Fernanda Torres enxerga a consolidação de sua relação com a tevê
Geraldo Bessa - TV Press
Fernanda Torres não estranha mais ao ver a televisão tomando boa parte de seu cotidiano. Figura bissexta na tevê e quase uma década depois do fim de "Os Normais" seu trabalho de maior destaque no veículo , ela mostra-se satisfeita com a repercussão de "Tapas & Beijos". A série, na qual interpreta a insegura Fátima, revelou-se um dos destaques da linha de shows global do ano passado, com audiência média de 28 pontos no ibope. E acaba de estrear sua segunda temporada, com exibição prevista até o final do ano. "Chego no estúdio com minha marmita na bolsa, passo o texto, me divirto com os colegas de elenco. Acho que assim como eu, minha relação com a tevê chegou à maturidade", analisa a atriz de 46 anos.
A carioca Fernanda teve seu primeiro contato com a atuação dentro de casa. Naturalmente, sob a influência dos pais, os atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro, ela foi criando intimidade com os palcos e a televisão. "Cresci nos bastidores das peças e novelas deles. Ser atriz era algo muito forte dentro de mim. Não tive como escapar", conta, aos risos. Aos 15 anos, depois de algumas experiências no teatro, Fernanda estreou na tevê em "Baila Comigo", de 1981, e no mesmo ano esteve no elenco de "Brilhante". No entanto, muito envolvida com o Cinema, ela foi ficando cada vez mais distante dos folhetins. O último que atuou foi o remake de "Selva de Pedra", exibido em 1986. "Eu só pensava em cinema. E queria viver isso", assume Fernanda, que ganhou o prêmio melhor atriz do Festival de Cannes do mesmo ano, por seu desempenho no longa "Eu Sei Que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor.
P - Desde que "Os Normais" chegou ao fim, em 2001, você ainda não tinha engrenado outro programa de longa duração na tevê. O que a levou a participar da segunda temporada de "Tapas & Beijos"?
R - Eu tenho muito carinho pelo programa e pela equipe que está nos bastidores. A segunda temporada chegou de forma tão natural que a gente nem conversou muito sobre quem estaria no elenco ou não. Todo mundo topou sem pensar muito. Até porque esses novos episódios surgem como a consolidação de uma aposta da emissora, que investiu pesado no primeiro ano da produção, fazendo cidade cenográfica, cenários, figurinos, texto elaborado. Então, juntou a vontade da Globo de continuar com o programa e o prazer do elenco em fazê-lo.
P - O foco da produção mudou nesta nova temporada. Agora, "Tapas & Beijos" não é mais uma série cômica sobre duas "solteironas", mas aborda relacionamentos e suas crises. Como você se preparou para os novos episódios?
R - "Tapas & Beijos" continua uma comédia de adultos feita para adultos. As modificações da Fátima surgiram no texto. Amadureci junto com a personagem. Na primeira temporada, ela era a amante. E, apesar de parecer não gostar, ela era bem satisfeita sendo "a outra". Depois de casar com o Armane, ela sente o peso da rotina no relacionamento. Ela está em pânico porque tem de cozinhar, ser a amante perfeita. E ainda tem um advogado pegando a grana do marido dela, que aliás tem cinco filhos. Do ponto de vista da atuação, essa alteração no perfil tem de parecer bem sutil. Dentro da loucura da personagem, busco fazê-la o mais natural possível. A graça dos novos textos está na briga da Fátima com a perda da individualidade dela e as crises e "briguinhas" tão comuns em um casamento.
P - A rotina conjugal era o tema principal de "Os Normais". A Fátima é uma versão atualizada da Vani?
R - Se a série fosse dos mesmos autores, acho que esse risco estaria mais próximo. Mas a "pegada" da equipe do Cláudio (Paiva) é totalmente diferente. Por isso, como atriz, sei que a Vani é mais sem noção, enquanto a onda da Fátima é mais a mulher independente, mas carente do macho alfa. A atriz é a mesma, o que muda é o conteúdo. E me sinto segura ao analisar as cenas e as diferenças.
P - "Os Normais" durou apenas três temporadas. O suficiente para a Vani se tornar a personagem de maior repercussão de sua carreira na tevê. O que ela representa para a sua trajetória?
R - A Vani é meu encontro com a televisão. Foi a partir dela que vi que era possível ser feliz estando com um personagem por um longo tempo no ar. Eu me divertia tanto fazendo a série que fiquei bem triste quando acabou. Porém, quando a "Os Normais" chegou ao fim, vi que sair de cena no auge foi o melhor a ser feito. Por isso, quase dez anos depois do último episódio, Rui e Vani ainda estão recentes na mente do público. Acho que houve uma identificação muito grande com eles.
P - Por quê?
R - Eles eram um casal classe média, que já passaram pela crise dos 30 anos e que ainda estavam noivos. Muitos brasileiros estavam naquela condição e que se viam retratados naquelas situações. Eu e o Luiz Fernando (Guimarães) já tínhamos uma carreira, mas o trabalho em "Os Normais" levou a gente a outro patamar de popularidade. É por isso que qualquer coisa que a gente faça na tevê vai sofrer com uma inevitável comparação.
P - Isso a incomoda?
R - De forma alguma. Eu seria muito ingrata se me sentisse incomodada pelas consequências de ter feito alguma coisa que me deu prestígio artístico e sucesso comercial, ao mesmo tempo (risos).
P - Os novos episódios de "Tapas & Beijos" estão mantendo a boa audiência do ano passado, acima dos 25 pontos. Por conta desse sucesso, você toparia dar vida à Fátima por mais algumas temporadas?
R - Não sei. Eu nunca fui de pensar muito no futuro. Isso é novo na minha vida. Surgiu a partir dos 40 anos (risos). Eu não sou de ficar acomodada, se fosse para fazer a série por mais alguns anos, o programa teria de me fazer sentir estar evoluindo e não apenas andando em círculos. Acho tão chato aquelas séries americanas que ficam anos no ar e são esquecidas por conta da repetição. A série acaba quando as ideias se esvaziam.
P - Seu último folhetim foi o remake de "Selva de Pedra", em 1986. Não querer ficar acomodada é o que a distancia de uma possível participação em novelas?
R - Não é mais isso (risos). O que aconteceu na época de "Selva de Pedra" é que eu não estava preparada para ficar presa dentro do estúdio. Aos 20 anos, eu queria me jogar no mundo. Tinha acabado de ganhar um prêmio importante de melhor atriz no Festival de Cannes e choviam projetos maravilhosos de cinema. Eu, totalmente empolgada com isso, fui uma péssima funcionária para a Globo. Passei o resto da década de 80 e os anos 90, vivenciando de forma muito intensa os filmes e meus projetos de caráter mais experimentais e independentes.
P - Se arrepende de não ter investido mais na tevê?
R - Não chega a ser um arrependimento. Mas vejo alguns programas antigos e penso que eu adoraria ter feito, que tinham tudo a ver comigo. "TV Pirata" é um desses casos. Muitos amigos meus estavam lá.
P - Sendo filha da Fernanda Montenegro, focar no cinema foi uma tática para não ser eternamente ligada à forte imagem da sua mãe no teatro e na tevê?
R - Não foi nada proposital. Mas acabou acontecendo e eu gostei disso. Sinto um orgulho imenso das minhas origens, de ser filha de quem sou. Ao mesmo tempo em que é legal saber que se alguém me faz algum convite interessante, não é porque eu sou filha da Fernanda Montenegro e do Fernando Torres, mas porque gosta do meu desempenho como atriz.
P - Atualmente, o cinema aparece em segundo plano na sua carreira. Falta tempo ou bons projetos?
R - Realmente, meu último filme foi "Os Normais 2", de 2009. Acho que cinema é coisa de jovem (risos). Estou em uma idade onde não dá para largar minha rotina, meus filhos, meu marido e ir filmar em uma locação distante e sem nenhuma estrutura. Comecei a desenvolver uma relação mais íntima com a escrita, com a televisão e projetos para canais pagos. O seriado me toma muito tempo, mas além de ser algo que eu adoro fazer, me dá a estabilidade que preciso para desenvolver outras ideias.
P - Dentro dessa novela relação com a tevê, você se vê fazendo alguma novela?
R - Estou feliz fazendo a série. Como nossa temporada dura o ano todo, acabo trabalhando quase como uma atriz de novela. Mas em um formato mais seguro. Sem ter a necessidade de uma "frente" de muitos capítulos, normal nos folhetins. A gente grava bastante durante a semana, e tem os sábados e domingos livres. Sempre trabalhei meio freelancer. Então, acho estranho ter um cotidiano profissional tão regrado e bem montado. Estou totalmente adaptada ao ritmo de "Tapas & Beijos". Como as novelas estão cada vez mais curtas, acho que a experiência poderia ser interessante. Estou longe da realidade dos folhetins, faz tanto tempo que não faço. Aliás, faz tempo que ninguém me convida (risos).