ARTIGOS

Crianças em convulsão


Edgard Steffen

Amígdalas, para o anatomista, são formações

encontradas na base do encéfalo.

Na década 1950/60, os serviços de atendimento médico de urgência eram precários e não existiam unidades de terapia intensiva (UTI) em Sorocaba. Meia dúzia de pediatras eram obrigados a atender chamados, dia e noite, nos domicílios e hospitais. Com exceção de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, havia poucos especialistas nas outras áreas.

Grande parte dos chamados estava relacionada a febres. Em alguns pacientes -- principalmente entre aqueles de 6 meses a 6 anos -- a febre desencadeia a convulsão febril. Processo benigno, na visão do médico; apavorante, na visão dos pais. Súbitos abalos em todo o corpo, perda de consciência e cianose, em curta duração, podiam ocorrer no primeiro dia de febre. Para o pediatra duas obrigações pétreas: acalmar os pais e diagnosticar a causa da febre. O estado convulsivo cedia com, sem ou apesar das medidas (banhos frios, compressas frias, antitérmico injetável, as mais comuns).

Outras patologias, algumas graves, eram (e continuam sendo) capazes de desencadear convulsões nas crianças.

Ainda estudante, estagiando no ambulatório de Pediatria, presenciei uma criança em "estado de mal epiléptico". Menina chegou apresentando convulsões subentrantes. A injeção de anticonvulsivante não interrompeu a crise. Corri em busca de um neurologista. Por sorte, o professor Ruy Piazza estava chegando para as aulas do dia. Atendeu-me prontamente e, no Hospital Infantil anexo, puncionou a cisterna magna* e retirou parte do liquor cefalorraquidiano. Como se por milagre, as convulsões cessaram.

Dr. Piazza aproveitou para me instruir. Discorreu sobre o problema das convulsões repetitivas ou de longa duração. Nessas hipóteses, provocam edema cerebral e aumento da pressão intracraniana; esta, por sua vez, causa novos espasmos musculares. O paciente corre o risco de entrar num ciclo que leva à morte ou a lesões cerebrais irreversíveis. A punção "milagrosa" funcionou porque aliviara a pressão liquórica. Alertou-me que essa manobra não deveria ser realizada rotineiramente; havia o perigo mortal de engasgamento das amídalas.**

Esse pequeno episódio iria servir-me no futuro. Jamais negligenciei deixar um estado convulsivo permanecer sem abordagem adequada. Independentemente da causa, se não cessasse em 10 minutos, apelava para o neurologista.

Lembro-me de dois casos impactantes. O primeiro de um menino que morava em outro município. O clínico encaminhou-o porque não conseguira interromper as convulsões. Entre a saída e a chegada ao Santa Lucinda, passara-se quase 1 hora. Conseguimos estabilizá-lo. A duração do estado convulsivo resultou em incoordenação motora pelo resto da vida.

Pior sorte teve garota internada num precário serviço de emergência. Quando a família dispensou o pediatra assistente e me entregou o caso, haviam se passado quase 12 horas de convulsões sequenciais. Convoquei o neurologista para conseguir pará-las. Conseguimos e, cuidamos de introduzir medidas para aliviar a evidente hipertensão endocraniana. A menina sobreviveu, mas com sequelas muito profundas. Praticamente em estado vegetativo.

(*) Espaço entre o cerebelo e o bulbo

(**) Nota do autor: aquelas formações que leigos conhecem como "amídalas" ou "amígdalas", na linguagem médica recebem o nome "tonsilas".

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]