Crítica teatral: Entrenós
Crítica teatral: Entrenós
Memória e empoderamento feminino em cena
O espetáculo “Entrenós” aborda a partir da memória fragmentos de situações vividas por mulheres no casamento, na família, no dia a dia, envolvendo desejos, opressões, escolhas (e as suas consequências). Vida vivida é o que se tem em cena.
A encenação de Anália Marques oscila entre a força da cena e do discurso. Há no espetáculo boas soluções poéticas, tais como a utilização das fitas que metaforicamente se entrelaçam com a trajetória das personagens. Noutros, entretanto, o texto enunciado (ao modo de denúncia) ganha força e a cena perde espaço. Apesar dos altos e baixos presentes na dramaturgia o resultado é um conjunto cênico potente e emocionante.
O lugar cênico proposto é eficiente em relação à proposta da encenação. As múltiplas fitas espalhadas no chão propiciam imagens poéticas, se desdobram em cenas plasticamente delicadas, ao longo da montagem, em pleno diálogo com as situações vividas pelas personagens. Bonito de se ver. Soluções cênicas simples e emocionante. A sonoplastia que acompanha a encenação, todavia, causa-nos estranhamento. Algo semelhante a uma valsa busca trazer ao espectador a referência a um tempo vivido, acentuando a percepção de passado. O texto e a encenação já se apresentam como memória. Desse modo a escolha sonora causa excesso de sobreposição de informação – o passado e a memória
O texto - memória poética em fragmentos – se propõe como um desafio as interpretes Juliana Perfetto e Larissa Kolle. A personagem em fragmento necessita, como se diz, musculatura densa e gestos finos. Requer do corpo do interprete em cena uma afinação, resultado de potente trabalho corporal. Isso não acontece e em muitas situações corpo e voz ficaram dissociados. O jogo de cumplicidade esperado entre as atrizes não aconteceu com fluidez em cena. Há, ainda, excessiva formalidade desenho cênico. Isso se revela, por exemplo, na proposta de participação da plateia nalgumas cenas. Ao meu lado uma espectadora recebeu a função de que deveria jogar algo na cena do casamento. A cena aconteceu e ela não soube o que fazer. Não jogou. Depois ficou à espera de saber o que fazer com aquele material na mão. A cena seguiu. Coincidentemente (ou não) ela foi escolhida em todas ações envolvendo o público. Ao se abrir o espaço para a manifestação da plateia é preciso construir estes espaços da fala e de interação, principalmente, em espaços próximos à cena.
"Entrenós" traz a cena de modo provocador e poético a mulher na sociedade, a dramaturgia, o empoderamento femininos e a força da memória. Temas necessários e urgentes no teatro contemporâneo.
A encenação do coletivo "Uma de nós" e a proposta de um trabalho voltado à mulher é um sopro de renovação no ambiente do teatro Sorocabano.