Teatro crítica: coletivizando o indivíduo
Teatro crítica: coletivizando o indivíduo
O espetáculo “Coletivizando o indivíduo” da companhia de teatro SEVASTRA, apresentado no espaço O COMPLEXO, tem como tema central a discussão do indivíduo e da construção da sociedade. Nele quatro indivíduos abordam questões acerca do coletivo e daquilo que se entende por indivíduo. O título da peça, nesse caso, é praticamente autoexplicativo.
A discussão proposta em cena, segundo os autores, remete algumas questões postas pelo existencialismo, na qual o homem (e somente ele) é o responsável pelos os seus atos. Não há desculpas e nem justificativas pelo que realiza ou faz. Sartre, em relação ao homem, afirma que - “condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer.” De tal modo, ao fim e ao cabo, o homem deve ser inventado todos os dias.
Em cena as quatro personagens travam discussões acaloradas e bem humoradas acerca do indivíduo e do coletivo. Provocam e jogam umas com as outras. Parece não existir consenso. Será? O jogo é visceral, assim como a interpretação dos jovens atores (Alana Manfrinatto, Douglas Pagangrizo, Eduardo Martins e Felipe Gadaian). Diálogos fortes e cortantes.
A encenação altera a tradicional relação lugar da cena e lugar da plateia fixos. Os interpretes percorrem e ocupam os vários lugares do espaço, resultando em boas soluções cênicas. Destaca-se, ainda, a adequada emissão vocal dos atores e da atriz. O texto é compreendido na sua totalidade à despeito do espaço físico não colaborar. Afinal se trata de um espaço aberto, um bar, com muitas intervenções sonoras (da rua, do próprio bar, das pessoas, etc).
As cenas são permeadas de diálogos bem-humorados, quase debochados nalguns momentos. Nele você pode até perder o folego pela adrenalina emocional que os atores proporcionam. O único senão se encontra na parte final do texto que, ao querer explicar e amarrar aquilo que já foi dito pelo próprio espetáculo, deixam o ritmo escapar. A dramaturgia de Felipe Gadaian e Tallison Santos, então, perde o folego.
As interpretações são corretas e vibrantes dos atores e da atriz. Ao mesmo tempo corajosas, isso porque atuam no limite de transformar as falas numa imensa bobagem ou numa situação enfadonha. A questão chave para o bom resultado cênico está no jogo que os interpretes estabelecem entre si, o texto, o público e o espaço. Destaque ao ator Douglas Pagangrizo pela forte presença cênica, resultado do conjunto da voz e gestos contidos, precisos e, ao mesmo tempo, emocionado nos contrapontos da discussão em defesa da tese da personagem.
A montagem do grupo SEVASTRA tem o viço da juventude. E como tal pode ir além das formalidades da caixa cênica. Porém, não é nada fácil, pois não permanecerão jovens para sempre. É preciso, no entanto, que no processo a coragem permaneça e o risco também. Num mundo de certezas quase ninguém gosta de fato do risco. A maioria finge que se arrisca imersos em traquitanas cênicas. No risco a dor é parceira. Quase todo mundo prefere a segurança e da ausência de risco surge o teatro feito de aparências, que se revela metaforicamente no papel do embrulho, sob a denominação de alternativo. Na perfumaria do mau feito. Nele é difícil encontrar a diferença na repetição. Não obstante é imperativo não desistir ou cair na tentação do teatro fácil. O caminho para isso é conhecido: buscar referencias, ler, ensaiar, trabalhar, aprofundar, ensaiar e não se conformar. O teatro se alimenta da inquietação, da repetição e da ligação com o este tempo, com o “zeitgeist”. Viva o teatro!
Elenco: Alana Manfrinatto, Douglas Pagangrizo, Eduardo Martins e Felipe Gadaian
Texto: Felipe Gadaian e Tallison Santos
Direção: Felipe Gadaian