SOROCABA E REGIÃO

Avós e netos: gerações distintas, mas com tanto para compartilhar


A relação entre os avós e seus netos, na grande maioria das vezes, é estruturada sobre um amor incondicional. Aos mais velhos, os netos trazem o rejuvenescer, um novo foco, novos sorrisos. Aos ainda no início da vida, os avós garantem a experiência, o mimo, as histórias cheias de lições. Essa relação, mesmo já sendo tão profunda e produtiva, pode ser vista com ainda mais importância. É o que defende o pediatra e médico da família, Ricardo Ghelman, que esteve em Sorocaba para ministrar uma palestra sobre o tema no Sesc, como parte da programação do projeto Avós e Netos. "Se pensarmos somente na relação com o meio ambiente, por exemplo, os avós de hoje em dia são a última geração que teve um contato mais próximo com a natureza. Ou seja, da próxima vez que se formar uma geração de avós e netos, os avós já serão pós-tecnológicos, assim como são hoje os pais destas crianças. A gente vive agora uma oportunidade de aprendizado e contato entre duas gerações tão distintas, que nunca aconteceu."

Ricardo, que atua tendo como base a Medicina Antroposófica -- sistema médico terapêutico integrativo e complementar, que amplia a medicina acadêmica ao enxergar o paciente a partir de sua individualidade e considerar o peso das questões emocionais, mentais e espirituais na doença -- ressalta que uma pessoa pertencente à geração de avós de hoje é completamente diferente de alguém da geração moderna. E essa convivência, fortalecida pelos laços familiares ou não, pode ser muito boa tanto para as crianças como para os mais velhos. "As crianças estão tendo acesso muito grande às tecnologias e os avós podem estimular que também tenham um contato mais direto com a natureza, com um olhar diferenciado, uma percepção que os pais não conseguem mais dar hoje, pois já são de uma geração pós-computador. Os únicos que podem estimular as crianças pequenas a não entrar tanto nesse mundo racional são os avós. É preciso empoderar essa relação."

Caminhos contrários

Durante a palestra no Sesc, Ricardo Ghelman fez questão de apresentar quais as grandes diferenças entre quem já passou dos 42 anos de idade (já que, segundo a Medicina Antroposófica, os ciclos de vida se dividem de sete em sete anos) e quem ainda está no início da vida.

O pediatra explica que enquanto a criança está desenvolvendo, a todo vapor e numa velocidade impressionante, sua inteligência motora, sensorial, emocional e cognitiva, os adultos e idosos estão começando a perder parte destas capacidades, quase que como um espelho, mas em franco aprimoramento de outras tão importantes quanto, como intuições, insights, ampliação das visões de mundo, que a criança não tem. "A relação entre avós e netos é uma grande oportunidade de um apresentar para o outro esses novos mundos. É uma relação muito rica, mas muito mal cuidada pela sociedade, pois não existem programas para estimular essa convivência", explica o pediatra, que ressalta que dá para se beneficiar dessa troca de experiências entre gerações independente da relação de parentesco. "Hoje já se falam em projetos de creches junto com asilos e até de adoção de netos", diz. Apesar de tão distintas, essas duas gerações têm algo em comum. "São as únicas de "desempregados"." Ou seja, de seres humanos livres para explorar e trocar experiências com maior tempo disponível.

O pediatra alerta que a importância de contato com outros mundos que não sejam o 2D, das telas, é fundamental para que o desenvolvimento das crianças não sofra lesões que serão carregadas pela vida toda. "Quem aprende o contato com o mundo externo só em 2D, com as telas, não aprende a percepção da profundidade, tem dificuldade até de pular de um lugar para outro, por exemplo."
Tão diferentes, mas tão parecidos

Para se ter uma ideia do quanto o mundo dos avós e dos netos, mesmo parecendo tão distantes, se identificam entre si como um espelho, a Medicina Antroposófica e sua visão da vida humana em setênios apresenta explicações bem interessantes.

Até os 7 anos de idade, as crianças desenvolvem, basicamente, sua capacidade sensorial e motora. Dos 7 anos 14 anos, há um grande avanço emocional, assim como de toda a região do tórax. E, até os 21 anos, os membros crescem. Ainda segundo a antroposofia, se avaliarmos a evolução dos mais velhos, o caminho é exatamente o oposto. A partir dos 42 anos o ser humanos já começa a experimentar, do ponto de vista físico, a perda de vitalidade de músculos e ossos. Dos 49 aos 56 anos será a vez da parada do aparelho reprodutivo feminino e da perda da qualidade de digestão e vitalidade cardiorespiratória. Após os 56, o corpo humano começa a efetivamente perder neurônios -- porém, ao mesmo tempo, a viver uma expansão da mente -- que começa lá nos 42 anos -- caracterizada pela maturidade, mais clareza e visão de mundo. "E é o paralelo destes mundos, de avós e netos, que cria muitas oportunidades de aprendizado", afirma Ricardo Ghelman. As crianças querem muito falar -- e os avós têm tempo de ouvir. "São momentos muito opostos que se encaixam. Os pais têm papel educativo, mas não têm tempo de ouvir, pois vivem uma fase de trabalho."


Avós não estragam os netos, mas sim equilibram as regras

Quando se fala da convivência entre avós e netos, quase sempre surge aquele velho comentário de que os avós "estragam" os netos. Seja por deixar comer uma sobremesa fora de hora, permitir pular no sofá ou dormir mais tarde, parece que já virou regra pensar que os avós acabam "afrouxando" a educação dada pelos pais. O pediatra e médico da família Ricardo Ghelman insiste que isso não é verdade. "Temos que ver a família como um organismo, um sistema que se autoregula. Os avós não estragam, eles contrabalançam, equilibram. Esse é o papel que devem exercer." Na prática, se os pais são muito rígidos, o papel dos avós deve ser mesmo de afrouxar um pouco as regras, oferecer doçura e relaxamento diante de tanta coisa que a criança acaba sendo proibida. Já se os pais são liberais demais, acaba recaindo sobre os avós a função, na estrutura familiar, de colocar mais regras. "Não há questão entre avós e netos independente dos pais", ressalta o médico.

Esse equilíbrio saudável, entretanto, só é possível se cada um ocupar exatamente o papel que lhe cabe dentro da família. "O papel dos avós não é ficar diariamente sendo responsáveis por cuidar e brincar com seus netos. Esses encontros têm que ser valorizados, em momentos especiais, não só para companhia, mas para papos profundos, ensinar coisas da vida, o que é essencial. Os pais não têm muito tempo para isso."

Já para quem precisa deixar os filhos com os avós para que cuidem deles diariamente e reclama de que os avós interferem muito na educação, Ricardo Ghelman tem um recado: "os pais deveriam agradecer se seus pais estão cuidando de seus filhos. Eles não deveriam estar presos aos netos nessa fase da vida".


Encontro de gerações

O projeto Avós e Netos, do Sesc, é uma ação voltada à integração de gerações em busca de uma convivência saudável entre diferentes faixas etárias, com o principal objetivo de estabelecer vínculos. De acordo com Bruno Melnick, da área de programação da unidade Sorocaba, a ideia é que a partir destes encontros intergeracionais, entre as crianças e os idosos, aconteça a troca de saberes.

As atividades do Avós e Netos, que acontece também em outras unidades do Sesc, são agendadas sempre para os meses de janeiro e julho, por conta do período de férias escolares. "Não são atividades específicas, mas encontros durante os quais buscamos promover as trocas de saberes, de visões de mundo", explica Bruno. E a intenção é promover o encontro -- já que, para participar, não é necessário que haja vínculo de parentesco.

Este mês, uma última atividade ainda está programada dentro do projeto. Na próxima terça-feira, dia 31, às 16h, avós e netos estão convidados a uma tarde de cinema juntos. Haverá a exibição do filme Meu amigo Totoro, que conta a história de duas meninas que vivem muitas aventuras numa floresta do Japão ao lado de Totoro, um simpático espírito protetor daquele lugar. A atividade é gratuita e acontecerá no teatro, com 270 lugares. Os ingressos serão distribuídos com uma hora de antecedência. O Sesc Sorocaba fica na rua Barão de Piratininga, 555, no Jardim Faculdade. Mais informações pelo telefone (15) 3332-9933.