Blog do Simões

Teatro crítica: Circo Clássico de Palhaçaria


Teatro crítica: Circo Clássico de Palhaçaria


   
Toda vez que eu vou assistir um espetáculo de palhaços lembro que volta e meia alguém das artes cênicas coloca em discussão se é clown? Ou é palhaço? A briga é feia.

Não muito tempo atrás Hugo Possolo (Parlapatões) afirmou em seu manifesto “o matador de palhacinho” o seguinte: “odeio quando se fala em “trabalho de clowns”, ou mesmo uma suposta diferença entre “palhaço de picadeiro e de palco”. É importante ficar claro: as palavras clown e palhaço querem dizer a mesma coisa, só que em línguas diferentes” e não para por aí, segue atirando: “muitos destes clowns são muito dos sem graça! Usam umas vozezinhas estridentes, uns gestinhos piegas e umas poses nostálgicas e insuportáveis. E quando você assiste a um, já assistiu a todos. Parecem fatias de pão de forma, todos iguais. Chega, moçada!”  O manifesto foi apresentado na terceira edição de anjos do picadeiro.

Para Hugo Possolo palhaço e clown são a mesma coisa. Mas calma temos outros pesquisadores e profissionais que pensam diferente. Outras abordagens e práticas. Esta discussão, como se diz no dito popular, faz o “circo pegar fogo” (com o perdão do trocadilho infame).  Mas e o público se importa com esta discussão? Certamente para a maioria, não. O público ao sair de casa para assistir um espetáculo de circo espera rir e se emocionar. Se isso acontecer a discussão não importa para ele. Já para quem faz... é outra coisa.

O grupo de teatro Nativos Terra Rasgada apresentou no bar O Complexo o espetáculo denominado Circo Clássico de Palhaçaria (CCP), cujo enredo se constitui no conjunto encadeado de números cômicos circenses. Em cena quatro palhaços (Biroska, Maroska, Beringela e Bolota) se revezam em vários “números circenses”.
 
Mas o que são “números circenses”?
 
De acordo com o dicionário do circo brasileiro: são uma sequência de movimentos e truques que o artista executa no picadeiro, com ou sem aparelhos e traquitanas. Os números circenses têm curta duração, são autônomos e no caso do número com palhaços  eles apresentam uma estrutura interna recorrente. O número se inicia com a apresentação dos palhaços ao público. Depois se estabelece o “problema” e, fundamentalmente, a cumplicidade com o espectador. O número circense é jogo. Na sequência da ação (após a apresentação) se desenvolve o problema” ou o “engano” ou a “esperteza” por meio de repetições, gestos amplos, superexposições, permeado ou não por alguns truques (objetos que se transformam noutros, sons, etc.) ou nalguns casos temos a demonstração de habilidades físicas. Encantamento e cumplicidade são fundamentais para a eficiência do número. Ao final do número, sempre em conjunto com a plateia, os palhaços resolvem ao “problema” proposto.

Todos estes elementos estavam em cena. A proposta cênica funcionou e trouxe para o público, não acostumado com a linguagem do circo, elementos e situações da palhaçaria que fazem parte do repertório da memória do circo. É extremamente importante que se difunda o repertório do circo clássico, para um público que já não mais vai ao circo.

Na apresentação alguns números foram melhores resolvidos do que outros, com destaque para Tom Ravazolli no número da “venda do piano”. Em parte, as variações no desempenho foram devido a questões pontuais no ritmo e jogo entre os palhaços e, também, na relação com o público, naquele espaço. Isso porque o grupo optou por uma relação de frontalidade com o público, tendo um retângulo ao fundo como plateia. A estrutura do bar não colabora para este tipo de relação tradicional cena x plateia. O espaço do O Complexo requer outras exigências e modos de ocupação do lugar cênico pelos espetáculos e artistas que lá se propõem realizar os seus espetáculos. Não bastou que os palhaços estivessem todos microfonados. As pessoas que estavam no fundo não se sentiram naturalmente envolvidas ou cumplices pelo que acontecia na cena. Foi necessário um esforço por parte desse público para se conectar com o que era apresentado à frente pelos palhaços. É certo que no começo do espetáculo um dos palhaços avançou no espaço do público, indicando a possibilidade de que aquela ação poderia acontecer novamente, o que não aconteceu.

Ao final o espetáculo cumpre o que foi proposto e o público encontra boa diversão. 
 
No mesmo espaço – O COMPLEXO - se encontra em cartaz outro espetáculo  "Dois palhaços e seu circo itinerante". Nele não temos números de palhaços clássicos. São diferentes. Venham conferir a diversidade e riqueza do mundo circense. Que tenhamos outras palhaçarias  ou clowns pela cidade. (O Hugo Possolo vai me matar.)


CCP
Orientação Cênica: Samir Jaime

Pesquisa:
Bruna Salatini
Flávio Melo
Rodrigo Zaneti
Samir Jaime
Stefany Cristina
Tom Ravazoli
Vitor Silva