SOROCABA E REGIÃO

Família vive embaixo de ponte, pede ajuda, mas dispensa atendimento



Leandro Nogueira
[email protected]

Uma família com criança de sete anos de idade e amigos desabrigados foram tirados na noite de ontem debaixo da ponte do Pinga-pinga, sobre o rio Sorocaba. Afirmavam viver no local há cerca de um ano e foram levados por assistentes sociais da Prefeitura ao Serviço de Obras Sociais (SOS). Dos cinco que deram entrada no SOS apenas um aceitou passar a noite, os demais quatro, inclusive com a criança de sete anos de idade, foram embora por volta das 21h sem informar para onde. Durante a tarde, ainda sob a ponte, aceitaram conceder entrevista porque desejam receber ajuda, um local para morar. À noite entraram em contato com a reportagem queixando-se terem sido levados para o abrigo muito distante de onde estão acostumados a viver. Um dos desabrigados, Paulo de Souza, 54 anos, aceitou passar a noite no SOS, após ser informado que teria vale-transporte e toda a assistência para seguir o cotidiano no dia seguinte. Já a mãe do garoto reclamou com a reportagem que só deixou a ponte para acompanhar os assistentes sociais porque temia que a criança fosse tirada do convívio dela.

O menino com sete anos de idade é filho de Celi Gonçalves, 47 anos. Pela primeira vez na vida ele começou a frequentar a escola neste ano, estuda no bairro Maria do Carmo, a dois quarteirões da ponte onde está costumado a dormir. "Não é porque nós moramos embaixo da ponte que ele não vai na escola", declarava a mãe do garoto, Celi Gonçalves, 47 anos, durante a tarde. Ela tem orgulho e emociona-se ao falar sobre as dificuldades que encontrou para matricular a criança porque não possui um endereço fixo. Vive com o companheiro Clóvis de Souza Faria, 31 anos, que Celi diz ter conseguido um trabalho como pintor na última terça-feira; até então recolhia papelão nas ruas.


86986 3

(foto por Aldo V. Silva)



Outros cinco desabrigados foram aceitos pelos pais do garoto embaixo da ponte. Alguns são conhecidos de muitos anos, quase uma década. "Aqui eu não deixo ficar quem usa drogas não", declarou Celi demonstrando quem manda ali, mas deixando evidente que não considera o álcool uma droga. Com exceção de Celi, e do companheiro dela que estava trabalhando, na tarde de ontem os demais reconheceram ser viciados em álcool. Entre os que os acompanham está o casal Márcia Andréa de Oliveira, 37 anos e Luiz Fabiano Rolim de Moura, 33 anos, que convivem há três anos. Todos revezam-se no local para cuidar dos pertences e um pequeno cachorro os avisa da aproximação de algum estranho. Claudemir de Moura, 42 anos, disse que gostaria de receber tratamento para deixar a bebida. Declarou que já frequentou uma clínica de recuperação em Votorantim, mas não levou o tratamento até o fim.

Apesar da precária situação, a mãe Celi demonstrou zelo com o espaço ocupado sob a ponte. Enquanto os demais moradores dormem em cima de colchões ou papelão no barranco concretado, ela providenciou uma cama com colchão e travesseiro para a família. A cama permanece arrumada e é ladeada por pedaços de madeira e outros materiais que reduzem a falta de privacidade. Na entrada para a cama havia um tapete no chão para que limpem os pés, e em cima da cama, um boneco de pelúcia. Ali dormem ela, o filho e o companheiro. Ao lado da cama improvisou um fogareiro com pedras e uma grelha de churrasqueira, onde prepara a alimentação para todos nas panelas. Próximo do horário do menino sair da escola, às 17h30, o cheiro da comida embaixo da ponte sobressai ao odor do rio. Ontem estavam preparando toicinho e purê. Parte do alimento vem de doações de igreja evangélica e de pessoas em geral que os ajudam.

86986 8

(foto por Aldo V. Silva)

Para tomar banho e lavar a roupa eles vão até uma tubulação sob o viaduto da rodovia Castelinho (SP-75) e na margem do rio Sorocaba. Celi afirma que a água que sai dali vem de uma nascente, na opinião daqueles desabrigados, limpa, mas declara que não bebem dela. As necessidades fisiológicas são feitas na margem do córrego, mas distante da ponte. A água potável dizem conseguir nas oficinas existentes nas proximidades. Sobre a origem deles, todos disseram ser de Sorocaba, ter família morando em residências, mas não quiseram entrar em detalhes sobre o motivo que os levaram a viver na rua. Vários declararam que há um ano viviam em uma chácara no Jardim Leocádia. Outro que não quis identificar-se declarou que a esposa chegou a conseguir uma moradia com subsídio do governo, mas com a separação ele foi para as ruas.