ARTIGOS

Um lindo dia de brasilidade

Não podemos exigir um padrão ético do governo e dos políticos, se nós mesmos não seguimos estes preceitos
ðJosé Milton Castan Jr.
Armandinho também estava lá: nas manifestações deste domingo último. Camiseta amarela e palavras de ordem entoadas a plenos pulmões. Não podemos mais tolerar tanta corrupção - pensava consigo, enquanto acompanhava a multidão rumo ao Parque das Águas.
Armandinho também estava desempregado. Havia sido dispensado há apenas duas semanas. Não estava descontente com sua demissão, nem tão pouco preocupado. Tinha motivos, mas, mal sabia o que lhe aconteceria.
Voltemos duas semanas antes das manifestações:
-- Chefe, eu quero fazer um acordo!
-- Que é isso Armandinho, a coisa tá preta aí fora.
-- Me manda embora chefe!
-- Sei não, vou falar com Seu França.
-- ""Ô chefe"", fala pra ele que preciso trocar de carro..., não, não..., fala que preciso resolver algumas coisas particulares e depois do seguro-desemprego, se precisar eu volto.
Já na manhã seguinte o chefe chama Armandinho, e lhe dá resposta ao seu pedido: iriam fazer o acordo. Armandinho fica um pouco surpreso, ou mesmo chateado com a prontidão do patrão. Mas, vá lá, conseguiu.
Acordo feito, e os quarenta por cento da multa sobre o FGTS, Armandinho se comprometeu devolver para a empresa. Rescisão feita. Acordo cumprido.
Anteontem, na terça-feira, Armandinho dá entrada ao seguro-desemprego.
-- Sr. Armando Neves Vieira Filho. - chamavam Armandinho.
Carteira de trabalho pra cá, termo de rescisão pra lá, e o atendente dispara:
-- Muito bem Sr. Armando, tenho uma ótima notícia: vejo aqui no cadastro de vagas disponíveis que uma empresa bem pertinho da que trabalhava tem uma vaga em aberto, para o mesmo cargo. Por gentileza, aqui está o endereço e boa sorte!
Armandinho fica parado sem ação. Como assim?... pensou. Não quero emprego, eu vim aqui para receber o meu seguro-desemprego!... continuava a pensar. O atendente parecendo ler seus pensamentos falou:
-- O seguro-desemprego é para aqueles que não conseguem emprego. O senhor já é um quase ex-desempregado - e sorriu meio maliciosamente.

Bem meu caro leitor e leitora, antes de sabermos o que aconteceu com o Armandinho, e ainda sob influência de domingo, desejo fazer algumas ponderações, se me permitem:

Confesso, andava um bocado melancólico com tantas impertinências do, e sobre o caráter humano contemporâneo, incluso o meu. Mas tive um alento enorme ao ver aquela multidão no domingo, pacificamente se contrapondo ao ""status quo"" e ""stablishment"" atual de uma ideologia rala. O meu sentimento foi de pertencimento, orgulho, nação, unidade e o todo pelo todo. Sentimentos de esperanças. Um lindo dia! Estamos fazendo o correto: preciso é levantar vozes! Mas não apenas e somente contra a política nacional, desmandos e corrupção, porém e, sobretudo, levantar vozes sobre o caráter nosso. Não podemos exigir um padrão ético do governo e dos políticos, se nós mesmos não seguimos estes preceitos.

""Uma coisa é uma coisa, outra coisa é""... a mesma coisa, quando se trata de moral e ética. Não há concessão.
Penso que, nem mesmo um papel atirado pela janela do carro deveria ser tolerado: do nosso ou de outrem.
E se todos limpassem a calçada à frente de suas casas, a rua toda estaria limpa.
É pelo saber e pela tomada de consciência refletida, que um dia chegaremos, oxalá, lá!
Feito!
Vamos ao fim da história:
Armandinho foi ontem, quarta-feira, e a contragosto até a empresa com a vaga em aberto. No caminho ia ""armando"", e como sempre, maneiras para se dar bem, e como sair desta enrascada. Só pensava no seguro-desemprego. Ao chegar à empresa, encontra uma fachada bonita, recepção bem feita e ambiente favorável. Talvez com os sentimentos de brasilidade em seu coração, discute as condições salariais e demais benefícios, e pimba: aceita o emprego, e é contratado!
E esta quarta-feira, foi então realmente um lindo dia de brasilidade!

José Milton Castan Jr. é psicanalista e escritor - www.psicastan.com.br