Blog do Simões

Nada justifica o teatro mal feito


Nada justifica o teatro mal feito

O teatro é a arte do encontro. Nele você (e outros que escolheram aquele espetáculo) formam o público. Contudo, esta ação coletiva que acontece, no aqui e agora, afeta modo único você espectador. O teatro é assim. Algo único e coletivo ao mesmo tempo. Em tempos de produções em massa a arte (artesanal) teatral segue na contracorrente. 

Houve um tempo, quando estudava o teatro espanhol, que eu me apaixonei pela proposta do “mundo como teatro” e naquela época (nos idos dos anos 80) me deparei com o auto sacramental – O Grande Teatro do Mundo -  de Calderon de La Barca, cujo enredo é o seguinte: Deus como autor onipotente convoca o Mundo como diretor de cena. Os Espíritos serão os atores: o Pobre, o Rico, a Beleza, a Religião, o Rei e o Lavrador. Aqueles que forem bem-sucedidos, na hora da morte, saberão se ganharão ou não o paraíso. Simples assim. Mesmo o teatro não sendo mais o concebido como “o mundo como teatro”, distante do naturalismo e da "mimese" aristotélica, sigo marcado pela ideia que na cena/palco  vejo o “mundo”. Não a cópia do mundo (como bem afirma Anne Ubersfeld). Mas um "mundo" criado pelos artistas e nele mergulho.

Assim, cada vez que vou ao teatro eu me pergunto: porque os artistas escolheram este texto e não outro?  Que “mundo” querem que eu (e todos que escolheram ir àquele espetáculo) compartilhe ou me relacione? Qual é a minha surpresa? Muitas vezes saio do teatro com a impressão que os artistas não querem jogar, compartilhar ou ter relação com ninguém. São montagens herméticas, temáticas, fechadas em signos e símbolos que somente tem sentido para si próprios ou quiçá para alguns outros que vivem no mesmo grupo. Não tem a devida porosidade que permita ao público o acesso àquele mundo. Peças umbilicais e chatas. É enfadonho assistir tais montagens.

Os artistas de teatro são o patrimônio cultural de uma cidade ou região. São eles que elaboram a força do lugar na cena. Porém, para que isso aconteça é necessário ousadia e, também, uma proposta cênica do grupo ou do artista que seja consistente e capaz de mobilizar a pessoas, dialogar/jogar com o público. É o que se espera. Evidentemente não é fácil. Mas se escolha foi o teatro... não há como fugir desses desafios. Nunca foi fácil. É bem por isso, que nada justifica o teatro ruim. Em tempos do relativo, " do meu ponto de vista", das fundamentações teóricas esboçadas a partir da leitura de um autor, etc fica difícil dizer que uma peça é ruim. Pois logo alguém já lhe interpela: o que é ruim para você? E, também, já responde: ele pode ser ruim para você. Então vamos lá: mas o que é teatro ruim? Não se trata de gosto. Não importa se você gosta ou não. Afinal quando se compra um ingresso no teatro este risco está implícito. Faz parte desse ofício. Um aparte: não compreendo as tais “contrapartidas” que obrigam os artistas a realizarem as temporadas sem cobrar ingressos. As leis de incentivo dão recursos para a montagem e ensaios, mas, depois as apresentações saem do bolso dos artistas. Esta ação não colabora com a formação do público.

Retomando: teatro ruim é aquele feito sem o devido cuidado sonoro, vocal, sem acabamento corporal (mesmo para ser imperfeito requer fundamentação), sem o envolvimento, sem técnica e não respeita o espectador.  Este último aspecto é para mim fundamental. Sem público o teatro não acontece. É ensaio.  O público precisa ser acolhido nos momentos que antecedem o início da peça. Tenho presenciado situações nas quais se esquecem de coisas básicas. Bilheteria atenta, informações (programa e/ou banners) e um ambiente acolhedor. Simples assim.
 
Não importa se a peça é produzida num teatro edificado ou num lugar outro; ou se é composta por alunos, amadores ou profissionais nada pode justificar o teatro mal feito. Só serve para afastar o público.
 
 
José Simões
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