY

Origem: americana
Fabricante: Skyy Spirits (San Francisco, Califórnia)
Graduação alcoólica: 40%
Preço: R$ 45
www.skyy.com
 

(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.