1 gole, 1 garfada, 1 viagem

Receita antiga e versátil, crepes e panquecas são perfeitas para incrementar o café da manhã e outras refeições do dia a dia


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Na frigideira untada com manteiga, uma massa fininha feita com farinha, ovos, leite, manteiga, sal e corrigida por uma pitada de açúcar ganha uma textura elástica, ultraleve, uma cor dourada e, crucial, a borda ligeiramente crocante, adquirida durante sua fugaz passagem pelo fogo.

É por essa inconfundível peculiaridade, que dá origem, por sinal, ao seu nome mais conhecido, que o crepe ou "a crêpe", em francês, termo que na pátria de Emmanuel Macron e do craque e campeão mundial Kylian Mbappé é tratado no feminino e grafado com circunflexo no primeiro "e", tem lugar garantido à mesa ao ser associado aos mais variados recheios. 

Ao contrário do que muita gente pensa, essa invenção culinária não é uma receita contemporânea, aliás, bem distante disso. Como um pão que revaloriza carnes, cremes, molhos, caldas, geléias, frutas, doces e salgados, o crepe é uma especialidade francesa de mais de 2.000 anos que ganhou enorme popularidade em todo o mundo por sua versatilidade gastronômica, além de ser fácil e prático de fazer.
 
Com vários recheios, pode ser saboreado quente ou frio, enrolado ou dobrado, aberto ou fechado, seja no café da manhã para iniciar bem o dia, seja para compor um almoço leve, prático e ligeiro na companhia de uma saladinha de folhas frescas, após os exageros do fim de semana. Ou como protagonista de um jantar saborosamente descomplicado e saudável. E, ainda, fechando uma refeição especial, sob a forma do mais célebre dos crepes, o Suzette. 

Embora seu nome de sotaque afrancesado seja proveniente do termo latino "crispus", que pode ser traduzido por crespo, encrespado ou enrolado - daí, também, pelo mesmo motivo, ser chamado pelos italianos de crespelle - sua origem é incerta. Há referências de que pertença às mesmas raízes culinárias das panquecas feitas há milênios pelos chineses e do chapati, o conhecido pão indiano.

Gauleses e italianos, porém, reivindicam para si a sua autoria. Os primeiros registros de crepe foram feitos no século I pelo gastrônomo romano Apicius, autor da antologia "De re coquinaria", muito embora esta especialidade já existisse muito antes disso.


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De acordo com o decano da boa mesa romana, os primeiros crepes do país da Bota eram feitos com a mistura de leite, água, ovos e um pouco de farinha e assadas em pedra quente. Só depois, passaram a ser preparados em chapa redonda de ferro sobre o fogo.

Outra fonte, a "Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia", garante por sua vez que a crespelle peninsular, diferentemente da descrita por Apicius, só teria surgido mais tarde: nos primórdios da Idade Média. E mais: sua receita não levava água entre seus ingredientes - apenas ovos, farinha e leite. Segundo a obra, a iguaria teria nascido no século V, meio por acaso e, ao melhor estilo da multiplicação bíblica dos pães e peixes, para matar a fome de peregrinos franceses, que compareceram em grande número à festa religiosa Della Canderola, em Roma.

Preparada pelos cozinheiros do papa Gelásio I, que governou o Vaticano entre os anos 492 e 496, a novidade agradou em cheio aos famintos visitantes, que a levaram consigo para casa. Alguns deles, os bretões, acabaram por aperfeiçoar e sofisticar a receita logo depois - daí os franceses defenderem que a fórmula original do crèpe (assim mesmo com o "e" craseado) tenha nacionalidade gaulesa. De todo modo, se a Bretanha, situada no oeste do país, não é de fato o berço dos crepes, decerto é um dos lugares no mundo que melhor os prepara.

Lá, as finíssimas panquecas são feitas tradicionalmente sobre chapas de metal. Consumidas durante o ano todo, a receita doce combina farinha de trigo integral, ovos, leite e água, açúcar e baunilha. É servida com geléia, chocolate ou purê de maçã. Já o crepe salgado, batizado de galette, é o feijão-com-arroz dos bretões há centenas de anos, seja no campo ou nas cidades.

A massa leva apenas trigo sarraceno, água e sal. Já o recheio, em geral, é feito de carne, peixes e frutos do mar, que ali, por sinal, são abundantes e da melhor qualidade. Dependendo do recheio, as galettes são escoltadas por refrescantes cervejas ou - touchée!, uma ótima dica e sugestão! - por uma providencial taça de sidra - a festejada bebida regional feita de maçãs.

CREPE SUZETTE: RECEITA PARA AGRADAR A COMPANHIA FEMININA DO PRÍNCIPE



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Aos franceses também se credita a fama planetária do mais famoso dos crepes -  o Suzette -, que virou sinônimo de luxo e sofisticação à mesa, na primeira metade do século 20. Feito com a mesma massa do crepe tradicional, ele é recheado com manteiga derretida, açúcar, raspas de casca de laranja, licor de tangerina ou laranja e, depois, flambada na hora de servir com conhaque misturado mais licor de tangerina.

A história mais conhecida sobre a sua origem foi registrada em 1903 pelo lendário chef Auguste Escoffier (1846 -1935), que aponta Henri Charpentier (1882-1961) como o inventor da receita. Em 1896, ainda assistente no Café Monte Carlo, de Paris, Charpentier, aos 14 anos de idade, teria errado a bem da verdade, segundo o relato do rigoroso Escoffier, a execução dessa sobremesa especial para o príncipe Eduardo VII, de Gales.
 
Sem querer, o jovem aprendiz de cozinheiro acabou flambando a alquimia e o resultado, inesperado, foi fantástico. O álcool presente no licor acabou se inflamando no réchaud, o que fez surgir uma inesperada e vistosa labareda. Sem saber o que fazer, ele teve uma reação corajosa ou, esperta e gritou: " - Voilà!". E serviu o prato ao monarca e à sua acompanhante. 

De todo modo, lenda ou não, a combinação ficou surpreendente, já que as chamas do licor liberaram os aromas do crepe, ressaltando ainda os sabores dos ingredientes da receita. Deliciado com a honraria flamejante, o futuro rei perguntou o nome da nova invenção. O maître que acabara de servi-la devolveu a pergunta indagando-lhe o nome da acompanhante. A resposta: Suzette.

Já célebres no Velho Mundo, criador e criação multiplicaram sua fama ao atravessarem o Atlântico nos anos 30 do século passado. Habituados com as panquecas desde os tempos da colonização inglesa, os norte-americanos aprovaram de cara a novidade e impulsionaram seu prestigio e consumo.

PANQUECA AMERICANA: A PRIMA-IRMÃ DO CREPE FRANCÊS



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Como o hambúrguer, o hot dog e outros símbolos do "american way of life", as batter cakes, flapjacks ou hotcakes como são chamadas por lá, também são uma mania nacional. Mais grossas e elásticas que os crepes franceses, elas são preparadas com ingredientes que variam de farinha de arroz e de milho à farinha de trigo.

Mas ao contrário do hábito europeu de consumi-las durante a refeição, todo americano adora iniciar o seu dia saboreando no breakfast uma ou mais hotcakes, acompanhadas de manteiga, geléia ou do popular maple syrup, um xarope doce feito da seiva de uma espécie silvestre, herança culinária dos índios da América do Norte.

Norte-americanos, franceses e italianos, no entanto, não são os únicos a apreciá-las. Desde o século XV se faz panqueca por toda parte. De acordo com os ingredientes e os costumes alimentícios locais, a iguaria costuma ganhar diferentes variações. As blinis russas, por exemplo, são feitas de batatas e farinha de trigo (ou centeio) e recheadas de salmão defumado e caviar (legítimo russo, claro). Já as palacsintas húngaras são doces e são servidas como sobremesa.

Como se vê, não há uma receita única ou regras rígidas para se fazer e saborear o crepe. Ao incorporar novos recheios, eles são reinventados a cada dia e são uma gostosa opção, do começo ao fim da refeição. Fáceis de fazer, basta apenas usar a imaginação e abusar dos ingredientes.

+ RECEITAS

PARA A MASSA

(20 porções)


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INGREDIENTES

1l de leite. 8 ovos. 2 xícaras (chá) de farinha de trigo.1 colher (sopa) de manteiga. pitada de sal  (*) colher de sopa de açúcar em caso de massa doce)

PREPARO

1) Após derreter a manteiga, bata no liquidificador todos os ingredientes até obter uma massa homogênea. 2) Aqueça a frigideira (antiaderente), em fogo médio, e unte-a com manteiga, utilizando papel absorvente. 3) Com a ajuda de uma concha, coloque a massa líquida na frigideira e gire-a até espalhar por igual em toda a sua superfície (só pare quando a massa parar de escorrer). 4) A seguir, vire a massa quando as bordas começarem a se soltar. 5) Deixe grelhar 2 minutos e reserve.

CREPE SUZETTE

(Para 4 pessoas)


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INGREDIENTES

MASSA


100 gramas de farinha de trigo peneirada. 3 ovos. 230 mililitros de leite.

½ colher (sopa) de óleo de canola ou girassol. 1 pitada de sal. Manteiga para untar

CALDA

200 gramas de açúcar. 80 gramas de manteiga. 400 mililitros de suco de laranja. 80 mililitros de licor de laranja Grand Marnier. Gomos de laranja ou tangerina para decorar. Sorvete de creme (opcional).

PREPARO

MASSA


1) Leve ao liquidificador todos os ingredientes da massa e bata até que a mistura fique homogênea. 2) Unte com manteiga uma frigideira antiaderente de aproximadamente 10 centímetros de diâmetro. 3) Aqueça bem e coloque um pouco da massa até que ela cubra todo o fundo da frigideira numa espessura de três milímetros. 4) Quando a panqueca se desprender do fundo da frigideira, vire. 5) Repita até o fim da massa. 6) Quando todas estiverem prontas, dobre em formato de triângulo e reserve.

CALDA

1) Leve o açúcar em frigideira antiaderente em fogo médio até que derreta. 2) Acrescente a manteiga e, após alguns minutos, adicione o suco de laranja. 3) Deixe em fogo baixo por aproximadamente 2 a 3 minutos até que a calda fique um pouco mais espessa.

FINALIZAÇÃO E MONTAGEM

1) Coloque as panquecas na frigideira com a calda quente e deixe por mais 30 segundos aproximadamente para que fiquem bem cobertas pela calda. 2) Acrescente o Grand Marnier e flambe. 3) Sirva três panquecas em cada prato, decorando com gomos de laranja ou tangerina e casca da fruta cortada em julienne (tirinhas). 4) Pode ser acompanhado de sorvete de creme.


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CREPE DE SALMÃO E ASPARGOS AO CREME DE ALCAPARRAS

(Para 4 pessoas ou 8 unidades)

INGREDIENTES


100 gramas de salmão defumado . 8 aspargos verdes frescos. 50 ml de azeite extra-virgem. 1 colher (sopa) de alcaparras. 1xicara de maionese. 1 limão. 1/2 xícara de creme de leite. Salsinha a gosto.

PREPARO

1) Cozinhe os aspargos em água fervente com sal por 3 minutos. 2) Retire-os e deixe-os esfriar. 3) A seguir, corte dois dedos do talo (a parte mais dura) e reserve. 4) Pique as alcaparras, a salsinha e misture-as com a maionese, o creme e o suco de limão. 5) Acerte o sal a gosto e leve à geladeira. 6) Recheie o centro do crepe com as lâminas do salmão e encaixe os aspargos. 7) Em seguida, enrole e corte como um sushi. 8) Remonte-a e sirva com uma colher de molho de alcaparras e um fio de azeite.

CREPE DE FRANGO COM CHAMPIGNONS E MOLHO GRUYÉRE

(Para 4 pessoas ou 8 unidades)


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INGREDIENTES

1 peito de frango. 100 gramas de champignons de Paris. 1/2 cebola. 1 xícara de leite. 1 colher rasa (sobremesa) de farinha de trigo. 1 colher (sopa) de manteiga sem sal.

PARA O MOLHO

1 caixa de queijo gruyere fundido. 1 xícara de creme de leite. Sal a gosto.

PREPARO

1) Corte o frango bem picadinho, tempere com sal e refogue com a cebola na manteiga. 2) A seguir, coloque os champignons laminados e deixe a água secar. 3) Adicione a farinha para dourar. 4) Agregue o leite e deixe engrossar. 5) Retifique o sal e reserve até esfriar.

PARA O RECHEIO


1) Dilua o queijo no fogo com o creme de leite e adicione sal a gosto. 2) Divida o creme obtido entre as crepes. 3) Na hora de servir, leve ao forno e a seguir regue-as com o molho bem quente.

CREPE DE SOUFLÉ DE CHOCOLATE COM CALDA DE MARACUJÁ  

(Para 2 pessoas ou 4 unidades)


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INGREDIENTES 

150 gramas de chocolate meio-amargo. 1 clara de ovo batida em neve. 1/2 xícara de leite. 2 colheres (sopa) de açúcar. 1 colher rasa (sopa) de farinha de trigo. 1 copo de suco de maracujá. 1/2 xícara de açúcar.

PREPARO

1) Derreta o chocolate no microondas. 2) Leve ao fogo o chocolate e a farinha diluída no leite com o açúcar. 3) Mexa o tempo todo até formar um creme. 4) Ao atingir a consistência firme de um mingau, retire do fogo e deixe esfriar. 5) A seguir, misture delicadamente a clara batida ao creme de chocolate.

PARA MONTAR

1) Recheie o crepe aberto com uma colher bem cheia de creme, dobre ao meio e novamente ao meio, como um triângulo. Reserve. 2) Leve ao fogo o suco de maracujá com açúcar e reduza-o até ficar com uma consistência de calda de sorvete. 3) Enquanto isso, unte uma forma com manteiga e leve as crepes ao forno pré-aquecido, e asse-as por 5 minutos. 4) Sirva imediatamente com calda de maracujá morna.
 

(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.