CULTURA

Garimpeiros de expressões tropeiras


Andrea Alves
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Do encontro de dois historiadores, que garimpavam expressões dos tropeiros pelos campos do interior paulista e do interior gaúcho, surgiu o livro "Linguajar Tropeiro", publicado pela Evangraf, que será lançado hoje, às 19h30, no Espaço Cultural da Academia Sorocabana de Letras (Casa 52, no Jardim de Maylasky, em frente à Estação Ferroviária), durante o "Momento Tropeiro", projeto da Academia Sorocabana de Letras. "Linguajar Tropeiro" é praticamente um livro compartilhado porque traz dois ensaios, cada um de cada autor. Sérgio Coelho escreveu "Dando Nome aos Bois", enquanto Luiz Antônio Alves produziu "Falares e Ruralidades em Cima da Serra".

Conta Sérgio Coelho que tomou conhecimento que o gaúcho Luiz Antônio Alves fazia a mesma pesquisa no Rio Grande do Sul. "Decidimos publicar o trabalho num livro só. É interessante ver a troca de cultura e informações entre as duas regiões. O livro é quase um cururu", brinca lembrando dos desafios feitos por repentistas ao som das violas. É que com o vai e vem de tropas, muitas trocas aconteceram à medida que as culturas foram se sedimentando. Muitos costumes embarcaram nas cangalhas do tropeiros para o sul do país, da mesma maneira que a cultura sulista pegou carona em nova viagem para fazer morada por aqui novamente. Com isso, muitas expressões que ainda vivem aqui, também vivem naquelas bandas. "Lá por Jundiacanga, eles ainda usam a palavra querência, por exemplo, também consumida no Sul", conta Sérgio sobre a palavra que indica morada ou lugar de nascimento.

Com voz de prazer pelas descobertas, o jornalista e pesquisador sorocabano se empolga ao narrar histórias para lembrar como encontrou o pulso de palavras nunca modificadas pelo tempo. "Ainda em Ipaneminha, Jundiacanga, Ipanema, cheguei num lugar e vi uns pedaços de couro pregados em estacas. Então me falaram que esses pedaços estavam oreando, que é o mesmo que ventilar para secar e curtir o couro. Orear, portanto, é um verbo que ainda está entre os caipiras da nossa região e no dicionário."

Um detalhe interessante é que muitas expressões são empregadas ainda nos dias de hoje e Sérgio dá exemplos. "Quem não fala que alguém é um cavalo, ou um porco, ou um laranja, ou uma perua? A vida campeira também está presente na simbologia urbana. Mas se o Brasil é urbano há 50 anos, por que usamos a simbologia rural ainda?", questina Coelho. Ele mesmo oferece parte da resposta ao contar que uma porção de palavras, assim como famílias que vivem no campo, permaneceram isoladas, mantendo assim sua existência e seu significado. Por isso, muitas palavras consideradas integrantes do português arcaico ainda são utilizadas entre os caipiras. "Catanduva, nome dado ao mato, ainda é usada, assim como o verbo respingar e apinchar."

Preciosidade em palavra

Enquanto lia um inventário da Fazenda Ipanema que data de 1842, Sérgio se deparou com mais uma informação desconhecida para ele. O documento descrevia que no local havia 15 bestas, 50 burros e um retalho. A descoberta do que é retalho coincide exatamente com o que Luiz Antonio Alves descobriu na região Sul do Brasil. Sérgio conta o que é. "Retalho é um burro que foi meio castrado. O animal passa por uma cirurgia de castração, mas ainda tem interesse pelas fêmeas, indicando assim qual delas está no cio." Outra palavra o deixou ainda mais instigado, tanto que a ela reservou um capítulo chamado "Você já comeu Jivura?" "Jivura é o nome de um feijão da seca que é amassado com a mão, fazendo dele uma bolinha antes de se comer. Essa palavra é muito antiga."

Há mais de 10 anos Sérgio faz sua pesquisa no campo e mesmo assim considera como inacabada e avisa que seu ensaio presente no livro é na verdade um levantamento. "Esse tema, essas descobertas merecem uma análise ainda maior." Como um bom pesquisador, Sérgio confessa que algumas perguntas ainda pairam à procura de respostas - e como um bom interessado no assunto, diz que ainda vai descobrir e matar essa curiosidade. "Por que, por exemplo, a maioria das expressões tem um sentido negativo? Noventa por cento das expressões descobertas são para dizer algo que não é bom, como pé de cana e pata choca, e apenas 5% são expressões positivas como pele de pêssego, face de maçã, potranca e gato."

Em "Falares e Ruralidades em Cima da Serra", Luiz Antônio Alves desenvolve pesquisa assemelhada, tendo como foco os municípios da região serrana do Rio Grande do Sul. O livro inclui, ainda, numerosas ilustrações, inclusive de monumentos ao tropeiro erguidos em diferentes pontos do Brasil. "Linguajar Tropeiro", de 136 páginas, será vendido durante a noite de autógrafos ao preço promocional de R$ 15,00.

Expressões, citadas no livro, e que foram inspiradas na vida do campo:

"Não se pode chupar cana e assobiar ao mesmo tempo"
"Quando a jabuticaba é pouca, a gente engole o caroço"
"Sapo não pula por gosto, mas por precisão"
"Picar a mula"
"Empacado como uma mula"
"Caiu do Cavalo"

Programação "Momento Tropeiro"

Exposição de quadros, palestras e lançamentos de livros são os eventos que a Academia Sorocabana de Letras (ASL) vai promover para celebrar e manter viva a cultura tropeira na cidade. O "Momento do Tropeirismo" da ASL começa hoje, às 19h30, com a abertura da exposição de quadros do artista Mario Mattos e lançamento de livros "Linguajar Tropeiro", de Sérgio Coelho de Oliveira e Luiz Antônio Alves, e "O Cavaleiro da Terra de Ninguém (Vida e tempos de Cristóvão Pereira de Abreu)", de Sinval Medina. Amanhã é dia de palestras e debates. Todas as atividades serão realizadas no Espaço Cultural da Academia Sorocabana de Letras (Casa 52, no Jardim de Maylasky, em frente à Estação Ferroviária). Os eventos são gratuitos e abertos a todos os interessados na cultura tropeira.

Segundo Geraldo Bonadio, presidente da ASL, os lançamentos da noite de hoje valorizam essas páginas da história ao desvendar detalhes que ainda permaneciam escondidos. "Linguajar Tropeiro é pioneiro e muito interessante. Um livro nascido de um trabalho cuidadoso dos dois pesquisadores, Sérgio Coelho e Luiz Antônio Alves", destaca. "O Cavaleiro da Terra de Ninguém (Vida e tempos de Cristóvão Pereira de Abreu)", de Sinval Medina, é, como diz o presidente da academia, uma biografia romanceada, mas com fundamento histórico. "O texto é muito bem escrito, interessante e esclarecedor sobre Cristóvão Pereira de Abreu, uma figura incrível pelo número de coisas que fez, entre elas a ligação entre Santa Catarina e Curitiba, que viabilizou as estradas e a passagem para o sul do País." Jornalista e professor universitário, que desde 1997 se dedica à literatura, o gaúcho Sinval Medina, que mora em São Paulo desde 1971, estudou a vida do primeiro tropeiro da história do Brasil para escrever o livro publicado pela Prumo. A publicação tem 432 páginas e será vendida hoje, durante o lançamento, ao preço promocional de R$ 39,90.

Bonadio reforça que a exposição de Mario Mattos é composta por telas a óleo e trabalhos em aquarela que contam as histórias de idas e vindas dos tropeiros em pinturas que mostram cenas simples de um cotidiano passado, com os homens, mulheres e animais daquele período. A visita a essa exposição precisa ser agendada por conta de diversos eventos realizados na casa. Agendamentos podem ser feitos pelo telefone (15) 2104-9229.

Seminário

O Seminário Regional de Estudos Avançados sobre o Tropeirismo será realizado durante todo o sábado, a partir das 8h, quando os participantes serão recebidos. A abertura pelo Presidente da Academia Sorocabana de Letras, Geraldo Bonadio, será às 9h10. A primeira palestra começa às 9h20, com Jaelson Bitran Trindade, doutor em História, pesquisador de tropeirismo, engenheiro do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e autor do livro "Tropeiros". Ele fará uma análise histórica do corredor das tropas, revelando os vestígios culturais que ainda existem. Às 13h45, o vice-presidente da ASL, Sérgio Coelho de Oliveira, Coordenador Executivo do Instituto Cristovão Pereira de Abreu - Centro Ibero-Americano de Tropeirismo, órgão da ASL, abre o evento na parte da tarde. Às 14h, Lucinda Ferreira Prestes, doutora em Arquiteta e Urbanismo pela USP, vai abordar em sua palestra o tema "A Feira de Muares e a expansão da área urbana de Sorocaba.
Apogeu e declínio da arquitetura das classes abastadas na Vila Tropeira de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba". Lucinda é sorocabana e autora do livro "A Vila Tropeira de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba", que fala a respeito dos sobradões que surgiram na cidade nos tempos do tropeirismo. Após as questões apresentadas pelos participantes, começa uma mesa redonda com Adolfo Frioli, Geraldo Bonadio, Jaelson Bitran Trindade, Lucinda Ferreira Prestes e Sérgio Coelho de Oliveira, que vai discutir "A preservação e a recuperação do patrimônio cultural material e imaterial do tropeirismo. Caminhos, possibilidades e desafios".