Lauro César Muniz aposta na inteligência do público de novela
Geraldo Bessa - TV Press
Experiente e cheio de opinião, Lauro César Muniz sempre prezou a ousadia. Entre fracassos de audiência, como "Espelho Mágico", de 1977, e tramas bem-sucedidas como "Roda de Fogo", de 1986, o autor diz saber exatamente o preço de suas escolhas. "Diante do imponderável, minha postura sempre foi de não fazer mais do mesmo. Já entrei certo de que a novela teria êxito e fracassei. Em outras, estava inseguro e fiz um grande sucesso. Sempre aprendi mais com meus erros", filosofa. Em sintonia com sua trajetória de novelas adultas, o autor volta ao ar com "Máscaras", seu terceiro trabalho na Record onde já assinou "Cidadão Brasileiro", de 2006, e "Poder Paralelo", exibida em 2009. Na complexa trama, que aglutina política tema recorrente em suas novelas , organizações criminosas e troca de identidade, Lauro acredita que está elevando o nível de abordagem dos folhetins atuais. "As telenovelas estão cada vez mais pobres de conteúdo. Máscaras tem uma história complicada, mas não tenho medo disso", gaba-se.
Natural de Ribeirão Preto interior de São Paulo , Lauro César estreou na televisão em 1966, com "Ninguém Crê em Mim", exibida pela extinta TV Excelsior. Aos 74 anos de idade e cerca de 25 trabalhos em diversas emissoras como Tupi, Globo e Band , ele orgulha-se de sua trajetória, mas admite que está cansado do processo de criação que envolve produções de longa duração. Prevista para ter pouco mais de 200 capítulos, "Máscaras" seria a despedida de Lauro César do formato tradicional de novelas. Por conta disso, ele enxerga a atual trama das 22h como uma novela-testamento. "É uma despedida pensada. Não vou ter saco, nem idade para tramas longas depois dessa novela. Por ser o fim de um ciclo, a trama está cheia de referências ao meu passado e a tudo que me inspira", assume.
P - "Máscaras" é sua terceira novela na Record. Qual foi o ponto de partida deste novo trabalho?
R - Estava indo para o Recnov pela orla da Praia da Barra, no Rio de Janeiro, vi um navio em alto-mar e tive o insight para a novela. Comentei com o motorista sobre a quantidade de tramas e bons personagens que deveriam ter a bordo de um transatlântico. As pessoas que estão em um cruzeiro têm a sensação maravilhosa de que, ao se desligar do continente, podem viver outras histórias. É um corte no cordão umbilical para fazer o que quiser, pôr "máscaras", usar outra identidade.
P - Você está na televisão desde 1966. O que ainda o leva a criar personagens e escrever novas tramas?
R - Gosto do que faço. Além disso, tenho um contrato com a Record até 2014 e preciso cumpri-lo (risos). Hoje em dia, o que me motiva a escrever é a relação de liberdade de criação que tenho com a emissora. "Máscaras" deve ser minha novela mais intrincada. É uma história complexa, que envolve política, relações internacionais, depressão. Devo admitir que é uma trama ambiciosa.
P - Novelas atuais como "Fina Estampa" e "Avenida Brasil", da Globo, apresentam abordagens extremamente populares. Você sente algum receio do público estranhar a complexidade de "Máscaras"?
R - Não. O público é muito inteligente, mas está anestesiado pela enorme quantidade de dramaturgia ruim que está no ar. Isso não é só no Brasil. Há seriados estrangeiros que são uma agressão ao bom senso. No caso do nosso mercado, por inexperiência ou negligência de alguns autores, as novelas caíram muito de nível. Por exemplo, "Fina Estampa" é muito pouco arrojada para aquilo que o próprio Aguinaldo Silva fez antes. Ele fez excelentes novelas. Essa foi a pior do Aguinaldo.
P - Mas foi uma das melhores audiências dos últimos anos...
R - Faz sucesso porque não tem outra coisa para ver. Em contrapartida, nós, da Record, estamos trabalhando em um nível mais ambicioso. Com "Máscaras" talvez, esteja até me excedendo. Não faz mal, é uma tentativa. "Vidas Opostas" (2009) foi uma novela muito boa também, que botou o dedo na ferida, que falou com verdade sobre a favela. Enquanto que a Globo está contando histórias da carochinha. Inclusive, com certo preconceito.
P - Qual tipo de preconceito?
R - Vários. Desde o modo como retrata a parcela mais pobre da população até em relação a homossexualismo. A caricatura do homossexual é sempre carregada de preconceito. É um retrocesso ao trabalho feito pela telenovela ao longo dos anos. E temos de aceitar passivamente. É triste ver a tevê tratando a normalidade como se fosse doença, desvio ou algo de cunho religioso.
P - A Record é dirigida por religiosos. Isso lhe deixa mais cuidadoso ao abordar algum dogma em cena?
R - Sem dúvida! Em "Máscaras" tenho um personagem católico. Perguntei para o diretor de dramaturgia: "posso criar o personagem do Cecil Thiré abertamente católico?". E tive carta branca.
P - Não incomoda ter que pedir autorização para falar sobre certos assuntos?
R - Não. Consultei da mesma maneira que, se eu estivesse na Globo, consultaria sobre um personagem pastor evangélico. Não sei se a Globo autorizaria. Acho que sim. Não tive problema nenhum para ter um personagem católico. O que os diretores da Record não gostam, e eu entendo perfeitamente, é de deboche. Se você cria um padre e debocha, a Record não vai gostar. Assim como se brincar com um pastor. Se tratar religião com seriedade e respeito, não tem problema.
P - Na sua opinião, dos anos 60 até o momento atual, o que mudou na maneira de escrever novelas?
R - A busca pelo sucesso, a pressão da audiência e a visão dos executivos das emissoras limitaram o trabalho do autor. As novelas atuais se dizem ousadas, mas são muito caretas na estética e no conteúdo. Por exemplo, nos anos 60 e 70, a gente nem falava em maniqueísmo, porque ele simplesmente não era utilizado. Essa coisa de limitar cada vez mais assuntos e a conduta dos personagens surgiu a partir dos anos 90. Acho que essa simplificação empobrece o trabalho. Isso acontece porque quem está na cúpula das emissoras não sabe nada de arte.
P - Os executivos das principais emissoras brasileiras estão mirando a programação no alardeado crescimento da classe C. Houve algum pedido da Record para encaixar sua trama nesta proposta?
R - Tenho uma ótima relação com a direção da Record. Mas não chegou nenhum pedido desse até mim. Ainda bem! Acho que essa nova classe C, chamada emergente, faz parte do mesmo público que, no passado, nos prestigiou com atenção e audiência. E atualmente, eles estão sendo chamados de idiotas. Em um país muito mais carente, nas décadas de 70 e 80, eles estavam aplaudindo nossas novelas mais ambiciosas. Não podemos menosprezar a capacidade de percepção e grau de exigência do público. Popular não significa populista, e pode ser de muito bom gosto e conteúdo.
P - Você entrou na Record em 2005, no momento em que a emissora estava reestruturando o setor de dramaturgia. Qual o saldo desses sete anos de contrato?
R - Sinto muito orgulho de fazer parte desta história. Quando fiz "Cidadão Brasileiro" (2006), não tínhamos condição nenhuma de trabalho. A cidade cenográfica resumia-se a uma praça. Não tínhamos computação gráfica, os estúdios eram mínimos. Hoje temos espaço, estúdios de ótima qualidade, um quadro de luz fantástico, câmaras de última geração. Tecnologicamente falando, a Record está perfeita.
P - "Máscaras" vai ao ar depois das 22h. Está satisfeito com esse horário?
R - Acho o horário de 22h15 ou 22h30 excelente. Pois a novela é dirigida a um público adulto. Só agora a Record conseguiu ter uma grade mais forte e coerente. É preciso criar uma tradição. A grande sacada da Globo foi dar ao folhetim um horário "sagrado", que funcionasse como um centro de gravidade da grade de programação, é o programa AA. Este horário é intocável e toda a programação gira em torno dele. É o famoso horário da "novela das 8", que foi sendo transferido para as 21h de forma cuidadosa e estrategicamente benfeita.
P - Sua novela de 2009, "Poder Paralelo", sofreu com seguidas mudanças de horário por causa do reality "A Fazenda". Você acha que agora o folhetim das 22h virou uma prioridade para a Record?
R - A Record começa somente agora a entender que a fixação de horários é importante e que a novela das 22h pode ser um ponto de referência, a base de toda a programação. Em "Poder Paralelo", a trama estava em função de "A Fazenda". Por isso, mais da metade da novela foi exibida muito tarde. Fez-se naquele período, uma estratégia de guerrilha e não de fixação de grade. Enfim, foram recursos de uma emissora que estava sendo implantada. Mas agora, ao que tudo indica, chegou a hora da maturidade.
P - Durante a apresentação de novela para a imprensa, você afirmou que "Máscaras" é sua última novela com mais de 200 capítulos. Acha que assim como a Globo, a Record também vai investir em tramas mais curtas?
R - Deveria. Estou fazendo campanhas por novelas curtas, de 120, 140 capítulos, há anos. As emissoras dizem que o ponto de equilíbrio e lucro de uma novela é o capítulo 100. É possível antecipar isso para o capítulo 60. Pois uma trama mais curta, também tem menos personagens, cenografia, locações, diretores. Tentei várias vezes na Globo, mas não consegui. Me falavam: "Você para com esse assunto!". No entanto, estou sentindo uma acolhida agora.