ARTIGOS

Quando tudo realmente deveria acabar em pizza!



José Milton Castan Jr.

-- Amooor! O motoboy acabou de chegar. Você poderia pegar a pizza? - ela gritou da cozinha.

-- Clarinha, "tô" ocupado..., pega lá vai!

-- Querido é a sua vez, conforme combinamos, e pedi para que trouxessem a máquina do cartão da sua "bandeira".

Pizza resgatada, paga e posta à mesa. Ele abre a tampa e desfere:

-- Clarinha, você é vingativa mesmo não?

Ela sem entender - Por quê?

-- Pizza de brócolis??? E só porque na semana passada pedi pizza de aliche!

-- Antonio Celso, pedi meia de mussarela com bacon e meia de portuguesa, aliás e novamente, conforme combinamos!

-- Estes minis bonsais não me parecem nadinha com mussarelas e bacons... falando com a usual ironia.

Ela mal teve tempo de olhar desconsolada para a pizza e ele dispara:

-- Você fez o pedido, então liga na pizzaria e reclama.

Reclamação registrada. A pizzaria pediu dois minutinhos para verificar o que aconteceu e retornaria de pronto.

Os dois minutinhos foram menos de cinco, mas suficiente para Antonio Celso impacientar-se. Toca o telefone e ele impulsivamente atende:

-- O quê? Trocaram a pizza? Que coincidência não! Havia duas entregas na mesma rua! Ahahn... E o motoboy entregou a minha pizza aqui no vizinho da casa... da casa 201? E agora a senhorita pede para que eu gentilmente vá ao meu vizinho e promova a troca!

Bem meu cordial e amigo leitor é preciso alguns esclarecimentos: a referida casa 201 vizinha era a do desafeiçoado Martins. Havia tempos que não se entendiam, ora e vez por conta do cachorro de um visitando o jardim de outro, ora e vez fruto das festas do outro invadindo os ouvidos de um. Porém e mais recentemente pelas intercorrências de ordem política. Não que se falassem, mas sabiam das preferências opostas e volta e meia se cutucavam nas redes sociais.

A pizzaria informou que iria mandar o motoboy para desfazer o engano. E enquanto aguardava a troca das pizzas Antonio Celso ia resfolegando um pensamento a outro. Deixou propositadamente a pizza aberta. E enquanto olhava os horrendos brócolis pensava que tipo de pessoa poderia gostar de pizza de brócolis. Só o Martins mesmo! E num movimento sacou uma azeitona. Depois outra e mais uma. Revirou um bonsaizinho atrás de outra azeitona. Acabou revolvendo raivosamente toda a pizza. Pensou em colocar um pouco de pimenta. Clarinha repreendeu-o.

Toca a campainha. Era o motoboy. Recebe a pizza certa e entrega a que restou. Antonio Celso viu o Martins na calçada esperando a troca. Sorriu de canto de boca.

Antonio Celso ia levando a pizza para a cozinha quando, todos os seus belicosos demônios foram acordados e se levantaram, pois na tampa da caixa da pizza estava desenhado à caneta vermelha, uma estrela com o número 13 ao centro.

-- Clariiinhaaa!!!

E se não fosse a Clarinha arrancar a caixa da mão dele, seguramente a pizza estaria estatelada em algum lugar no 201.

Clarinha tenta acalmá-lo. Abre a pizza e Antonio Celso recusa-se a comer:

-- Tenho certeza que ele encheu de veneno a nossa pizza.

Toca novamente o telefone. Agora é a pizzaria retransmitindo a reclamação recebida das "azeitonas a menos e dos brócolis trucidados". Clarinha tenta contemporizar, mas também reclama que a pizza que receberam está fria....

Resultado: a pizzaria propõe enviar aos vizinhos "pizzas novinhas em folha"

Mas nada está tão ruim que não possa piorar:

As novas pizzas chegam, porém vieram novamente trocadas!

Clarinha se atira em frente à porta impedindo que Antonio Celso saia voando com a pizza de brócolis. Agora ela pede calma! E sugere:

-- Amor, pode deixar, eu mesma vou à casa dos Martins e resolvo.

Clarinha sai e encontra na calçada Monique - a esposa do Martins, que havia tido a mesma ideia e trazia a caixa de pizza.

Desfeito o engano Clarinha convida-os para comerem juntos, ao que Monique prudentemente fala:

-- Melhor não. Vamos deixar para uma próxima.

E Monique emenda:

-- Sabe Clarinha, estava lendo agora há pouco uma crônica no jornal que finalizava assim:

""Se eu te olhasse com os teus olhos, e você me olhasse com os meus olhos, seríamos eternamente felizes""

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br