Antes que me esqueça

O Bloomsday em Curitiba


Blog 'Antes que me esqueça'
Rubens Nogueira
 
No ano 2000 o "dia de Bloom", 16 de junho, data em que se desenvolve o enredo do romance "Ulisses", do escritor irlandês James Joyce, foi pela primeira vez, comemorado em Curitiba, no auditório do Círculo de Estudos Bandeirantes, por iniciativa do CPFC – Centro Paranaense Feminino de Cultura.

Ano passado o evento ocorreu na sede nova do CPFC, Rua Visconde do Rio Branco, 1717, sábado, dia 16 às 17:30 com o seguinte programa:

- Alma Celta – música tradicional Irlandesa.

- James Joyce – trajetória de vida por Rubens Nogueira

- Fantasia Irlandesa – piano de Sergio Justen.

- Ulysses – a volta ao mundo em um dia, por Ivan Justen Santana.

- Leitura de poemas de James Joyce.

JAMES JOYCE – TRAJETÓRIA DE VIDA

Maurice Nadeau, editor da revista de crítica "Quinzaine Litteraire, editada há 35 anos em Paris, deu uma entrevista a Leyla Perrone – Moisés, publicada recentemente pelo caderno " Mais" da Folha de São Paulo (13/05/2001).

Muito instrutiva a entrevista. A certa altura Nadeau justitifou a pobreza de sua obra literária citando o seu editado Leonardo Sciascia; "Nadeau não precisa escrever porque, quando ele publica os livros dos escritores pensa que foi ele quem os escreveu"...

Ler é tão importante quanto escrever. Por ser um constante leitor é que me justifico de aqui estar, ao lado do Ivan, um jovem estudioso, que acaba de acabar

uma tese universitária a ser apresentada na Universidade de São Paulo. Daqui a pouco ele vai nos enriquecer, pela segunda vez, com os conhecimentos que tem sobre o romance do século – "Ulisses" de James Joyce.

Eu me contento em discorrer abreviadamente sobre o homem Joyce, na sua trajetória de vida, uma existência dramática, da qual ele filtrou os bons e maus momentos, transformando episódios reais, sonhos e delírios, em páginas imortais.

O que narro são trechos incontáveis no livro "Cartas selecionadas de James Joyce", editado pelo seu grande biógrafo Richard Ellmann em 1975, ( Faber and Faber, Londres) e magistralmente traduzidos por Maria Luiza Nogueira. Se algum mérito houver nesta minha intervenção, neste segundo "Bloomsday", será o de passar para os arquivos do /centro Paranaense Feminino de Cultura essa abordagem de Ellmann, que cobrem a trajetória de Joyce de 1900 a 1941.

Diz Ellmann, diz Maria Luiza, digo eu : qual a melhor maneira de se conhecer um homem, principalmente um escritor? O primeiro pensamento é : pelas suas obras o conhecereis.

De fato, pelas obras de Joyce muita coisa se aprende a respeito de sua cultura, suas convicções, sua técnica de contista e romancista, sua cultura, suas convicções, sua técnica de contista e romancista, sua capacidade criativa, suas obsessões, ódios e amores, além da revolução intelectual que introduziu no conceito de narrativa e do uso inovador de linguagem.

Seus objetivos como escritor, as motivações fundamentais de seus temas, a reiteração de algumas ideias e o sentido universal de seu pensamento criador – tudo isso pode ser aprendido na leitura de suas obras.

Mas o homem Joyce, que tão autobiograficamente se expôs em suas lembranças de incidentes vividos ou observados desde sua infância e adolescência até a sua vida adulta em Dublin magnificamente trabalhados em contos insuperáveis como em "Os Dublinenses", ou em " O Retrato do Artista quando Jovem" e em seus romances "Ulisses" e "Finnegans Wake" excitam nossa curiosidade a respeito de sua personalidade e seu atuar no dia a dia, seu temperamento e caráter e queremos saber mais sobre a força propulsora que até o fim de sua vida o manteve firme no seu propósito de ser artista, esposo e pai amantíssimo, e escritor reconhecido e aclamado mundialmente.

Começou a escrever aos nove anos, e seu primeiro texto tinha conteúdo político. Abordava a vida de Charles Steward Parnell, líder popular. Outros trabalhos dessa época incluíam contos e pequenos trechos em prosa chamados "Silhouttes" e uma série de poemas intitulada "Moods".

Já na faculdade, em 1900 escreveu o ensaio "Drama da Vida" defendendo o teatrólogo Ibsen. Em 1901 escreveu um ensaio contra o Teatro literário irlandês

de J.B. Yeats e outros. Considerava provinciana sua linha de pensamento. Queria que a Irlanda fosse mais europeia, culturalmente mais avançada.

Mas o passo mais importante na vida emocional de Joyce foi encontrar Nora Barnacle em junho de 1904. Começaram a sair juntos em 16 de junho e se apaixonaram. Joyce usou essa data inesquecível e mais tarde a chamou o "dia de Ulisses" e encorajava seus admiradores a chama-la "Bloomsday". Saíram de Dublin em 8 de outubro de 1904.

1904 – 1915

Até março de 1905 o casal ficou em Pola, pequena cidade, posto naval do império austro-húngaro. Foi um exílio temporário. Dali Joyce seguiu para Trieste onde permaneceu até 1915, lecionando inglês na Escola Berlitz. Joyce escrevia muito. Estudava italiano e alemão. Os contos do livro "Os Dublinenses" foram escritos nesta época. Vivia insatisfeito e agitado. Em 1905 nasceu Giorgio, o primeiro filho. Persuadiu seu irmão Stanislau a ir morar com ele. Mas não se entendiam. Em 1906 Joyce aceitou emprego em um Banco, em Roma, e lá se foi com Nora e Giorgio. Não gostou de Roma nem do trabalho. Nesse período frustrou-se com a recusa de um editor que prometera publicar " Os Dublinenses". Em 1907 saiu o livro "Chamber Music" para grande satisfação de Joyce. Sua vida continuou desorganizada emocional e financeiramente. Lia muito e escreveu contos para " Os Dublinenses", esquematizou " Os Mortos" e começou a planejar outro conto – " Ulisses" – que mais tarde tornou-se um romance.

Saiu de Roma em fevereiro de 1907 e voltou a Trieste. Em julho nasceu Lucia Anna, sua filha. Ele estava hospitalizado, atacado de febre reumática.

Mesmo doente terminou " Os Mortos" e começou a transformar Stephen Hero em " O Retrato do Artista quando Jovem". Dava aulas particulares de inglês e sobrevivia precariamente.

Em 1909, com o filho Giorgio, visitou a Irlanda. Para seu desgosto ouviu de um velho amigo a confissão de um encontro amoroso com Nora em 1904. Era mentira, mas Joyce usou o tema da traição no "Retrato", na peça "Exilados" e no "Ulisses".

Tentou, em vão, ganhar algum dinheiro com a venda de tecidos, administração de uma rede de cinemas, a ajuda de suas irmãs.

Em 1912 visitou a Irlanda pela última vez. No ano seguinte conheceu Ezra Pound e daí em diante seu nome começou a brilhar. Ezra o ajudou de todas as maneiras e por muitos anos. De início conseguiu editor para " O Retrato" em capítulos. Em 1920 em carta a Pound, Joyce dizia que morava em pensão com outras onze pessoas. Não encontrava paz para escrever e a miséria era grande. Não tinha roupas decentes. Usava as botas do filho, dois números maiores.

O início da Primeira Guerra Mundial não afetou muito a vida de Joyce. Continuou a dar aulas em uma escola de comércio. Mas quando em 1915 seu irmão foi prisioneiro de guerra e a Itália declarou guerra contra o império autro-húngaro, Joyce saiu de Trieste e asilou-se em Zurich, na Suíça.

1915/1920

Superando enormes dificuldades, Joyce consolidou sua posição literária. " O Retrato" foi publicado nos EUA em 1916. Logo depois "Os Dublinenses". Em 1917 saiu a edição inglesa de " O Retrato". " Ulisses" continuava sendo escrito. Era a "work in progess" e já despertava curiosidade da crítica. E foi publicado em capítulos em revista americana entre 1918 e 1920. Ao mesmo tempo saia à luz " Exilados", em inglês, e em Munich a peça era encenada em alemão.

O poder criativo de Joyce explodiu em Zurich. Confiança, extravagância, exuberância marcavam seu talento.

Tinha um público leitor internacional e isso amenizava suas diferenças com a Irlanda. Joyce viveu e agiu intensamente. Nessa época iniciou um processo contra o Império Britânico e outro contra o Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra. Voltava a expressar a vitalidade que marcara seus anos de juventude em Dublin.

Mas o tempo, a vida apertada, a saúde o apoquentava. Tinha problemas nos olhos. Em 1917 sofreu um ataque de glaucoma e foi operado. Foi a primeira de 11 operações nos olhos, nos quinze anos seguintes.

Quando a Guerra terminou ( 1918) Joyce retornou a Trieste, por pouco tempo. Seguiu para Paris em 1920. Ali acompanhava a versão francesa de seus livros e lutava para publicar o "Ulisses". Teve a ajuda de Ezra Pound todo o tempo.

Paris, 1920 – 1939

Viveu em Paris de 1920 a 1939, início da 2ª Grande Guerra. Foi uma fase prazerosa. Era paparicado pela intelectualidade. Nos primeiros dez anos pontificou como inovador das letras.

Foi em Paris que uma mulher Sylvia Beach, dona de uma livraria – a Shakespeare & Company – ofereceu-se para publicar o "Ulisses" integral.

No dia 2 de fevereiro de 1922, quando Joyce fazia 40 anos o livro saiu a lume. Grande acontecimento! Período de vibração e entusiasmo.

Os problemas financeiros, de saúde, e os de família, porém não lhe davam trégua. Mudavam de residência constantemente. Nora estressou-se e mandou-se para a Irlanda com as crianças. A Guerra Civil Irlandesa desaconselhava a permanência de Nora no país e ela voltou, para gáudio de Joyce. Ele não vivia sem ela. Eram apaixonados. Casaram-se legalmente em 1931.

Com a calma interior que a companheira lhe propiciava, Joyce começou a dar forma à sua ideia para um outro livro : a visão noturna da vida do homem, já que "Ulisses" fora a visão diurna.

Usaria as técnicas do sonho e romperia o uso normal da linguagem introduzindo palavras estrangeiras e palavras criadas por ele. Romperia com a "cronologia lógica para penetrar no sentido atemporal do sonho". Começava a nascer o "Finnegan"s wake".

Muito combatido pelos amigos e até o irmão de Joyce, o livro ficou pronto 16 anos mais tarde – 1939, após grande sacrifício, porque os olhos de Joyce fizeram-no sofrer muito com sucessivas operações.

Quando eclodiu a 2ª Guerra Mundial – setembro de 1939 – Joyce retirou-se para um vilarejo perto de Vich, não ocupado pelos alemães. Sua vida e negócios em completa confusão. A filha Lúcia, internada com a mente perturbada. A esposa de Giorgio sofrera um colapso nervoso. O casal encontrou no neto Stephen o apoio moral de que precisavam.

Após a queda de Paris, a debandada geral dos amigos, inclusive Samuel Beckett. Finalmente o exílio em Zurich. Joyce estava exausto, deprimido, com muitas dores no estômago. Operado às pressas, não resistiu. Uma úlcera perfurada tirou-lhe a vida em 13 de janeiro, às 2:15 da manhã. O ano era 1941.

(Copiado do livro : Relações Insensatas ou a Cinderela que Veio do Sul & Uma certa Mixórdia, por mim publicado em 2002, em Curitiba – Paraná)