ARTIGOS

Alguém poderia me escutar?


José Milton Castan Jr.
-- Estou morrendo de dor de cabeça! - ela falou colocando a cabeça entre as duas mãos.
-- Amiga, sabe que eu também estava com uma dor terrível na semana passada. Mas era nas costas.
-- Acho que vou tomar um analgésico para minha dor de cabeça.
-- Ah! Eu não tomo essas coisas...
Meire, a com dor de cabeça, levantou os olhos e viu a amiga sapecando os dedos na tela do celular.
-- Cecy, preciso lhe falar uma coisa!
-- Meire, só um minutinho!
Meire nem esperou, levantou e saiu sem se despedir. Pensou que a sua dor de cabeça, que aumentava, tinha ligação direta com os atribulados últimos dias. Havia um motivo, mas não só esse.
Dos outros motivos: eram os usuais, que invariavelmente nos ""brindam"" e que refletem nossas escolhas. No caso de Meire sua loja de sapatos e o valor anotado em vermelho na coluna dos resultados nos três últimos meses; a filha que havia se mudado para a casa do namorado e trancado a faculdade...
Mas havia o motivo, e precisava conversar com alguém.
Meire naquele comecinho de noite andava pela calçada rodeada dos seus mil pensamentos, quando encontra com Renato, que era vendedor de uma empresa fornecedora de sapatos. O rapaz se adianta, e após rápido cumprimento agenda uma visita para próxima semana, e Meire quando se dá conta, já caminhava sozinha.
Chegou em casa, e resolvida iria conversar com sua mãe, pois ainda não havia tido jeito de falar sobre aquilo. Desistiu, pois a mãe já estava dormindo, até pensou em acordá-la, mas por fim foi tomar um banho e se deitar. Já era de madrugada e Meire ainda acordada, e não tinha com quem falar àquela hora da noite. Adormeceu e quando acordou sua mãe já havia saído.
Chegou atrasada na loja e os seus pensamentos rondavam o mesmo tema, e pior sabia que ali não poderia compartilhar com ninguém, seria inoportuno. Pouco antes do almoço resolveu ligar para sua amiga Cecy:
-- Cecy amiga. Preciso muito falar com você.
-- Eu também, queria te contar sobre meu jantar ontem com o Marinho. Tenho novidades...
Meire desistiu, deu uma desculpa e desligou.
Aquilo estava estrangulando-a, e precisava falar com alguém. Aproveitou a hora do almoço e foi até o escritório de sua mãe, mas ela havia saído para almoçar.

Não conseguiu almoçar e seu estado emocional estava tão ruim que resolveu não voltar para a loja. Ligou para a gerente de sua loja, e disse que iria aproveitar aquela tarde para visitar um fornecedor.
Pensou em ligar para seu ""não mais marido"", porém desistiu, ele poderia entender que ela estaria usando a situação em causas outras.

O sol daquela tarde estava ajudando a colocar em ebulição toda a sua angústia. Procurou o lado da calçada com sombra, quando alguém lhe entregou um panfleto anunciando um curso de ""oratória"", Meire quase achou graça, ela precisando tanto de alguém para poder falar, desabafar, compartilhar e o que encontrava era um anúncio de oratória, pensou que bem poderia haver um curso de ""escutatória"".

Tentava se equilibrar em seus pensamentos, quais as implicações e o que fazer com aquela situação, mas não se alinhavam, e definitivamente não suportaria sem falar e talvez escutar algumas palavras de alento.
Estava passando em frente ao correio e teve uma ideia: iria escrever uma carta e enviar para si mesma. Talvez demorasse em receber, perto do Natal as correspondências delongam-se para chegar. Resolveu então escrever uma mensagem para ela mesma e enviar do seu celular para sua caixa de email. Meire escreve com dificuldades, pois a emoção ia-lhe tomando o coração. Talvez tenha demorado demais e nem percebeu que enquanto escrevia a bateria estava no fim, e levou um susto quando o celular, sem aviso, piscou e desligou.

Ela sentada num banco da praça com o celular inerte, deu vazão ao seu sofrimento, colocou o rosto em soluços entre suas as mãos suadas. Não se deu conta quando alguém lhe tocou levemente o ombro.
-- Moça, por que você está chorando?

Meire levanta os olhos, que ficam na mesma altura dos olhos daquela menina. Quatro ou cinco segundos que pareceram eternos. Aliviada dá um abraço na menina, e apenas pensa: Eu precisava deste abraço e poder dizer: ""amanhã começo minha quimioterapia"".

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br