OUTRO OLHAR

O som e a fúria do rock


Carlos Araújo
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 - ARTE: LUCAS ARAÚJO - ARTE: LUCAS ARAÚJO

Hoje, Dia Mundial do Rock, Sexta-Feira 13. Será que a coincidência tem a ver com superstição ou deve ser vista como mero acidente de calendário? Para quem não acredita em nada, nem em forças ocultas, tanto faz. 
Na sexta-feira consagrada ao mau agouro, o que importa mesmo -- todos os dias -- é o rock e toda a sua pulsação de som e fúria, rebeldia e provocação, identidade e estética do caos, paz e amor em tempos de desencontro, indiferença, intolerância.

Quem curte o rock desde a infância habitualmente começou a ouvir esse tipo de música até antes de saber em que categoria se classificava esse som arrebatador, energizante, demolidor dos sentidos.

Para quem não viveu os áureos tempos do rock, houve um mercado promissor com artistas que se tornaram ícones, bandas clássicas que faziam shows inesquecíveis e vendiam milhões de discos disputados pelos fãs em todo o mundo. Movidos pelo ritmo alucinante que marcou a história da música, eles chacoalhavam as cabeças e protestavam como rebeldes sem causa.

Havia uma Galeria do Rock que reunia os jovens mais pirados. Fãs dos Stones e do The Who colecionavam discos com o carinho de quem guarda preciosidades. Nas apresentações ao vivo, a sintonia entre bandas e público compunha uma multidão de almas eletrizadas pela crença de que podiam fazer revoluções com os sons de guitarras, baterias, baixos elétricos.

E com efeito, eterno e pulsante, o rock é revolucionário por natureza. Entre outros aspectos, distingue-se por ser uma proposta de paz. Enquanto os governos fazem guerras na Europa, nas Américas, na Ásia, na África, no Oriente Médio, criaturas de jeans e camisetas pretas pegam seus instrumentos e fazem rock da melhor qualidade. Cantam obras-primas como "Satisfaction" (Stones) e "The dark side of the moon" (Pink Floyd). A única agressividade, que os fãs adoram e os críticos odeiam, é a intensidade do som que faz o chão tremer.

Muitos álbuns são venerados como obras de arte. Cada roqueiro tem a sua lista de preferências, mas é certo que entre todas elas figurem álbuns como "Sgt. Pepper"s Lonely Hearts Club Band" (Beatles), "Nevermind" (Nirvana), "Are you experienced" (Jimi Hendrix), "Highway 61 revisited" (Bob Dylan).

Álbuns irresistíveis. Melodias e letras complexas, peças arrepiantes de inovação, espécies de óperas populares que nos bons tempos incendiavam os palcos e enlouqueciam a juventude, verdadeiros símbolos do talento e da capacidade humana de transformar em som e poesia toda a perdição possível. Não é por acaso que um dos ícones do rock, Bob Dylan, ganhou o Nobel de Literatura.

Para muito além da música, o rock bebe e arrota poesia e performance, influencia a cultura e o comportamento, dita rumos e subverte os estilos de ser e de viver. Não importa que o ponto alto do rock tenha ocorrido entre os anos 50 e 90 do século passado. O que conta é que os fãs têm o rock como identidade. Passam-se os anos e eles prosseguem com sagas de adorações a Led Zeppelin, Black Sabbath, Kiss, Yes, Genesis, Joy Division, Sex Pistols, Ramones, The Velvet Underground e companhia.

Contra a mesmice, os artistas se reinventaram e criaram a sofisticação do rock progressivo de Rick Wakeman, o peso do metal de Iron Maiden, a fúria apocalíptica e alucinada do punk de The Clash. Quando parecia que não havia mais o que inventar, surgiu o grunge liderado pelo Nirvana e o mito Kurt Cobain. E o rock ganhou novas gerações de jovens fãs.

O rock falou de tristezas e traduziu a angústia moderna em melodias depressivas e na biografia de ídolos como os que morreram na faixa dos 27 anos: o próprio Cobain, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bryan Jones, Jim Morrison, Amy Winehouse. A tragédia está sempre à espreita e prestes a devorar os deuses da música.

O Brasil não ficou imune. As décadas de 70 e 80 foram férteis. De Raul Seixas e Rita Lee, Titãs, Paralamas, Zero, Os Inocentes, O Terço, Ratos de Porão, Pitty, todos formaram uma onda vibrante e criativa do rock nacional. E a onda criou o Madame Satã, uma espécie de templo do rock.

Contrariando as aparências, os roqueiros também amam. Na canção "Agora eu sei", Zero deixou registrada toda a dor do amor não correspondido: "Mal sabe ele como é triste ter / Amor demais e nada receber / Que possa compensar o que isso traz de dor."

Que o diga a canção "Still loving you" (Scorpions) quando o cara diz à mulher amada que é preciso tempo "para reconquistar seu amor novamente". Os roqueiros se emocionam, têm corações apaixonados, exorcizam a dor ao som de guitarras e baterias. E com muita energia, mas sem nenhum controle.