SOROCABA E REGIÃO

Montgomery atuou no incêndio do edifício Joelma




Giuliano Bonamim
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O tenente Roberto Montgomery Soares chegou a São Paulo em 1.º de fevereiro de 1974 devidamente fardado com o uniforme de passeio do Corpo de Bombeiros. Saiu de Santos com uma camisa de mangas curtas, calça comprida e botas para participar da primeira aula de um curso de especialização - na época, necessário para o trabalho na função de oficial da corporação. Por volta das 9h, a lição teórica começou a se transformar em prática com o chamado de emergência feito pelo coronel Jonas Flores Ribeiro Júnior, comandante dos bombeiros paulistanos. Todos os alunos foram colocados nas viaturas e levados para atender a uma ocorrência na região central da cidade. O destino era o edifício Joelma, que ardia em chamas na triângulo formado pela avenida Nove de Julho, praça das Bandeiras e rua Santo Antônio.
O incêndio, ocorrido há exatos 39 anos, é considerado o pior da história de São Paulo. O fogo teve início por volta das 8h30 no 12.º andar com o curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado. No total, 187 pessoas morreram e aproximadamente 300 ficaram feridas.
Na época, Montgomery - hoje coronel reformado da Polícia Militar e secretário de Segurança Comunitária de Sorocaba - tinha 25 anos de idade, experiência de cinco anos no Corpo de Bombeiros e oito na Polícia Militar. Já estava habituado a trabalhar em ocorrências complexas e, no caminho entre a sede da corporação e o edifício Joelma, começou a perceber a gravidade da situação ao ouvir as mensagens via rádio.
O primeiro contato visual com o edifício ocorreu por volta das 9h30. Praticamente toda a estrutura de operação já estava montada no local pelo Corpo de Bombeiros, com carros-pipa e escadas Magirus distribuídas ao redor da torre de 24 andares. Tanto Montgomery quanto os demais alunos se apresentaram e já integraram uma equipe que atuava em uma das frentes de salvamento.
O fogo já consumia toda a parte superior ao 12.º andar do edifício Joelma. Montgomery, mesmo com a roupa de passeio, iniciou o processo de resgate das vítimas pelo lado de fora. "Fomos do jeito que estávamos, sem roupa de proteção. Naquela época, o Corpo de Bombeiros carecia muito de equipamentos de proteção individual. Carecia ainda de recursos, como a plataforma aérea, que veio de Santo André", comenta.
Do chão, Montgomery visualizou as pessoas no terraço do prédio em busca de socorro. Outras eram socorridas por meio das escadas dos bombeiros, que chegavam até o nono andar ¿ onde terminavam as garagens e iniciavam as salas comerciais.
A primeira vítima do fogo vista por Montgomery descia por uma das escadas instaladas pelos bombeiros. O tenente foi em direção ao sobrevivente, que estava na parte frontal do prédio, e o trouxe ao chão para a consequente ação das equipes de socorro. Esse foi o seu primeiro salvamento do dia.

Por dentro do edifício

Na sequência, Montgomery voltou ao prédio atrás de uma segunda vítima ¿ que estava próxima do local do primeiro socorro, na altura do 21.º andar. "Eu mentalizei o que iria fazer. O meu procedimento era ir até aquela vítima. Ela estava em uma plataforma, se protegendo entre a janela e o beiral", comenta.
Essa vítima estava próxima a uma corda, colocada no topo do prédio pela FAB na tentativa da realização de alguns salvamentos. Montgomery acessou o interior do prédio pela única escada existente, sem proteção contra incêndio, e determinado a encontrá-la. "Eu só tinha na minha cabeça que ela estava em alguns andares acima. Eu passava um ou dois pavimentos, ia até a direção de onde ela estava e olhava", diz.
Durante esse percurso, Montgomery pisou em uma poça d"água. O líquido penetrou na bota e provocou uma queimadura leve na sola do pé. Depois, o tenente começou a sentir dificuldade em respirar devido ao calor e à fumaça provocada pelo incêndio. "Eu percebi que não iria aguentar subir mais. Daí, eu desci e voltei ao andar que eu estava. Ali já não tinha nada queimando e dava para respirar", relata. "Daí, eu fui procurar uma saída no sentido contrário, vi uma abertura e fui nela. Era um poço de ventilação no meio do prédio. Se não fosse um bombeiro para me segurar, eu seria uma das vítimas e não estaria mais aqui. Eu iria cair naquele poço, pois esse é o desespero que dá na pessoa que tenta respirar e não consegue. Ali eu também senti a mucosa interna queimar, como se tivesse entrado um líquido quente, um vapor quente", completa.
Já recomposto, Montgomery organizou uma equipe ¿ com outros três bombeiros ¿ para o resgate da vítima. O grupo chegou a um andar abaixo e pediu para o sobrevivente manter a calma. "Eu pedia a Deus para que ele não se jogasse, pois 20 pessoas já tinham feito isso", relata. "Quando essa pessoa me viu, ela falou que "não aguentava mais"", diz o tenente.
Montgomery seguiu rapidamente em direção à escada, venceu alguns degraus e chegou no mesmo patamar da sobrevivente. "Quando eu encostei nela, ela desmaiou na hora. Puxamos essa vítima, ela não tinha nenhuma queimadura e foi entregue aos socorristas", conta Montgomery.

Varredura

O próximo passo do grupo de bombeiros foi fazer uma vistoria nos banheiros, já que o fogo tinha praticamente cessado. "A gente colocava a mão nas portas de madeira e elas se desfaziam. Tinham queimado e virado carvão", diz Montgomery.
No primeiro banheiro, com a porta aberta, o tenente encontrou um senhor sem vida no chão e uma mulher com a cabeça dentro do vaso sanitário. "Percebi que ela respirava, chamei a equipe e disse que ela estava viva. Logo a levamos para ser feito o salvamento, mas não sei se ela sobreviveu", conta.
O grupo continuou a varredura nos andares superiores e, em outro banheiro, encontraram sete mulheres mortas. "Elas estavam completamente nuas, uma em cima da outra", comenta.
A partir desse momento, Montgomery só viu cadáveres. "Quando eu cheguei no topo do edifício, o telhado era dividido em dois e no centro havia uma caixa d"água. De cada lado, eu vi uma cena que parecia de filme de guerra. Contei cerca de 150 pessoas mortas, a maioria com poucas queimaduras, de um ou dois graus. Tudo indica que morreram por asfixia", diz.
Montgomery saiu do edifício às 16h30, depois de praticamente sete horas de trabalho. Nesse período, bebeu pouca água, mal se alimentou e tomou alguns goles de leite. Segundo ele, o incêndio no Joelma foi o trabalho mais difícil enfrentado em toda a sua vida.