CULTURA

Mano Brown: é preciso revolucionar a revolução



Maíra Fernandes
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Mano Brown não se diz polêmico, pelo contrário, credita aos "ouvidos alheios" tal interpretação. Suas opiniões, ressalta, não nascem com a pretensão de gerar polêmica, são apenas resultado da liberdade de expressão, debate e exposição de ideias. Para Brown, o problema não está no que ele diz mas naquilo que as pessoas preferem não ouvir. "Não me acho polêmico, agora, se me questionam algumas coisas, eu falo o que penso e talvez a resposta não agrade a maioria. Ser polêmico é isso, é responder o que a maioria não quer ouvir e daí leva-se o rótulo disso ou aquilo. Mas nada com intenção, sou sempre a favor do diálogo, de conversar, discutir...", explica um artista visivelmente mais amadurecido.
O líder de um dos mais importantes e influentes grupos de rap do Brasil, o Racionais Mc"s, está com 41 anos. Espécie de guru de toda uma geração de rappers e não rappers, Mano Brown saiu da periferia e foi elevado ao status de pensador, intelectual e poeta contemporâneo por alguns. Hoje, "trabalha com o silêncio" em uma fase da vida em que se julga "mais tranquilo".
Mano Brown também mudou algumas atitudes como por exemplo a de ser avesso a entrevistas, principalmente a brancos ou as chamadas mídias burguesas. Hoje, ele diz que tal comportamento era apenas "glamour da época". Em sua própria interpretação, muitas das atitudes foram criadas para dramatizar.
Essa posição, considerada por muitos como preconceituosa, foi uma das atitudes repensadas e mudadas por Brown, a partir de uma revisão que fez em sua vida, quando estava próximo a completar 40 anos. Poderia ter feito isso aos 29, considera ele, mas era imprescindível ter vivido tudo o que viveu, até "quebrado muito a cara", para que o tal amadurecimento, enfim, fizesse sentido.

Uma revolução dentro da revolução

Falando em tom quase inaudível para poupar a voz e devorando uma maçã para "limpar" a garganta, Brown conversou com a reportagem do Cruzeiro do Sul no dia 25, sexta-feira, quando participou da festa de lançamento do primeiro CD do grupo sorocabano X da Questão, no clube 28 de Setembro, em Sorocaba.
Alguns dias antes, o torcedor havia tomado o lugar do artista. Brown gravou um vídeo convocando a torcida santista para ajudar o time que estava na final da Copa Libertadores da América e foi notícia nos cadernos de esporte. A torcida e a convocação deram certo e o Santos Futebol Clube, seu time do coração, venceu o campeonato. Ele sofreu cada segundo do jogo, admite, mas em nenhum momento acreditou que perderiam. "Estou muito feliz, sofri, mas em nenhum momento achei que não iria dar, faz parte, né?", reconhece ele, dividindo uma sala improvisada com sua equipe e alguns fãs.
Em nenhum momento, Brown se opôs à entrevista, apenas pediu um tempo para tomar água. Acabou substituindo-a por uma maçã, na intenção de deixar a voz mais limpa, afinal, grande parte do público que aguardava do lado de fora, estava ansioso para vê-lo no palco, mesmo que já se aproximasse das 3h de uma madrugada fria.
O rapper atendeu às solicitações dos fãs, tirou fotos, distribuiu autógrafos e ouviu pedidos e elogios. Sem manchar a fama de sisudo, não distribuiu tantos sorrisos, mas foi cordial com todos. Inclusive com esta repórter, a quem coube a incumbência de tentar arrancar algumas palavras do homem que, declaradamente, anda trabalhando o silêncio.
Não é que não fale... Fala, mas permite-se momentos para rápidas reflexões antes de uma resposta nunca longa demais, mas sempre coerente. Brown é aquele tipo de entrevistado que cobra a atenção do entrevistador, que abre lacunas para outras discussões de modo sutil. Durante o bate-papo com a reportagem, aproveitou para tecer críticas ao movimento hip hop. Para ele, as revoluções acabaram ficando arcaicas e, por isso, defende mudanças no próprio movimento hip hop, que ajudou a estruturar. Quer mais ética, liberdade e o que chama de "armas novas" para esse novo momento.
Memo assim, avalia como positiva a trajetória do hip hop e o alcance que conseguiram. Mas pede mais energia: uma revolução dentro da revolução conseguida pelo movimento. Brown alerta que as revoluções têm prazo de validade e precisam ser sempre renovadas.
Brown sempre quer mais, ele admite. E para isso se articula entre os mais distintos meios. Aliás, não descarta a possibilidade de, "quem sabe um dia", abraçar a política para tentar estreitar o caminho entre a mobilização e a mudança de fato. Mas não agora. "Não passa pela minha cabeça, mas eu disse não passa, e não que não passará", adianta ele, sempre habilidoso e atento com as palavras.

Um monstro chamado Racionais MC"s

Discussões e previsões à parte, é sobre o seu trabalho com o Racionais Mc"s que Brown gosta de falar. Além, claro, do futebol. Detalhe curioso: no jornal diário, o rapper só lê o caderno de esportes, por medo que seja orientado de forma errada. "Há muito interesse político, muita informação enlatada", adverte ele sobre o meio que considera "manipulador".
Crítico a tudo e a todos, Brown sabe que esse posicionamento foi fundamental para que o protesto em forma de música dos Racionais tomasse a proporção que tomou, saindo dos guetos e sendo consumido por outros nichos.
"Foi um conjunto de fatos. Talvez a forma de recontar tudo aquilo que já haviam contado antes...", tenta explicar sobre o alcance da obra composta. Como relembra, as realidades apresentadas pelo grupo nunca foram novidade. Tanto na música como em outras artes como a literatura, filmes, fotografia já foi relatado o dia-a-dia das periferias, o preconceito, as drogas... Para Brown, não tem a ver com o que contaram, mas o modo que recontaram. "A gente falou direto para muita gente, sem atravessador, por estarmos no gueto", acredita ele, que não utiliza gírias durante a entrevista.
Hoje, Brown vê todo esse movimento liderado por ele como um "monstro", mas pelo lado bom. "Trata-se de uma organização gigante, o Racionais é maior que eu, eu sou criador de um monstro. Não me assusto com isso, mas eu consigo ver que perto de tudo eu sou pequenininho...", avalia o criador sobre a criatura que, em silêncio de produção desde 2009, prepara munição para disparar sua metralhadora cheia não apenas de mágoas.