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Dia Nacional do Samba. Da descriminalização à globalização do ritmo

* Jéssica Bastida Raszl e Míriam Cristina Carlos Silva

O Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro, foi instituído em várias cidades do Brasil, inicialmente em 1940 em Salvador, mas se tornou nacional em 1963. Esse dia foi marcado por ser a data em que Ary Barroso visitou a capital baiana pela primeira vez. Compositor de clássicos como ""Aquarela do Brasil"" e ""Na Baixa do Sapateiro"", ele nunca havia visitado a Bahia. Logo após isso, a festa se espalhou pelo País e se tornou uma comemoração nacional. O samba, música composta por frases curtas, surge no Brasil como gênero musical por volta da segunda metade do século 19, a partir de influências africanas.

Em São Paulo, os primeiros sambas de que se tem notícia nasceram quando da importação de escravos do nordeste brasileiro para trabalhar nas lavouras de café, no século XVIII, e, posteriormente, no bairro da Barra Funda, onde muitos negros trabalhavam como carregadores de café na linha do trem, sendo essenciais para o nascimento do samba paulista.

O ritmo se popularizou em meados de 1920, após a gravação em vinil de ""Pelo Telefone"", composta por Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos, compositor e violonista) e Mauro de Almeida, sendo um marco dentro da história do samba por ser considerada a primeira composição a alcançar sucesso com a marca de samba, cooperando para a popularização do gênero. A música foi concebida em um conhecido terreiro de candomblé daqueles tempos, a famosa casa da Tia Ciata - frequentada por grandes sambistas e músicos da época.

Ora descriminalizado e tido como manifestação negativa, pode ser reconhecido como comunicação transformadora da época, que permitia, através das suas letras, que os seguidores e apreciadores dessa melodia pudessem conhecer um pouco mais da história do Brasil ao mostrar a diversidade cultural existente no País. Nesse aspecto, o papel da imprensa no século 20 (de 1917 a 1950) foi essencial ao desmitificar o gênero musical e os sambistas, já que o ritmo era inicialmente criminalizado e visto com preconceito.

O jornalista Sérgio Cabral conta, em depoimento registrado no DVD comemorativo dos 40 anos de carreira de Beth Carvalho, uma história que ilustra a relação entre a polícia e os pioneiros do samba, e que foi contada por Donga. O sambista relatou que o samba ""era proibido porque a gente ia pra Penha, e na hora que a gente ia com o pandeiro e o violão, a polícia cercava e tomava o pandeiro; porque quem cantava samba era capadócio"". Em outro momento diz que toda vez que um homem, geralmente negro, era detido pela polícia por vadiagem, uma das primeiras providências a serem tomadas era a de verificar a existência de calos nas pontas dos dedos. Em caso afirmativo, concluía-se que o preso tocava violão, caracterizando-o como sambista e, como consequência, era preso - o que nas palavras de Donga ""era pior do que ser comunista"".

No Rio de Janeiro, a imprensa coagia compositores a abdicarem a temática da malandragem nos seus sambas, na base da censura. Tal fato é enfatizado em dezembro de 1939, com a criação pelo governo, do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como principal objetivo difundir a ideologia do Estado Novo junto à população, além de procurar impedir que as injustiças sociais fossem denunciadas por meio das letras dos sambas. Só em 1940, o DIP vetou mais de 300 letras de músicas e, em 1941, proibiu a divulgação do samba ""O Bonde de São Januário"", de Ataulfo Alves e Wilson Batista, por considerar uma exaltação à malandragem.

Hoje, pesquisadores, acadêmicos, jornalistas e historiadores em uma junção de histórias e acontecimentos da época, buscam explicar como esse ritmo se transformou em cultura popular e nacional. Poucos sambistas, hoje, propagam o ritmo como ele é desde o seu surgimento. A tecnologia permitiu que muitos dos primeiros sambas fossem remasterizados e regravados por artistas que persistem em não deixar o samba de raiz cair no esquecimento, deixando que sua batida original não se deixe levar por acontecimentos culturais relâmpagos e ritmos midiáticos.

* Professora Especialista Jéssica Bastida Raszl e Professora Doutora Míriam Cristina Carlos Silva, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso. ([email protected])