Da Espanha para o Brasil: os 100 anos de Dona Nena
Simone Sanches
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Como tantos outros imigrantes espanhóis que chegaram ao Brasil e se firmaram em Sorocaba, a história de Conceição Centellas Lopes, conhecida como Dona Nena, dá a dimensão de quanto a vida pode (e deve) ser vivida em toda sua plenitude. Dona Nena acabou de completar 100 anos de idade, no último dia 8, e recebeu a reportagem em sua casa para contar o que guardou na bagagem da vida. As lembranças da infância, de quando veio de navio para o Brasil, a adolescência, o trabalho na lavoura, o casamento com um também espanhol, o crescimento da família e os prazeres de completar idade nova. Dona Nena esbanja vitalidade, disposição e uma memória fortalecida, mesmo com o passar dos anos. Ela conta que veio para o Brasil, ainda bebê, com três meses de idade, junto da família, os pais e seis irmãos mais velhos.
Conta que teve mais uma irmã, nascida em solo brasileiro. Natural de Barcelona, no nordeste da Espanha, dona Nena recorda-se das histórias que seus pais contavam sobre a vinda ao país. "A viagem durou mais de um mês. Eu quase morri no navio, meus pais contam que seriam obrigados a me lançar ao mar; achavam que eu estava doente, um tipo de doença no sangue; imploraram pela espera da minha recuperação e eu sobrevivi", lembra com lágrimas nos olhos. Chegando ao Brasil fora morar em Cerquilho e desde menina recorda-se do trabalho na lavoura. "Nós trabalhávamos na plantação de cebolas, toda a família", conta. Ainda solteira, veio morar em Sorocaba, no bairro da Vila Hortênsia, quando também conheceu seu primeiro e único namorado, o também espanhol Andrés Lopes Moreno (já falecido), natural de Málaga, uma cidade da Andaluzia, na Espanha. Um casamento que durou mais de 40 anos, sendo o fruto dessa união, três filhos (Decio, Dirceu e Denise), 12 netos e 16 bisnetos, vindo em breve o seu primeiro tataraneto.
Jovialidade que permanece
Ao receber a visita da reportagem os olhos brilharam e o sorriso se estampou de alegria. Esperava ansiosa a nossa chegada e lembrava-se de cabeça o dia e horário da entrevista marcada. "Ela recorda-se de todas as datas importantes", comentou a neta Daniela Lopizi Spinelli. Vaidosa, está sempre preocupada com os cabelos e recebe manicure em casa para fazer as unhas toda semana. Também tem atração pela música e dança flamenca e conta que tocava muito castanhola. "Agora não toco mais, perdi a força nas mãos", comenta ela, que sofreu recentemente um acidente vascular cerebral. E isso não mudou sua rotina. Tem memória rara, ajuda os netos com as atividades escolares, ensina a tabuada, conta histórias únicas, dessas que quase não se lê em livros.
Aos 98 anos de idade dona Nena também havia quebrado o fêmur, por conta de uma queda. Colocou prótese e se recuperou bem. Apesar das sequelas, tem uma saúde de ferro. Toma banho sozinha, caminha apenas com a ajuda do andador. Ainda gosta de passar roupas e no quarto tem todos os recursos para se comunicar. Ouve rádio, assiste televisão e faz questão de frisar que tem telefone próprio na cabeceira da cama. "É como se eu fosse uma adolescente", explica. A decoração do ambiente em que repousa também é aconchegante, com bichos de pelúcia enfeitando as prateleiras. No guarda roupa preserva peças que ela mesma costurava, e guarda até hoje uma máquina de costura antiga.
Da gastronomia espanhola recorda-se do grão de bico, que ainda gosta de comer. Já viajou bastante, porém nunca teve a oportunidade de retornar à Espanha, país que nunca chegou, na verdade, a conhecer, pois saiu ainda bebê de lá. Dona Nena é orgulho de toda a família. "É bom chegar nessa idade e estar lúcida. "É um orgulho ter avó com cem anos", revela a neta Daniela. Para a filha Denise que acolheu a mãe em casa, o segredo de tanta vitalidade é a família. "É amor e muita brincadeira", comenta. "Minha mãe não deixa minha avó ficar parada, senão ela fala que vai enferrujar", acrescenta a neta. Apesar de dificuldade de pronunciar algumas palavras, ela gosta de conversar. Fica horas a fio batendo papo, e a cada informação nova, revive na memória lembranças de um passado saudoso.