ESPORTES

Uma história de amor ao futebol

Vítor Aguilera
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Amanhã, Ademir de Barros completa 70 anos de vida. Para a maior parte das pessoas, este nome não diz muito. Entretanto, se falarmos em Paraná, que jogou pelo São Bento, São Paulo FC e seleção brasileira, muitos com certeza irão se lembrar -- em especial os amantes do futebol. Era um ponta esquerda rápido e agressivo. O apelido veio por que, assim como muitos que migraram para Sorocaba, nasceu no Norte do Paraná, na pequena Cambará, cidade a aproximadamente 500 quilômetros de Curitiba, no dia 21 de março de 1942.

Paraná teve um sucesso meteórico em sua carreira. Com pouco tempo de profissional entrou para a história do Azulão, quando ajudou a colocar o time na elite do futebol paulista, ao conquistar o acesso para a Primeira Divisão em fevereiro de 1963 (o campeonato ainda referia-se a 1962). Contratado pelo São Paulo, em 1965, foi bicampeão Paulista. Com apenas 23 anos já estava no grupo da Seleção que disputou a Copa de 1966 na Inglaterra.

Filho do ex-jogador de futebol Anísio de Barros, falecido aos 51, e de dona Maria de Souza Barros, de 90 anos, Ademir desembarcou com seus seis irmãos em Sorocaba quando tinha 12 anos. Vieram a convite de um tio, que garantia emprego para toda a família na cidade. Morou no bairro da Árvore Grande e, nas peladas de rua, fez nascer o primeiro time chamado Vasco, montado com amigos da adolescência.

Em 1953, participou de um campeonato realizado pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) de Sorocaba, onde foi campeão. Logo após a conquista no Sesi, Ademir foi convidado a jogar no Campeonato Varzeano pelo time da Teba (Tecelagem Barbero), empresa em que trabalhou como tintureiro por pouco tempo. No primeiro ano em que esteve no clube foi vice-campeão, jogando como meia-atacante. No ano de 1957, em uma final de campeonato contra a Ferroviária, marcou seu caminho para o futebol profissional.

"Lembro da final da Várzea, o atacante Nelsinho, da Teba, não pode ir ao jogo. O técnico perguntou se eu podia jogar no ataque. Disse bem assim: "Eu só quero jogar"". A Teba ganhou por 6 a 3 e foi campeã com três gols marcado por Paraná, na época, ainda Ademir.

Sem saber, estava sendo observado no estádio pelo presidente do São Bento na época, José Miranda Filho. Assim que terminou a partida, o presidente foi conversar com ele no vestiário. "Ainda comemorávamos o título, quando ele me chamou e perguntou se eu queria uma carona até a minha casa. Fui me trocar no vestiário, e assim que eu entrei no carro ele, Miranda, disse: "Você quer jogar pelo São Bento no profissional?" E o então Ademir respondeu, ao seu estilo: "Eu só quero é jogar". Hoje ele comenta rindo as palavras que tanto repetiu ao longo de sua vida.

Ademir, então, assinou um contrato de dois anos com o clube. No entanto, bastaram alguns treinos no Azulão para ganhar o apelido que o acompanhou a vida toda. Agora Paraná, ajudou a colocar o São Bento na elite do futebol paulista, ao conquistar o acesso para a Primeira Divisão. "Lembro do gol feito na prorrogação. O passe que dei açucarado para o Picolé marcar o gol." O jogo, no Pacaembu, terminou empatado em 1 a 1. Foi nesta época que Paraná entrou para a história da cidade, ao lado de Julião, Mickey, Picolé, Raimundinho e outros craques do passado. "É uma amizade que perdura até hoje", enfatiza o atleta.

Ele ainda atuou mais um ano no clube -- com salários atrasados -- antes de ir para o São Paulo, em 17 de fevereiro de 1965. "No ano em que nós subimos, o pagamento estava três meses atrasado e a união do time foi o fator principal para a conquista. Nunca vi um companheiro tirar a perna em uma dividida", conta Paraná.

No Morumbi, Paraná chegou à Seleção
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O Morumbi foi a segunda casa de Paraná. Na época de sua contratação, o Tricolor estava em contenção de despesas, pois o pensamento do presidente estava todo voltado para a construção do Estádio do Morumbi. Por isso, os primeiros elencos dos quais Paraná fez parte não eram de tanta qualidade. Mesmo assim, em 1967, foi vice-campeão paulista. No entanto, em 1970 e 1971 Paraná fez parte do histórico time bicampeão paulista que tinha escalação de luxo: Sérgio, Forlán, Jurandir, Arlindo e Gilberto; Edson, Gérson e Pedro Rocha; Terto, Toninho Guerreiro e Paraná.

No ano seguinte, foi homenageado pelo clube como um dos melhores pontas da história. "Foram nove anos atuando pelo Tricolor Paulista. Vi muitos pontas passarem por lá", diz, rindo, sobre a titularidade absoluta. "Eu nunca fui craque, mas jamais afinei. Eu queria é jogar". A carreira vitoriosa levou Paraná a defender a seleção brasileira na copa de 1966. Naquele mundial, o Brasil ficou em 11º lugar. Realizou três partidas, venceu uma (Bulgária) e perdeu duas (Hungria e Portugal). A Seleção daquele mundial era a seguinte: Manga, Fidélis, Brito, Orlando e Rildo; Denílson e Lima; Jairzinho, Silva, Pelé e Paraná. "Que bagunça! Foram convocados 46 jogadores. Fui escalado para jogar machucado. Tinha oito pontos na perna depois de receber um carrinho no primeiro jogo da Copa", conta o jogador.

Pela seleção brasileira, Paraná jogou 11 vezes. Foram nove vitórias e duas derrotas. Marcou somente um gol com a camisa canarinho -- contra o Peru no dia 4 de junho de 1966, quando o Brasil venceu por 4 a 0. Ele conta que um dos maiores motivos de não ter voltado à Seleção foi porque deu um tapa em Carlos Nascimento, chefe da delegação brasileira. "Um radialista do Rio, que só falava mal de mim, veio tirar onda comigo após a derrota para Portugal, dizendo que eu tinha sido o melhor em campo. Já estava nervoso, dei um soco nele. Aí o chefe da delegação tomou as dores e acertei ele também."

Paraná defendeu o Tricolor até 10 de setembro de 1973. Realizou 394 partidas, sendo 196 vitórias, 97 empates e 101 derrotas, com 40 gols marcados. Paraná deixou o Tricolor em 1975 para disputar o Campeonato Brasileiro pelo Operário, de Campo Grande (MS). A partir daí começou uma peregrinação por times pequenos, já se aproximando do encerramento da carreira profissional.

Depois do Operário foi para o Colorado (PR), atual Paraná Clube. Jogando pelo Londrina, marcou o gol inaugural do estádio do Café, quando o Londrina empatou com o Flamengo em 1 a 1 no dia 22 de agosto de 1976. No início de 1977, Paraná chegou a Francana, no interior paulista. Em 1978 voltou a Sorocaba para atuar mais uma vez no clube que o revelou. Um ano depois, foi jogar no Barra Bonita onde ficou até 1980, quando encerrou a carreira.

Prestes a fazer 70
anos, Paraná repete:
"Eu só quero é jogar"
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Este é um homem com quase sete décadas de vida que amou, defendeu e sofreu pelo futebol. Aos 69 anos, continua com bastante vontade de trabalhar e, acredite, jogar futebol. Um atleta que não se cansa de repetir: "Eu só quero jogar". Até os dias de hoje. Aliando o futebol aos estudos, Paraná ainda conseguiu se formar em Administração de Empresas e em Educação Física. Mas, como jogador de futebol, não teve muito tempo para ficar com a família. E confessou que a maior derrota da sua vida foi no campo pessoal: a perda de sua esposa, Dulce de Oliveira Barros, aos 59 anos. "A perdi quando começamos a viver a nossa vida".

Atualmente, trabalha como professor de futebol no Centro Esportivo de Pinheiros. Paraná divide o tempo entre as aulas com a criançada e as partidas de veteranos. Pai de Cíntia, Cibele e Júnior, em casa, a atenção é dividida com seus dois netos, Pedro Henrique e Maria Eduarda. Uma passagem curiosa sobre Paraná é que doou o corpo para que, depois de morto, seja utilizado em estudos na Faculdade de Medicina de Sorocaba. Ele entende que dessa forma estará colaborando para o avanço da medicina e fornecendo material para os universitários.

Alegre e brincalhão, ele foi recebido na faculdade no dia 30 de março de 2005. Disse aos alunos que seu corpo não servirá para estudo das turmas atuais nem das futuras, pois pretende viver muito ainda, mas deixou registrado em cartório o seu último desejo: "Nunca gostei de velório e enterro, então decobri uma forma de aproveitar meu corpo após a morte. Acredito que alguma parte pode ser útil", explicou, à época que visitou a faculdade.

Carcará ou Bastião?

O apelido do estado natal não esconde o amor pela terra que o criou. Paraná, ponta-esquerda raro no futebol, tem o nome pelo amor ao seu Estado e sua cidade, Cambará, que ele diz ser a mais bonita do mundo. Mas tiveram outros dois apelidos pelos quais foi chamado carinhosamente pelos amigos.

"Em 1961 fui extrair as duas unhas do pé e logo após tinha que me apresentar no Tiro de Guerra. Lá chegando eu estava de chapéu e guarda chuva, blusa de frio e sandália. Um amigo meu que estava no posto, cantou para mim: "Lá vem o nego bastião". E o apelido ficou."

Outro apelido que ganhou foi Carcará, por causa da forma de jogar duro e forte. "Na concentração, assistíamos TV, quando num programa de auditório Maria Betânia começou a cantar: "Carcará, pega, mata e come. Carcará, não vai morrer de fome. Carcará, mais coragem do que homem, Carcará". Hildo, companheiro de quarto da Seleção, olhou para mim e disse: "Olha a música do Paraná". E aí pegou."