EDITORIAL

O espaço do cidadão


A Câmara de Vereadores de Sorocaba tinha tudo para dar uma solução adequada para a tribuna popular, um espaço democrático aberto para a discussão de ideias nos dias das sessões ordinárias do Legislativo. O projeto que aperfeiçoava a tribuna, de autoria do vereador Marinho Marte (PPS), foi elaborado em outubro do ano passado, após o episódio que teve como protagonista o eletricista aposentado José Arnaldo da Silva Pires, que ocupou a tribuna para pedir mais segurança para seu bairro e repreendeu os vereadores que não prestavam atenção no que dizia. De acordo com o projeto de Marinho, a tribuna popular poderá ser ocupada por qualquer cidadão.
 
A tribuna popular foi criada a partir de um projeto de resolução de autoria da ex-vereadora Tânia Baccelli (PT), em dezembro de 2004. Inicialmente, deveria realizar-se no início do grande expediente, logo após a abertura dos trabalhos, e só mais tarde o horário foi alterado para o final das sessões. O projeto de Baccelli previa o uso da tribuna por entidades sindicais com sede em Sorocaba, entidades representativas de moradores ou outras, que tenham atuação no âmbito municipal, reconhecidas ou registradas como tal. O representante da entidade ou associação teria dez minutos para se manifestar e o vereador que fosse citado pelo ocupante da tribuna tinha assegurado o direito de resposta ao orador, com uso da palavra por cinco minutos, sem apartes. O projeto da vereadora, mais tarde transformado em resolução (n.º 300) pelo então presidente João Donizeti Silvestre, previa também que expressões injuriosas, caluniosas ou difamatórias eventualmente proferidas pelos ocupantes da tribuna contra integrantes da Câmara poderiam ser impedidas com o corte do som pelo presidente da mesa, independentemente das sanções cíveis e criminais cabíveis a serem promovidas pelo ofendido.
 
Durante um longo período, a tribuna popular despertou pouco interesse e passou um bom tempo quase esquecida por falta em interessados em se manifestar. Dez anos depois de sua criação, entretanto, em agosto de 2014, o aposentado José Arnaldo da Silva Pires, na condição de representante dos moradores dos jardins Leocádia e Iguatemi, ao ocupar a tribuna para reclamar da falta de segurança, percebeu que ninguém lhe dava atenção. Deu um puxão de orelhas nos vereadores, ao qual se seguiu uma discussão exaltada que acabou ganhando espaço na mídia. Foi na esteira desse episódio que o projeto de Marinho Marte foi apresentado. Ele pretende abrir esse espaço regimental das sessões a qualquer cidadão que tenha algo importante para comunicar ou se manifestar sobre algum tipo de problema que afete a comunidade.
 
A proposta estava para ser votada na sessão da última terça-feira, quase um ano após ser elaborada. O projeto, entretanto, foi retirado de pauta após o presidente da Casa, vereador Gervino Claudio Gonçalves, o Claudio do Sorocaba 1, sugerir a inclusão de uma emenda que adia a validade da alteração para janeiro de 2017. O presidente da mesa argumenta que a tribuna passaria a ser usada por possíveis candidatos a vereador, dispostos a criticar os atuais parlamentares. Na visão limitada de Gervino Gonçalves, "permitir que qualquer pessoa possa vir aqui e falar o que quiser é o mesmo que permitir campanha política aqui dentro". Cabe a pergunta: mas a ideia de uma tribuna popular não é essa mesma? Não é um espaço que representa o verdadeiro espírito democrático?
 
Na manifestação lamentável do presidente do Legislativo, depreende-se que em ano eleitoral -- como será 2016 -- a exclusividade de manifestações políticas de qualquer natureza, inclusive transmitidas por canal próprio de TV, é dos vereadores, mesmo que alguns deles dediquem a maior parte do tempo na busca de expedientes para cooptar eleitores, como homenagens e votos de congratulações. Há uma grande contradição nessa atitude antidemocrática do presidente da Câmara, pois existe uma resolução que estabelece a tribuna popular, mas ele só permitirá sua utilização pelo cidadão comum quando este não representar qualquer tipo de "ameaça" aos atuais vereadores. Não se pode tratar o Legislativo como se fosse o quintal da própria casa.