SOROCABA E REGIÃO

Agência de turismo usaria dados de clientes para financiamentos



O 3º Distrito Policial de Sorocaba apura denúncias de que a agência Bem Brasil Turismo, com sede na avenida Barão de Tatuí, em Sorocaba, estaria obtendo financiamentos utilizando-se de contratos fraudulentos a partir de dados cadastrais de clientes. Entretanto, as quatro acusações que chegaram à unidade policial talvez não representam o tamanho do problema, sendo que somente em Araçoiaba da Serra cerca de 20 outras vítimas já teriam recorrido à polícia. A direção da agência nega a acusação, e os bancos financiadores, Santander e Fibra, responderam que também vão apurar de que forma os contratos, não reconhecidos pelas vítimas, foram realizados.

De acordo com o advogado Jesse James Metidieri Júnior, que até sexta-feira já representava cerca de 20 vítimas, a maioria de Araçoiaba da Serra, a agência teria se apossado dos nomes dos clientes para se beneficiar com financiamentos que variam entre R$ 7 mil a R$ 15 mil. Segundo explicou o advogado, o golpe começou a ser descoberto a partir do momento em que as pessoas começaram a receber notificações de cobranças. Ao verificarem do que se tratava, eram informadas sobre os financiamentos feitos por intermédio da agência. Entre as vítimas há quem tivesse viajado pela Bem Brasil Turismo já há dois anos, e em todos os casos, as datas dos financiamentos não coincidiam com nenhuma viagem feita pelos clientes.

Para Metidieri, o que aconteceu é que a agência não teria mais conseguido arcar com os pagamentos, e as vítimas então acabaram sendo notificadas e, consequentemente, descobrindo o estelionato. Todos os financiamentos foram firmados junto às financeiras dos bancos Santander e Fibra, respectivamente Aymore Crédito Financeira e Investimento, e Credi-Fácil. Segundo o advogado, a agência seria a beneficiada nos contratos, sendo identificada como FK Agência de Viagens e Turismo, sendo Bem Brasil Turismo seu nome fantasia.

Jesse James é categórico ao dizer que o estelionato só ocorreu por conivência das instituições bancárias, por não terem verificado quem eram os contratantes. Entretanto, ele afirma que mesmo que as parcelas contratuais tenham sido pagas, isso não exime a agência de crime, pois a fraude já estaria caracterizada.

A primeira medida adotada pelo advogado após receber a procuração das vítimas, foi a de entrar com pedido junto à 1ª Vara do Juizado Especial Cível, para a retirada dos nomes dos clientes que ficaram negativados junto ao Serasa. A liminar judicial foi favorável.

O diretor da agência de turismo Bem Brasil, Walber Fernandes, disse, por telefone, estar ciente das denúncias e que inclusive já compareceu ao 3º Distrito Policial, acompanhado de advogado, mas que não reconhece a autoria do estelionato. Walber disse também estar cobrando explicações das financeiras, uma vez que "eu não tenho autonomia para aprovar ou não financiamentos. Se eu agisse de má fé e ficasse fazendo contratos constantemente os bancos não iam aprovar", acredita.

Ainda segundo o diretor da agência, os contratos de financiamentos de viagens teriam se multiplicado nos bancos, mas ele não soube explicar como então os contratos não correspondiam às viagens feitas pelos clientes.

No mercado já há muitos anos, e se dizendo preocupado também com as vítimas que tiveram os nomes negativados, Fernandes se mostrou temeroso quanto à reputação da sua agência após a divulgação dos fatos, destacando que somente no feriado de Sorocaba embarcou 180 passageiros para várias localidades, como por exemplo Buenos Aires, sem nenhuma reclamação, e que há outra viagens programadas. Também se colocando na figura de vítima, Walber quer saber "como um banco poderia conceder financiamento até mesmo para os clientes que ganham salário mínimo?".

As assessorias de imprensa dos dois bancos, procuradas pela reportagem já no final da tarde de sexta-feira, responderam que não tinham condições de fazer o levantamento necessário até a publicação da matéria. Em nota, o Banco Fibra respondeu que "uma resposta fundamentada depende de apuração interna junto às áreas relacionadas à questão" e que não seria viável fazer o levantamento no final do dia, se comprometendo em enviar uma resposta nesta segunda-feira.

O Santander, por sua vez, informou, por nota, que "está apurando os fatos apontados e tomará todas as medidas necessárias para evitar prejuízo aos clientes.

Investigação

O delegado titular do 3º Distrito Policial, José Augusto de Barros Pupin, disse já ter aberto inquérito policial e que o diretor da agência prestou depoimento nessa semana, revelando que ele nega a prática do estelionato. A primeira medida adotada foi requerer junto aos bancos as cópias dos contratos de financiamentos, bem como ouvir as vítimas.

Com apenas quatro registros policiais em mãos, o delegado Pupin se assustou ao saber do elevado número de casos já surgidos mas que foram registrados em Araçoiaba da Serra. Tendo em vista que a apuração precisa ser feita pelo 3º DP, que abrange a área onde se localiza a agência, Pupin pede para que todas as vítimas, mesmo quem ainda não registrou ocorrência, compareçam à unidade policial, que fica na avenida Presidente Kennedy, 150, no Jardim Paulistano.

O delegado destacou que uma das questões que o intriga é saber quem vinha quitando as parcelas dos contratos, uma vez que nenhuma das vítimas o fez. A requisição das cópias dos contratos tem também a finalidade de comparar as assinaturas para saber se houve falsificação.

Alguns dos casos

A cópia de um contrato exibida para a reportagem, comprova, além da empresa beneficiada, que a cliente, de 75 anos, teve a assinatura falsificada, além do endereço colocado de forma equivocada, pois ela reside em Araçoiaba da Serra e na ficha cadastral aparece Itu. No caso específico dessa cliente, teriam sido feitos em seu nome quatro contratos de financiamento de viagens onde a beneficiária dos recursos seria a empresa FK Agência de Viagens e Turismo. Quando registrou a ocorrência, no início de agosto, ainda haviam valores em aberto que chegavam a R$ 9 mil.

Outra cliente, de 78 anos, teve o nome negativado no Serasa em razão da falta de pagamento de prestações totalizado R$ 5.320,00, decorrentes de três contratos. O banco Santander porém teria se recusado a fornecer cópias dos contratos, apesar de estarem em seu nome. A vítima afirma ter viajado para Maceió em março deste ano pela Bem Brasil, mas que o pagamento foi todo quitado, além do que o valor era de R$ 720,00.

Situação ainda pior é a de um cliente de 46 anos, morador de Araçoiaba da Serra, que teve seu nome utilizado em contratos dos dois bancos. Inicialmente foi cobrado pela Credi-Fibra, mas se recusou a pagar qualquer coisa indevidamente, e dois dias depois foi informado, pela financeira, que as duas parcelas em aberto haviam sido quitadas. Mas diante dos comentários surgidos, ele resolveu também pesquisar junto ao Santander, descobrindo que haviam cinco contratos de financiamento de viagens em seu nome, e dois deles com parcelas em aberto, nos valores de R$ 2.659,64 e de R$ 3.539,69. Ele também relatou na polícia que outras parcelas dos mesmos contratos haviam sido pagas, mas não por ele.

Uma gerente administrativa aposentada, de 49 anos, localizada pela reportagem, disse que entre ela e sua mãe os valores dos financiamentos chegavam à casa dos R$ 30 mil. Notificada pelo Santander na segunda quinzena de julho, foi informada que haviam dois contratos de R$ 7.400,00 e de R$ 7.600,00 datados de 23 de janeiro deste ano, e que do primeiro haviam sido pagas as três primeiras parcelas, e a do outro até a quarta. Ambos os contratos seriam de dez parcelas. Depois de ir na agência reclamar, recebeu pedido de desculpas e até a promessa de uma viagem com acompanhante.